É quase isso: o amigo que já viu tudo

Tenho um amigo que já viu tudo: filmes, vídeos engraçados, conferências de imprensa do Paulo Fonseca. Só não viu todos os filmes do Chuck Norris

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APRIL-MO/Flickr

Tenho um amigo que já viu todos os filmes, todos os documentários e todos os vídeos engraçados, como os que têm pessoas a bater com a cabeça numa porta ou a cair da bicicleta, pessoas que se enganam a dizer “deslumbrativamente” ou, até, as conferências de imprensa de Paulo Fonseca.

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Tenho um amigo que já viu todos os filmes, todos os documentários e todos os vídeos engraçados, como os que têm pessoas a bater com a cabeça numa porta ou a cair da bicicleta, pessoas que se enganam a dizer “deslumbrativamente” ou, até, as conferências de imprensa de Paulo Fonseca.

Só não viu todos os filmes do Chuck Norris, porque apenas Chuck Norris viu todos os filmes de Chuck Norris.

(Esta frase tem demasiadas vezes o nome “Chuck Norris”, para dar força ao meu texto, na pesquisa do Google, relativamente a outros textos que não digam “Chuck Norris”.)

(Já vai em cinco vezes “Chuck Norris”. Seis.)

Esse meu amigo, sempre que diz, confiante, “já vi essa m****”, mantém a versão, mesmo se confrontado com uma questão incómoda. Na falta de uma ideia melhor, dá uma descrição genérica, usando as técnicas do horóscopo.

“Este filme é sobre quê?”

“Apresenta um conjunto de personagens cujos destinos, de alguma forma, se encontram. Depois da fase de exposição, há um conflito, que será resolvido depois do clímax. Ainda não viste esta m****?”

(Já escrevi duas vezes “m****”, porque parece mal escrever “merda”. Por outro lado, se escrevesse “C**** N*rr*s”, estaria a colocar a minha vida em risco.)

Se perguntarmos onde é que ele viu o filme, ele responderá algo como: “Através de um canal de transmissão de conteúdos, algures entre a pintura rupestre e o tablet”.

Esse meu amigo é o Jorge Jesus do audiovisual: conhece bem tudo, mesmo aquilo de que não gosta.

Sobram as séries. Quando ele ainda não viu o último episódio das séries que acompanhamos, vingamo-nos. Fazemos leves sugestões de “spoilers”, sem realmente lhe dizermos o que acontece. Isso é quase tão irritante como fazer de conta, sucessivas vezes, que vamos tocar na cara de alguém. Ou como cantar, repetidamente, o mesmo trecho de uma música.

(Pensando bem, isso é a forma de fazer a música “da moda”: repetir, repetir, repetir.)

Se, por engano, dissermos mais do que era suposto, esse nosso amigo vai tocar-nos na cara. Com força. Ao melhor estilo de… Steven Seagal (já chega de Chuck Norris!).

Outra hipótese é trocar as personagens de série. Começamos a contar o que aconteceu, ele sofre uma ligeira perturbação do seu humor e, quando acha que vamos contar algo de importante, aparece uma personagem de outra série. Da primeira vez, ele achou piada. A partir daí, só nós é que achamos.

Há outro momento em que me consigo vingar: quando esse meu amigo está a ver um episódio do “Kitchen Nightmares”, do Gordon Ramsay, ou um daqueles programas sobre lojas de penhores, sugiro-lhe a existência de um padrão.

Quem vir três episódios (eu diria dois, mas há pessoas mais lentas…) desses programas, percebe esse padrão. O “Kitchen Nightmares” mostra um restaurante foleiro e moderadamente badalhoco, onde o chef Ramsay vai passar um mau bocado, até o transformar num restaurante com pinta.

Passados meses, o restaurante será badalhoco de novo.

As lojas de penhores funcionam de outra maneira.

Cliente: “Isto é espectacular. Só há dois no Mundo. Quero quinze milhões de dólares”.

Dono da loja: “Dou-te 35 dólares e uma senha para um cachorro quente, naquela barraca que está lá fora e que dantes era badalhoca”.

Cliente: “40 dólares?”.

Dono da loja: “35 e a senha”.

Cliente: “OK”.

Embora sejam sempre iguais, e eu faço questão de o relembrar, o meu amigo gosta destes programas. Mais: o meu amigo já leu este texto. Só não percebeu o padrão.