Parlamento Europeu discute se clientes de prostitutas devem ser criminalizados
Modelo sueco em cima da mesa. Eurodeputada socialista Edite Estrela, da Comissão dos Direitos da Mulher e Igualdade de Género do Parlamento Europeu, diz que desfecho é imprevisível.
“A redução da procura deve fazer parte de uma estratégia integrada contra tráfico [de pessoas] nos Estados- membros”, lê-se no documento. “A redução da procura pode ser alcançada através de legislação que coloca dentro da fronteira criminal quem compra serviços sexuais.”
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“A redução da procura deve fazer parte de uma estratégia integrada contra tráfico [de pessoas] nos Estados- membros”, lê-se no documento. “A redução da procura pode ser alcançada através de legislação que coloca dentro da fronteira criminal quem compra serviços sexuais.”
A Rede sobre Trabalho Sexual, que agrega a maioria das organizações que trabalham com prostitutas em Portugal, já deu nota do seu repúdio: “Posições que defendem modelos de criminalização dos/as clientes de serviços sexuais constituem um retrocesso na luta pelos direitos dos/as trabalhadores/as do sexo (TS). O impacto negativo destes modelos na vida dos TS é elevado.”
O relatório, lembram, contraria posições assumidas por diversos organismos internacionais. A começar pelo Conselho da Europa, que em 2007 pediu que se evitem “políticas ambíguas que empurram as prostitutas para a clandestinidade; abandonem posturas moralistas e adoptem outras mais pragmáticas; auxilie quem quer sair e forneça condições dignas para quem opta por esta forma de vida; condene de forma sistemática todas as formas de prostituição forçada”.
Alina Santos, da Agência Piaget para o Desenvolvimento, que faz parte da Rede sobre Trabalho Sexual, enfatiza o risco de maior violência: as prostitutas têm de ficar em espaços mais isolados, porventura menos iluminados, com certeza mais afastados dos olhos das polícias. E dispõem de menos tempo para negociar com o cliente, para perceber se está alterado pelo álcool ou por outras drogas.
Os riscos para a saúde, indica, também crescem. Os preservativos são confiscados pela polícia como meios de prova e as prostitutas chamadas a testemunhar contra os clientes. Sobram relatos sobre clientes que se recusam a usar preservativo e locais que optam por não os ter à disposição.
Prostituição nas ruas da Suécia caiu a pique
Aquela é a proposta da relatora, Mary Honeyball, lembra Edite Estrela, vice-presidente da Comissão dos Direitos da Mulher e Igualdade de Género do Parlamento Europeu. “O tema não é consensual dentro das famílias políticas. Eu própria tenho dúvidas, por isso não tenho tomado uma posição muito firme”, revela.
O resultado da votação parece-lhe imprevisível. Não só por ser um tema fracturante, mas também porque “o Parlamento já está numa fase atípica”. As eleições europeias estão à porta. Há muitos deputados, sobretudo de países nórdicos, onde funcionam listas abertas, que já estão em campanha. E isso, no entender da eurodeputada socialista, pode alterar o equilíbrio de força.
Segundo as autoridades suecas, a prostituição de rua caiu a pique. Por causa do modelo, mas não só. A 1 de Janeiro de 1999, quando a criminalização dos clientes entrou em vigor, a Internet era novidade e quase não havia telemóveis. Na era digital, a zona quente na Suécia é a Internet. Um inquérito feito em 2009 revelou que 10% dos jovens entre os 16 e os 25 anos já tinham publicado fotos em poses eróticas na Net e que 1,7% já tinham recebido dinheiro por sexo.
A Noruega e a Islândia adoptaram modelos semelhantes. A Finlândia criminaliza os clientes de vítimas de tráfico. Já no final do ano passado, a França aprovou um projecto-lei que prevê uma multa de 1500 euros para os clientes da prostituição. Desde então, aumentou a pressão sobre o Governo britânico para fazer o mesmo.
Dentro da Comissão dos Direitos da Mulher houve logo quem defendesse a distinção entre prostituição forçada e consentida. Na Suécia, na Islândia e na Noruega toda a prostituição é encarada como uma violação dos direitos humanos, mas na Holanda, na Alemanha e na Suíça a prostituição voluntária de adultos é regulada como trabalho, com obrigações fiscais e contribuições para a Segurança Social.
Em Portugal, a prostituição consentida, entre adultos, foi despenalizada em 1983. O sistema judicial não se mete no assunto, a menos que haja proxenetismo. Em 2005, o então secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Jorge Lacão, anunciou a sua simpatia pelo modelo sueco. "É uma solução que não guetiza as prostitutas", defendeu. "Uma procura meramente comercial do sexo implica uma ofensa à personalidade da pessoa procurada." Colocando o tema da prostituição na agenda da igualdade de género, afiançava estar empenhado em gerar um "debate aberto".