Bloco propõe que investigações de violação não dependam de queixa
Projecto de lei do BE quer que crime de violação deixe de exigir prova de violência ou ameaça grave, sendo necessário mostrar apenas que vítima não consentiu no acto sexual.
Neste momento, as violações só são investigadas mesmo que as vítimas não apresentem queixa, quando os visados são menores ou quando do crime resulta o suicídio ou morte da vítima.
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Neste momento, as violações só são investigadas mesmo que as vítimas não apresentem queixa, quando os visados são menores ou quando do crime resulta o suicídio ou morte da vítima.
“É no não consentimento que radica a violência do acto e a natureza do crime. Neste sentido, a existência de violência ou ameaça grave não devem ser meios típicos de constrangimento, mas circunstâncias agravantes da pena”, sustenta o Bloco de Esquerda na exposição de motivos do projecto. E acrescenta-se: “um acto sexual não consentido é, de per si, um acto de violência”.
A moldura penal prevista para o crime de violação mantém-se entre os três e os dez anos de prisão, mas passa a abranger situações que actualmente são punidas apenas com um máximo de três anos de cadeia. O projecto prevê que o artigo passe a determinar expressamente as várias agravantes, que no caso de vítimas menores de 14 anos ou se do acto decorrer gravidez, ofensa à integridade física grave, suicídio ou morta da vítima podem fazer subir a pena de prisão até aos 15 anos.
Actualmente, o crime de violação exige que o acto sexual tenha sido praticado “por meio de violência” ou “ameaça grave”, o que já deu origem a decisões judiciais polémicas. A mais conhecida é do Tribunal da Relação do Porto que, em Maio de 2011, absolveu um psiquiatra do crime de violação de uma paciente grávida por considerar que o acto sexual não se revestiu da violência suficiente para se enquadrar naquele ilícito. Dois juízes (o terceiro votou vencido) entenderam que o facto de o médico ter agarrado na cabeça da doente e lhe ter introduzido o pénis na boca e, de seguida, a ter empurrado para o sofá, onde concretizou sexo vaginal, não constituiu violência suficiente para configurar o crime de violação. "Para que o empurrão na ofendida integrasse o conceito de violência, visado como elemento objectivo do crime de violação, teria de traduzir um ‘plus’ relativamente à força física normalmente utilizada na prática de um acto sexual", defenderam os desembargadores, no acórdão.
“Não faz sentido que os tribunais tenham que pegar numa fita métrica para avaliar quantitativamente a violência e depois decidir que se não atingiu o risco vermelho então não houve violação”, defende a deputada Cecília Honório, que elaborou o projecto. “É uma inversão completa de paradigma. Queremos retirar o ónus que recai sobre as vítimas no actual Código Penal”, sublinha a bloquista.
A proposta do Bloco segue as recomendações da Convenção da Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à Violência contra a Mulher e a Violência Doméstica, assinada em Istambul, em Maio de 2011 e ratificada o ano passado pelo Parlamento português.
Clara Sottomayor, actual juíza do Supremo e antiga professora da Universidade Católica com trabalhos publicados sobre o crime de violação, considera esta proposta “positiva” e lembra que está de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Questionada sobre como se poderá aferir o consentimento da vítima, para além do seu testemunho, a magistrada realça que há “sintomatologia psicológica de vitimização” que pode ser comprovada por especialistas. Clara Sottomayor desvaloriza os casos de falsas alegações, sublinhando que esse receio “faz parte dos preconceitos da sociedade” e que estudos científicos mostram que a taxa de falsas acusações deste crime é muito baixa e ao nível da que existe para a generalidade dos ilícitos penais.