A Cornucópia tem mais 59 amigos que a vão ajudar a tornar o palco num lugar maravilhoso

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 Na selecção dos actores, conta o encenador, pouco interessava a experiência, e explicou que, à medida que os ia conhecendo, ia também pensando nas funções a atribuir a cada um. “O essencial são as pessoas”, diz-nos Cintra, para quem “o encanto que há nisso” surgiu na descoberta das pessoas, que foram escolhidas não por audição, mas a partir de uma conversa em que queria saber por que queriam participar no projecto. Depois de ver aparecer tanta gente, Cintra resolveu multiplicar alguns papéis já existentes nos vários textos de Lorca, entre peças e poemas.

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 Na selecção dos actores, conta o encenador, pouco interessava a experiência, e explicou que, à medida que os ia conhecendo, ia também pensando nas funções a atribuir a cada um. “O essencial são as pessoas”, diz-nos Cintra, para quem “o encanto que há nisso” surgiu na descoberta das pessoas, que foram escolhidas não por audição, mas a partir de uma conversa em que queria saber por que queriam participar no projecto. Depois de ver aparecer tanta gente, Cintra resolveu multiplicar alguns papéis já existentes nos vários textos de Lorca, entre peças e poemas.

Cada um era uma possibilidade de concretização de personagens, explica, que surgem da colagem dos esboços de peças de Lorca, escritas quando tinha 21 a  24 anos, mas só publicadas em 1994: Ilusión, Comedia de la Carbonerita, Sombras (poema) e Delamor Teatro de animales (poema dramático). O encenador usa o que retirou do livro Poeta em Nova Iorque, de Lorca, para justificar esta escolha, que, admite, seria mais difícil de realizar em Espanha, onde ainda resiste uma dificuldade em olhar de frente para a fragilidade do poeta fuzilado pelos militares durante a Guerra Civil espanhola. Cintra quis mostrar o Lorca dos desenhos e das cartas, o Lorca que se apaixonou pelo pintor Salvador Dalí e que considerava Manuel de Falla o maior e mais genial compositor do mundo. É através dessa simplicidade que Cintra acredita ser possível tocar os outros: “A atitude mais formosa do homem é a atitude de S. Sebastião, que é expor-se completamente.” E foi isso que a Cornucópia pediu aos seus novos actores, que reconhecessem a importância da linguagem metafórica de Lorca, “indispensável à [sua] poesia”.

Vitória Vaz Pato, 81 anos, é espectadora assídua na Cornucópia e na juventude passou pelo Teatro Universitário do Porto. Quando recebeu um email com a informação de que se poderia candidatar a este projecto, pensou: “Gostava tanto de voltar a fazer teatro!”, conta ao PÚBLICO antes do ensaio de imprensa. Nunca imaginou que seria uma das escolhidas de entre os 160 que responderam ao pedido da Cornucópia. Se já admirava Luís Miguel Cintra, Vitória passou a admirá-lo ainda mais ao ver o modo como o encenador criou, com os 59 participantes, “um grupo estável, com muita ética e respeito”. Para a agora actriz da Cornucópia, Ilusão mostra que “há uma grande vida interior nas pessoas”: “Há uma grande confiança e uma espécie de sonho de fraternidade no meio da crise. Estas utopias são muito importantes. É uma forma de cidadania contra o desespero.”

O fascínio pela companhia e pelo encenador parece ser comum a todos os actores que participam na peça Ilusão. Rui Westermann, 19 anos, viu alguns espectáculos da Cornucópia, mas como “raramente os percebia” decidiu inscrever-se com o “objectivo de os perceber melhor”. Conseguiu. Gosta da ideia de Luís Miguel Cintra “fazer o que lhe apetece e de não se preocupar exclusivamente com o que está no texto”. Outro dos actores, Adão Castro, 22 anos, conta que em cada “frase difícil” do texto Cintra lhes deu liberdade criativa de interpretação. “Isto de se expor ao público é muito interessante”, conta o encenador, que, com a ajuda dos actores, desenhou um Lorca que não é habitual vermos. “Há sempre aquela ideia do Lorca [como um autor] pesado, [cheio] dos tiques e dos dramas. O Luís Miguel Cintra trouxe [para o palco] o que era este menino poeta”, descreve o jornalista Rui Lagartinho, 47 anos, também participante. “Os encenadores têm de se contradizer e ser alimentados pelo que o actor está a dar”, acredita um encenador que só pede que “os novos amigos [que fez] nunca mais peçam a um encenador para não se contradizer”.

Tem tudo a ver com as pessoas, admite Cintra. “Eu gosto mais de pessoas do que de teatro.” E porque a crise teve peso neste projecto, em vez de poder contar com os actores habituais, por há algum tempo ter deixado de contar com um elenco fixo, o convite feito aos que quisessem trabalhar com a Cornucópia foi um modo de, em ano de 40 anos de companhia, ir ao encontro do seu público. Ilusão, explica Cintra, cria “uma ligação com o público da Cornucópia”. “Essa possibilidade de convívio com as pessoas que habitualmente nos vêm ver é fundamental,” admite.

Ilusão, em cena no Teatro da Cornucópia até ao dia 9 de Março, vai – como a dada altura se ouve na peça – transformar o palco no “lugar maravilhoso do nosso mundo interior”.