Trabalhadores da cerâmica Valadares à espera de um futuro enquanto sonham com o regresso
Hoje acumulam-se milhares de louças sanitárias sem destino junto à fábrica.
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Mais de 200 pessoas perderam o trabalho com a paragem da Cerâmica de Valadares. Destas, o antigo elemento da comissão de trabalhadores, Raul Almeida, referiu à Lusa que "dez talvez tenham arranjado trabalho aqui em Portugal, dez ou 11 emigraram". Os restantes estarão em situação idêntica à de Raul: "Mando currículos, mas não recebi resposta nem para uma entrevista".
Uma dessas pessoas é Maria dos Anjos Vieira, de 39 anos, 17 dos quais passados como oleira na fábrica à qual gostaria de regressar: "Gostava que alguém comprasse [a empresa], a abrisse e eu fosse para lá trabalhar. Era o que eu gostava", diz, com um entusiasmo que não repete em nenhum outro tema.
"Saía daqui no autocarro das 05:45, pegava às 07:00. Saía para comer ao meio-dia e meia, nunca gozava a minha hora. Íamos trabalhar ao sábado, chegámos a ir trabalhar ao domingo. Ainda agora quando esteve mal, no banco de horas, antes do lay-off, viemos para casa um tempo e nós não íamos ganhar, mas íamos lavar a secção ao sábado. Era espectacular. Tenho muitas saudades daquilo", conta Maria dos Anjos, sem trabalho desde então e com dois filhos, de dez e 14 anos, para educar sozinha.
Chegou a fazer 140 peças num dia, sabendo que quanto mais trabalhasse mais receberia no final do mês, ainda que a desilusão no recibo de vencimento não fosse possível disfarçar nalgumas ocasiões: "Chegava ao fim do mês e ficava desanimada porque uma pessoa faz x, está a contar com x e às vezes não era aquele x", mas a compensação, por vezes, fazia-se sentir no mês seguinte.
Vítor Pacheco, de 50 anos, partilha do sentimento: "Tínhamos ali grandes profissionais, hoje não é fácil trabalhar dentro de uma olaria. Ali havia funcionários que pegavam às 8h e às 6h já [lá] estavam. Davam o melhor deles porque quanto mais se produzisse mais se era compensado".
Com sete filhos, dois dos quais a trabalhar na Irlanda, Vítor foi escolhedor de louça na Valadares durante 20 anos. "Tive boas produções ali. Temos 480 minutos em oito horas de trabalho, eu escolhia 540 e tal peças por dia. É para você ver o ritmo", salienta.
Como muitos dos antigos trabalhadores, espera há mais de um ano pela activação do fundo de garantia salarial por parte da Segurança Social, tendo documentos que o identificam como credor de mais de 23.000 euros.
"Se não vier hoje, vem amanhã. Se não vier amanhã é para os filhos, se não for para os filhos é para os netos. Se esses valores viessem - ou muito ou pouco - já me dava para ir daqui calçado para a beira [dos meus filhos na Irlanda]. Eu gosto de ter os pés assentes no chão. Só quando temos as coisas bem feitas é que a gente deve dar o passo em frente", aconselha Vítor, que diz estar a pé às 08h todos os dias e hoje dá apoio aos jovens do Sporting Clube de Coimbrões, zona de Gaia onde viveu mais de 30 anos.
Para além do orgulho patente nas palavras dos trabalhadores da Cerâmica, há outro sentimento que, quer Vítor Pacheco, quer Maria dos Anjos Vieira expressam e é mágoa. "Isto magoou e sente-se a dor, porque não é bom andar aqui ao alto. Ando ao alto, mas digo-lhe uma coisa, isto cansa. Cansa a gente andar ao alto. Tenho 50 anos e não estou a ver onde é que vou arranjar trabalho tão cedo", lamenta o profissional da Cerâmica.
Maria dos Anjos admite estar "magoada" e, como o antigo colega, confessa "estar cheia de estar em casa". Hoje, Maria dos Anjos continua a querer emprego e trabalho.