Sem demissão do Presidente, violência volta a pairar em Kiev

Acordo assinado entre a oposição e Ianukovich preenche quase todas as exigências dos manifestantes mas a insatisfação mantém-se.

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Os caixões dos manifestantes mortos circularam pela Praça da Independência Louisa Gouliamaki/AFP

O acordo espelhava as principais exigências da oposição: o retorno à moldura constitucional de 2004, a marcação de eleições antecipadas e a formação de um governo de “unidade nacional”. Registava-se ainda o compromisso a iniciar uma investigação à repressão policial dos últimos dias e a promessa da não instauração do estado de emergência.

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O acordo espelhava as principais exigências da oposição: o retorno à moldura constitucional de 2004, a marcação de eleições antecipadas e a formação de um governo de “unidade nacional”. Registava-se ainda o compromisso a iniciar uma investigação à repressão policial dos últimos dias e a promessa da não instauração do estado de emergência.

O texto do acordo exigia que em 48 horas fosse aprovada uma lei especial que restaurasse as emendas constitucionais de 2004, mas bastaram escassas horas para o Parlamento aprovar com esmagadora maioria o diploma. Na Praça da Independência, vários milhares de manifestantes assistiam à materialização das bandeiras pelas quais lutaram, através de um ecrã gigante.

Os deputados votaram ainda a demissão do ministro do Interior, Vitali Zakharchenko, odiado pelos manifestantes, que o ligam directamente à violência das forças de segurança. Mas a emoção veio com a aprovação de uma lei que anula o artigo do código penal pelo qual foi condenada a opositora Iulia Timochenko, abrindo o caminho para a sua libertação.

Timochenko inspirou a Revolução Laranja de 2004 e, apesar de ter perdido muita popularidade durante o seu mandato como primeira-ministra, continua a ser uma figura inspiradora para os manifestantes. A sua condenação por abuso de poder, em 2011, foi vista, dentro e fora da Ucrânia, como uma forma de Ianukovich afastar a principal ameaça ao seu domínio. Durante os últimos meses, Timochenko deixou por diversas vezes palavras de apoio às manifestações da EuroMaidan e criticou duramente Ianukovich.

A vitória dentro da Rada Suprema (Parlamento) foi celebrada com abraços entre deputados, enquanto cantavam o hino nacional. Na Praça da Independência, contudo, a multidão mostrava-se apreensiva com os desenvolvimentos. Aquilo por que esperavam teimava em não ser anunciado.

Durante toda a tarde, desfilaram entre a multidão vários caixões dos “mártires” da Maidan. “Os heróis não morrem! Bandidos, fora!”, gritava-se, segundo o correspondente da Reuters. “Ele tem de ir embora hoje. Não vamos aceitar eleições. Ele deu a ordem para matar”, dizia Vasily Zakharo, um manifestante de Lviv. “Ele” é Viktor Ianukovich.

O acordo, comemorado pelos EUA e por Bruxelas, não prevê a demissão do Presidente, indicando que irá permanecer até às eleições antecipadas, que serão marcadas até ao fim do ano. É aqui que o divórcio entre os líderes da oposição e as ruas mais se faz sentir.

Depois da sessão parlamentar, os três líderes subiram ao palco para comunicarem com a Praça, mas os apupos quase não os deixaram falar, levando até o ex-pugilista Vitali Klitschko a ter de se afastar. Um manifestante conotado com o Sector Direito – um grupo de extrema-direita conhecido pela violência – aproveitou para deixar um ultimato: Ianukovich tem até às 10 horas da manhã deste sábado (8h em Portugal) para apresentar a demissão ou os confrontos regressam. E o recado dirigiu-se também aos líderes dos partidos da oposição. “Demos-vos a vocês políticos, a hipótese de se tornarem ministros no futuro, até presidentes, mas vocês não querem cumprir a nossa única exigência: que este criminoso abandone o cargo.”

No Parlamento, que reúne neste sábado de manhã, foi apresentada uma proposta para a destituição de Ianukovich. Contudo, não é certo que seja aceite, o que pode precipitar o país para mais uma jornada de violência. Ianukovich tem sido perito em adiar decisões importantes. E agora tem até a vantagem de poder argumentar que o acordo, assinado pelos líderes da oposição e testemunhado por observadores internacionais, não implica a sua destituição.

O dia do acordo, já considerado histórico para a Ucrânia, deixa mais questões em aberto do que soluções. A formação de um novo governo será a primeira batalha. Está apenas previsto que seja um executivo de unidade nacional, ou seja, que integre personalidades dos vários quadrantes políticos. Andreas Umland, professor de ciência política na Academia Kiev-Mohila, acredita que poderá até ser liderado por um membro do Partido de Ianukovich. “Pode haver um primeiro-ministro relativamente independente do Partido das Regiões que seja aceitável para os manifestantes”, afirmou, citado pela rádio Free Europe.

A precária situação financeira da Ucrânia pode vir a ser o próximo grande problema. O ministro das Finanças russo, Anton Siluanov, anunciou esta sexta-feira a suspensão do pagamento da segunda tranche (de cerca de 1,5 mil milhões de euros) do empréstimo no valor de 11 mil milhões de euros, acordado entre os dois países em Dezembro. A decisão foi justificada por persistirem “muitas questões em como estes fundos serão utilizados e como é que serão pagos mais tarde”, numa clara retaliação ao rumo dos acontecimentos.

E, em breve, será aberta nova frente de conflito, quando as eleições presidenciais estiverem no horizonte. Por um lado, o acordo não refere se Ianukovich pode ou não recandidatar-se. Por outro, é muito provável que se venha a assistir a divisões entre a oposição, benéficas para o sector pró-russo. Volodimir, um manifestante entrevistado pela Reuters, parece expressar a descrença antecipada das ruas: “Não iremos seguir Klitschko e os outros. Eles apertaram a mão ao gangster e dançaram com o diabo.”