O jornalismo precisa de novas fontes de receita, mas há “ideias perturbantes”
O tema era O Norte, os Media e a Política, mas foi sobretudo para o futuro incerto do jornalismo que Augusto Santos Silva, Pedro Magalhães e Azeredo Lopes apontaram no último debate do 9.º ciclo Olhares Cruzados, por sinal marcado pela coincidência de pontos de vista.
Ao longo da sessão, na UCP, os três convergiram que o suporte digital, as redes sociais e o desenvolvimento tecnológico em geral representam riscos e oportunidades para o jornalismo de referência e que este precisa de inventar novas fontes de receita, para compensar as quebras nos proventos da publicidade e sobretudo das vendas de jornais. Reconheceram que há experiências em curso a seguir com atenção, como as da venda de assinaturas digitais e limitação do número de notícias a ler gratuitamente, adoptada já pelo PÚBLICO. Mas também se inquietaram com “ideias perturbantes” que avançam para zonas a partir das quais “será cada vez mais difícil à comunicação social assumir-se como poder habilitado a vigiar os outros poderes”.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Ao longo da sessão, na UCP, os três convergiram que o suporte digital, as redes sociais e o desenvolvimento tecnológico em geral representam riscos e oportunidades para o jornalismo de referência e que este precisa de inventar novas fontes de receita, para compensar as quebras nos proventos da publicidade e sobretudo das vendas de jornais. Reconheceram que há experiências em curso a seguir com atenção, como as da venda de assinaturas digitais e limitação do número de notícias a ler gratuitamente, adoptada já pelo PÚBLICO. Mas também se inquietaram com “ideias perturbantes” que avançam para zonas a partir das quais “será cada vez mais difícil à comunicação social assumir-se como poder habilitado a vigiar os outros poderes”.
Pedro Magalhães introduziu e desenvolveu esta tese, dando o exemplo do The Guardian, um quality paper britânico, que há dias anunciou que vai produzir conteúdos sobre sustentabilidade ambiental patrocinados pela multinacional Unilever (prometendo, never the less, que estes serão editorialmente independentes, desenvolvidos em parceria com os leitores e identificados como conteúdos com patrocínio comercial).
A Pedro Magalhães preocupa a entrada em cena de “curadores de conteúdos” que se assemelham aos jornalistas, mas que “têm princípios deontológicos que não são os dos jornalistas”. E o investigador do ICS receia que estejamos ser “muito complacentes sobre esta ameaça”. Refira-se que o The Guardian já tinha lançado uma plataforma de “jornalismo-cidadão”, com conteúdos fornecidos por leitores, “sponsorizada” por uma operadora de telecomunicações, e conta também com o patrocínio da Fundação Bill e Melinda Gates para as suas reportagens sobre assuntos ligados ao desenvolvimento global.
Na mesma linha, o PÚBLICO, cujo caso não foi referido no debate, lançou há dois anos o projecto “Público mais”, através do qual algumas empresas se assumem como “mecenas” de trabalhos “Grande Reportagem, Cultura, Ciência/Ambiente e Multimédia”. Este passo foi justificado pelo jornal com a necessidade de fazer “face às circunstâncias actuais do sector da imprensa e (…) consolidar a excelência do jornalismo português ".
Azeredo Lopes recordou que o novo CEO [Joseph A. Ripp] da revista Time foi mais longe e “decidiu juntar no mesmo espaço comerciais e jornalistas”. “A própria avaliação da produção jornalística tem que passar pelo crivo comercial. Perguntado se isto não lhe parecia chocante, [Ripp] respondeu que sim. Disse que o faria menos na Time do que nas outras revistas do grupo, mas perguntava se a questão não era hipócrita, porque todos já faziam isto sem o assumir”, relatou Azeredo Lopes, actual chefe de gabinete do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira.
“Linhas vermelhas”
Irónico, Santos Silva afirmou que, tal como Paulo Portas, vê “linhas vermelhas” que não se pode transpor. “A primeira é a que distingue jornalismo e publicidade”, disse o antigo ministro, que não se choca com a passagem de jornalistas para assessorias de informação, desde que, no regresso ao jornalismo, estes fiquem sujeitos à moratória e monitorização pelo respectivo conselho de redacção a que o próprio Santos Silva, no Governo, deu força de lei.
A “segunda linha vermelha”, para o também professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, diz respeito à independência política. Santos Silva criticou a “excessiva proximidade” entre alguns jornalistas e políticos. Referindo-se ao Diário de Notícias, declarou que “quando uma secção quase inteira de um jornal se muda para os gabinetes de um Governo põe em causa a isenção de todo o jornal” e criticou os jornalistas que no twitter ou Facebook fazem comentários que violam regras básicas da deontologia.
Azeredo Lopes disse também não conceber como é que um jornalista pode, nas redes sociais, dizer do político que vai entrevistar no dia seguinte “o que Maomé não disse do toucinho”, com o argumento de que é “jornalista e cidadão em horários diferentes”.
Santos Silva chegou a lamentar que a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista seja “relativamente simpática na aplicação das suas competências, tendo em conta o rosário de violações flagrantes [da deontologia jornalística] a que todos os dias se assiste” e apontou outros pecados, por actos e omissões, a outras entidades: considerou que a Rádio Renascença nem sempre é plural, nos termos a que está legalmente obrigada, com o argumento de ser uma “emissora católica”; notou que os jornalistas não escrutinam os outros poderes, a começar pelo próprio sector, com o mesmo empenho com que vigiam os políticos; que há um défice de presença mediática do PCP nos media; que Marcelo Rebelo de Sousa exerceu um magistério exclusivo durante bastante tempo na TV – uma questão que suscitou grande polémica, quando levantada pelo Governo de Santana Lopes.
Pedro Magalhães já expressara preocupação por o cruzamento de vários inquéritos revelar que os portugueses, ao mesmo tempo que dizem considerar a existência de informação fiável para avaliar as decisões dos políticos muito importante patra a democracia, têm vindo a reduzir drasticamente a atenção dada às notícias sobre as campanhas eleitorais. O que sugere que as respostas sobre a importância da informação política "não têm base cognitiva". "Parte significativa da população desligou", alertou.
Quando o debate se alargou à assistência, José Queirós, ex-director adjunto e ex-provedor do leitor do PÚBLICO, perguntou se a sustentabilidade do jornalismo, que todos haviam concordado ser uma condição da democracia, não devia ser tomada como um problema do próprio regime democrático.
Santos Silva ainda admitiu um regime de IVA mais baixo e medidas para impedir que as receitas de publicidade “sejam secadas por um só sector dos media”. No mais, não está a ver nada que não lhe pareça “perigoso” para a independência da comunicação social.
Com a discussão centrada nos problemas do jornalismo e na sua relação com a política, o debate quase perdeu o “Norte” prometido pelo título. Mas Pedro Magalhães chegou a sublinhar a importância dos olhares sobre as “comunidades locais”, nos media, e Santos Silva reconheceu a existência de um “défice” de pluralismo nesse nível, ressalvando que tanto dedicava essa preocupação ao Norte, como ao Alentejo ou aos Açores, e exortando os meios de comunicação social “com sede ou antenas na região” a produzirem conteúdos de proximidade.
Da plateia, Manuel Tavares, director do Jornal de Notícias, lembrou que o Porto já perdeu O Primeiro de Janeiro e O Comércio do Porto e lamentou que os partidos políticos sejam “napoleónicos” e não se preocupem com a diversidade regional da informação.
Cherchez la femmme
A ausência de uma única mulher no leque de convidados desta 9.ª edição dos Olhares Cruzados motivou a publicação, há uma semana, de um artigo de opinião subscrito por cerca de 40 académicos no qual se lamenta o défice de representação do sexo feminino nos espaços de debate e opinião pública portugueses.
“Mais uma grande conferência sobre o país onde a palavra é dada apenas a homens: Olhares Cruzados sobre Portugal (29 Jan.-19 Fev. 2014). Mais um grande ciclo de conferências e debates onde os organizadores – desta vez uma universidade de prestígio, a Universidade Católica, e um jornal de referência, o PÚBLICO – consideram “normal” não terem uma única mulher entre os 12 ilustres convidados”, lê-se logo no início do texto intitulado M de Mérito ou M de Masculino?.
Na sessão de anteontem, Pedro Magalhães começou por assumir que era um dos subscritores, para logo confessar que já começava a sentir “empatia” com a organização dos Olhares Cruzados. Confessou que dos seis convites que formulara para uma conferência que estava a organizar na Universidade do Minho, os três que tinham sido dirigidos a mulheres tinham sido todos declinados. A organização do Olhares Cruzados comunicou que se deparara com um problema idêntico, mas que, em todo o caso, tomara boa nota das críticas.