Realidade virtual ajuda a diminuir a dor de homem que ficou sem antebraço
Homem sem antebraço há 48 anos sentia dor constante que, com frequência, era muito intensa. Tratamento inovador que usa jogo de computador aplacou dor no braço-fantasma.
“Estes períodos sem dor são uma coisa quase nova para mim, é uma sensação extremamente agradável”, diz o paciente, citado no artigo da revista.
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“Estes períodos sem dor são uma coisa quase nova para mim, é uma sensação extremamente agradável”, diz o paciente, citado no artigo da revista.
É relativamente normal às pessoas a quem foi amputado um membro continuarem a senti-lo como se ele estivesse lá. Infelizmente, 70% das pessoas sentem dores no membro-fantasma.
No caso deste homem de 72 anos, que foi submetido a um tratamento inovador na Universidade de Tecnologia de Chalmers, em Gotemburgo, na Suécia, num trabalho liderado pelo investigador Max Ortiz-Catalan, a dor que sentia no antebraço-fantasma, nos últimos 48 anos, era constante. Apesar de usar normalmente um braço artificial, durante a maior parte do tempo tinha uma dor moderada e várias vezes por dia a dor tornava-se insuportável. Além disso, era comum acordar à noite com estas dores.
Não se sabe muito bem quais as causas da sensação dolorosa, mas existem vários tratamentos para tentar aplacá-la: desde medicação até à acupunctura ou hipnose. Há ainda a técnica do espelho, em que se tenta enganar o cérebro das pessoas. Neste caso, o paciente tem de fazer movimentos com o membro intacto e, ao mesmo tempo, tenta fazer os mesmos movimentos com o membro amputado. Mas estes exercícios são feitos em frente a um espelho que reflecte os movimentos e faz com que a pessoa só veja o membro saudável a mover-se. Este truque dá ao paciente a ilusão de que o membro amputado está a movimentar-se normalmente. No caso do homem de 72 anos, todos os tratamentos falharam, até agora.
O método usado na universidade sueca é um salto em relação à técnica do espelho. A equipa de Max Ortiz-Catalan colocou eléctrodos no braço amputado do homem que transmitem um sinal vindo dos músculos. Estes eléctrodos estão ligados a um programa informático. Os sinais musculares são traduzidos para os movimentos de um antebraço e mão virtuais por um sistema de algoritmos.
O paciente fez vários exercícios de controlo do braço virtual e guiou carros num jogo de corridas. Estes movimentos eram controlados pelos músculos do braço amputado. O paciente, que era ao mesmo tempo filmado, via-se num ecrã a fazer aqueles movimentos com um antebraço e mãos virtuais, num sistema de realidade aumentada.
“Os nossos métodos são diferentes dos tratamentos anteriores, porque os sinais que controlam [o braço virtual] são aproveitados a partir do coto do braço”, explica Max Ortiz-Catalan, num comunicado. As sessões de dez minutos de exercícios prolongaram-se durante 18 semanas. Gradualmente, o homem foi sentindo uma dor cada vez mais leve no braço-fantasma. A partir das últimas semanas, a seguir às sessões, o paciente tinha pequenos períodos de tempo sem dor nenhuma.
“Há várias características deste sistema que combinadas podem causar o alívio da dor”, considera Max Ortiz-Cataln. “As áreas motoras do cérebro necessárias para o movimento do braço amputado são reactivadas, e o paciente obtém o retorno visual que faz com que o cérebro acredite que existe um braço a executar aqueles comandos motores. O paciente experiencia-se como um todo, com o braço amputado de volta ao seu sítio.”
Do punho fechado à mão aberta
Há outras conquistas feitas pelo homem de 72 anos. Durante 48 anos, o paciente continuou a sentir a mão-fantasma, mas sentia a mão fechada com muita força. Depois de seis sessões, a sensação do punho fechado evoluiu para uma mão meio aberta que coincidia com a posição relaxada e neutral da mão virtual que via no ecrã do computador. “Esta é agora a percepção permanente da posição da mão- fantasma que é muito apreciada pelo paciente”, lê-se no artigo.
Antes de iniciar as sessões de tratamento, o paciente sentia ainda que a mão-fantasma estava situada logo a seguir ao coto e não na posição normal, depois do pulso. Mas, quando começou a fazer as sessões virtuais, o homem passou a sentir a posição da mão-fantasma no local correcto. Além disso, aprendeu a mover o braço virtual e consegue agora "mexer" cada um dos dedos da mão-fantasma.
A equipa não sabe quais serão os efeitos a longo prazo deste tratamento: se a diminuição da dor se mantém depois de as sessões terminarem. Por isso, decidiram manter os exercícios com este paciente. Uma alternativa é o programa virtual ser instalado na casa do homem. Está ainda em curso um programa que reúne hospitais suecos e clínicas de outros países europeus para aplicarem a técnica a outras pessoas que estão na mesma situação.
A razão de a dor ser suprimida permanece uma incógnita – pode ser causada pela nova actividade dos músculos do braço amputado durante os exercícios ou pode estar ligada ao cérebro acreditar que, afinal, o braço e a mão existem, estão ali e funcionam. De qualquer forma, para os autores, este tratamento poderá ser aplicado a outro tipo de pacientes que “necessitam de reabilitação neuromuscular no caso dos acidentes vasculares cerebrais (AVC) e de lesões parciais da medula espinal”, explica-se no artigo. A única condição necessária é que ainda haja sinais eléctricos dos músculos que possam ser lidos pelos eléctrodos.
Quanto ao homem de 72 anos, as mudanças que ocorreram graças a este tratamento experimental são notadas pela família, diz a mulher, citada no artigo: “O meu marido pode viver mais dez anos do que eu esperava, agora que a dor tem um papel menos importante na sua vida, e os que estão próximos dele vêem isso."