Trabalho a tempo parcial prejudica as mulheres e não promove a natalidade

Ser pai ou ser mãe é cada vez mais exigente e gerador de “grandes angústias”. Ao mesmo tempo diminuem os apoios e aumenta a pressão no trabalho, diz a socióloga Margarida Mesquita, que acredita que estes são os factores que mais pesam na decisão de (não) ter um filho

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Socióloga Margarida Mesquita investigou mudanças nas famílias e na parentalidade Daniel Rocha

O objecto da sua investigação foram as famílias nucleares, constituídas por pai, mãe e filhos. Que mudanças constatou na forma como estes exercem a parentalidade?
As famílias actuais vivem um duplo constrangimento do ponto de vista da parentalidade. Por um lado, ser pai e mãe tornou-se muito mais exigente e complexo, nomeadamente porque a Ciência nos trouxe novos conhecimentos sobre a importância do envolvimento de ambos com a criança, mas também porque nunca como agora os filhos foram tão centrais nas famílias. Há um grande investimento e uma grande expectativa em relação às crianças. Uma terceira razão tem a ver com o desenvolvimento ao nível jurídico de protecção à criança e Portugal foi acompanhando o assumir, do ponto de vista da comunidade internacional, de uma série de direitos relativamente à criança. Tudo isto veio tornar os papéis de pai e mãe muito mais exigentes. Porém, ao mesmo tempo que se exige mais, retiram-se apoios, quer do ponto de vista do Estado quer também das relações das próprias famílias. Portanto, as famílias vivem com esta grande tensão que tem depois repercussões profundas do ponto de vista da opção de ter filhos e da forma como são educados.

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O objecto da sua investigação foram as famílias nucleares, constituídas por pai, mãe e filhos. Que mudanças constatou na forma como estes exercem a parentalidade?
As famílias actuais vivem um duplo constrangimento do ponto de vista da parentalidade. Por um lado, ser pai e mãe tornou-se muito mais exigente e complexo, nomeadamente porque a Ciência nos trouxe novos conhecimentos sobre a importância do envolvimento de ambos com a criança, mas também porque nunca como agora os filhos foram tão centrais nas famílias. Há um grande investimento e uma grande expectativa em relação às crianças. Uma terceira razão tem a ver com o desenvolvimento ao nível jurídico de protecção à criança e Portugal foi acompanhando o assumir, do ponto de vista da comunidade internacional, de uma série de direitos relativamente à criança. Tudo isto veio tornar os papéis de pai e mãe muito mais exigentes. Porém, ao mesmo tempo que se exige mais, retiram-se apoios, quer do ponto de vista do Estado quer também das relações das próprias famílias. Portanto, as famílias vivem com esta grande tensão que tem depois repercussões profundas do ponto de vista da opção de ter filhos e da forma como são educados.

Quais foram as mudanças com maior impacto na queda de natalidade?
As razões para que os casais decidam ter menos filhos estão identificadas. Uma delas tem a ver com o facto de se ter filhos em idades cada vez mais avançadas, por causa do investimento a nível profissional. Por outro lado, os constrangimentos materiais são um factor importante e associam-se àquele que foi indicado pelas famílias como problema central: o stress na conciliação da família com o trabalho. O aumento das horas de trabalho diário e a precariedade no emprego são decisivos. Mas as mudanças nas relações entre os cônjuges também contribuem para que não se tenha mais filhos. O homem e a mulher investem mais na dimensão afectiva da relação, o que cria instabilidades que os levam a não investir em filhos. Depois há a questão igualmente importante dos apoios que existem, ou não, à parentalidade…

…da parte do Estado?
…quer da parte do Estado quer da parte das famílias. No caso do Estado, a grande dificuldade apontada pelas famílias não está tanto no ter quem fique com a criança nas situações regulares (a rede pré-escolar desenvolveu-se muito), mas nas situações que não são programáveis, como as doenças, as greves de professores… Acresce que essas redes formais estão organizadas de forma pouco flexível. Têm horários rígidos e, portanto, não estão preparadas para uma realidade em que há cada vez mais pais a trabalhar, por exemplo, ao fim-de-semana ou por turnos. Isto cria grandes angústias. Quanto à rede informal, a sociedade está cada vez mais urbanizada e o apoio de amigos ou vizinhos é cada vez mais diminuto. Em relação aos avós ainda há algum apoio. Contudo, assistimos a um adiar da idade da reforma, o que significa que as avós só mais tarde estejam disponíveis. E já não são as avozinhas que preparam o bolo para o neto, mas avós que têm uma vida própria, algumas ainda a trabalhar, o que enfraquece o apoio aos pais.

A alta taxa de empregabilidade feminina em Portugal, tida como conquista, pode afinal, no que à família e aos filhos diz respeito, configurar um retrocesso?
Não. Não é nos países onde as mulheres mais trabalham que existe uma natalidade mais baixa. Isso é um mito. O que se passa é que é nos países onde as famílias têm menos apoios que existem menos filhos. E, no caso português, temos efectivamente uma taxa de empregabilidade das mulheres que nos coloca em situação muito próxima da dos países do Norte da Europa, mas depois, ao nível das tais respostas de apoio, Portugal aproxima-se dos países do Sul. Além disso, temos das mais elevadas jornadas diárias de trabalho das mães, sendo que as nossas mães não interrompem a carreira para ter filhos, as nossas mães não são adeptas do trabalho a tempo parcial.

Não são adeptas ou não lhes são dadas condições para que possam aderir?
Perguntei aos pais qual era a modalidade que eles preferiam, os dois a trabalhar a tempo inteiro ou um a trabalhar a tempo parcial, e as respostas foram muito claras: preferem estar os dois a trabalhar a tempo inteiro, mas menos tempo. Porquê? Porque o trabalho a tempo parcial não é só uma questão monetária, traz consequências ao nível da progressão na carreira, das relações que se estabelecem internamente e ao nível da realização profissional destas mulheres – e falo em mulheres porque normalmente são elas que assumem massivamente o ónus de ficar a trabalhar a tempo parcial.

Como considera então o anúncio de que o Governo se prepara para promover o trabalho parcial nas famílias com filhos menores, recorrendo a verbas do QREN para compensar as perdas salariais?
É uma medida que poderá ter alguma adesão, mas que me suscita muitas reservas quanto aos efeitos que poderá vir a ter na promoção da natalidade.

A solução seria reduzir as jornadas de trabalho?
Para pais e mães. Intervir na parentalidade implica sérias opções do ponto de vista do trabalho. Implica promover a tal estabilidade profissional e criar condições para uma maior disponibilidade para os filhos, mas sem retirar o direito das mães a terem iguais condições de trabalho, inclusivamente o direito de trabalharem a tempo inteiro. Se virmos de uma perspectiva sistémica, e há muito que defendo isso, a promoção da natalidade obriga a uma redistribuição do trabalho, porque temos taxas de desemprego elevadíssimas e pessoas a trabalhar um excesso de horas. O incentivo monetário ao trabalho a tempo parcial é bem-intencionado mas pode prejudicar as mulheres, porque pode aumentar a discriminação negativa por parte dos empregadores.

Portanto, não haverá promoção da natalidade sem redução da jornada laboral de homens e mulheres e sem que seja insuflada segurança nos vínculos laborais?
Todas as outras medidas serão meramente paliativas. Poderão, nalguns casos, minorar os problemas, mas não serão com certeza medidas de efeito duradouro e de forte impacto.