Não há família como esta
Há uma discrepância preocupante entre a peça teatral que Tracy Letts escreveu em 2007 e o filme que John Wells (veterano televisivo que comandou os destinos de Serviço de Urgência e Os Homens do Presidente) dela tirou em 2013. Agosto em Osage, que ganhou o Tony e o Pulitzer (e chegou até a ser encenada fugazmente em Lisboa), é uma peça claustrofóbica e selvagem sobre o mal que as famílias fazem a si próprias, pelo prisma de uma reunião da família disfuncional para acabar com todas as famílias disfuncionais. Um Quente Agosto, o filme, procura neutralizar essa crueldade com um elenco cheio de nomes de peso sem que muitos deles justifiquem sequer a presença (das personagens masculinas, só Chris Cooper, excelente como de costume, tem papel que se veja), e uma banda-sonora que sublinha a traço grosso todos os desenvolvimentos emocionais. , Dir-se-ia que Wells quis encaixar a peça na gaveta do filme de prestígio apontado aos Óscares, com a ajuda dos manos Weinstein e do seu toque de magia (que, desta vez, saiu furado, com o filme a ser liminarmente ignorado pela Academia, à excepção de nomeações para Meryl Streep e Julia Roberts).
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Há uma discrepância preocupante entre a peça teatral que Tracy Letts escreveu em 2007 e o filme que John Wells (veterano televisivo que comandou os destinos de Serviço de Urgência e Os Homens do Presidente) dela tirou em 2013. Agosto em Osage, que ganhou o Tony e o Pulitzer (e chegou até a ser encenada fugazmente em Lisboa), é uma peça claustrofóbica e selvagem sobre o mal que as famílias fazem a si próprias, pelo prisma de uma reunião da família disfuncional para acabar com todas as famílias disfuncionais. Um Quente Agosto, o filme, procura neutralizar essa crueldade com um elenco cheio de nomes de peso sem que muitos deles justifiquem sequer a presença (das personagens masculinas, só Chris Cooper, excelente como de costume, tem papel que se veja), e uma banda-sonora que sublinha a traço grosso todos os desenvolvimentos emocionais. , Dir-se-ia que Wells quis encaixar a peça na gaveta do filme de prestígio apontado aos Óscares, com a ajuda dos manos Weinstein e do seu toque de magia (que, desta vez, saiu furado, com o filme a ser liminarmente ignorado pela Academia, à excepção de nomeações para Meryl Streep e Julia Roberts).
Digamos que, onde o texto de Letts confronta esqueletos no armário sem rodriguinhos nem festinhas, o filme de Wells não é capaz de reproduzir a combinação de desespero, dor e tensão por trás do humor negro que se sente a cada passo. Em parte, isso deve-se à omnipresença de vedetas a sobrecarregar desnecessariamente o filme (olha Julia Roberts sem maquilhagem! Meryl Streep a fazer de harpia drunfada! Ewan McGregor como marido panhonha! Sam Shepard como poeta alcóolico!) numa peça que funciona em grande parte como um trabalho de ensemble. Mas, em parte, é também porque teria sido preciso um cineasta menos “certinho”, mais solto, para fazer justiça à brutalidade emocional da peça de Letts (é inevitável pensar em William Friedkin, que tão bem lidou com duas outras peças do dramaturgo filmadas para o grande écrã, Bug e Killer Joe).
Isto não significa que Um Quente Agosto seja para deitar fora: a violência do texto e das relações disfuncionais consegue sobreviver ao funcionalismo da mise en scène de Wells, a fotografia de Adriano Goldman captura na perfeição a opressão solar dos vastos espaços vazios da paisagem do Oklahoma. E o elenco feminino, com La Streep à cabeça, ferra os dentes com gosto no texto, com especial destaque para as três irmãs interpretadas por Julia Roberts, Julianne Nicholson e Juliette Lewis. Mas é também por se perceber que havia aqui potencial para mais que fica a ideia de uma oportunidade perdida.