Hormona do stress pode contribuir para aprofundar as crises financeiras
Em caso de crise financeira iminente, os efeitos fisiológicos do stress reduzem a apetência dos corretores da bolsa pelas “jogadas” arriscadas, propiciando ainda mais o afundamento dos mercados.
Para os autores do estudo, cujos resultados foram publicados na segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, esta alteração da fisiologia individual poderá ser uma causa adicional, até agora ignorada, dos crashes bolsistas.
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Para os autores do estudo, cujos resultados foram publicados na segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, esta alteração da fisiologia individual poderá ser uma causa adicional, até agora ignorada, dos crashes bolsistas.
Segundo John Coates, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), e colegas, esta descoberta poderá alterar a noção de risco tal como ela é actualmente tida em conta em quase todos os modelos económicos e financeiros – nomeadamente nos que são utilizados pelos bancos –, que partem do princípio de que as preferências pessoais dos corretores perante o risco não se alteram com as circunstâncias que rodeiam os mercados.
O cortisol é uma hormona segregada pelas glândulas supra-renais em resposta a situações de stress físico. Normalmente, os picos de cortisol preparam-nos para reagir, por exemplo, a ameaças inesperadas. É o cortisol que, juntamente com outras hormonas, provoca a reacção de “luta ou fuga” dos animais perante um predador. Porém, quando a elevação dos níveis de cortisol se torna crónica, a hormona pode perturbar a nossa capacidade de aprendizagem, provocar ansiedade e até depressão.
Da City ao laboratório
Estes investigadores já tinham realizado previamente um estudo dos níveis de cortisol em situações reais. Numa dada altura em que a volatilidade do mercado aumentara consistentemente durante oito dias, tinham constatado que os corretores da City de Londres apresentavam, de forma crónica, níveis de cortisol no sangue 68% mais elevados do que é habitual.
O que os cientistas fizeram a seguir foi reproduzir a mesma situação no laboratório, para tentar determinar se essa alteração fisiológica influenciava o comportamento perante uma aposta arriscada.
Para isso, administraram a 36 voluntários (20 homens e 16 mulheres, com idades entre os 20 e os 36 anos), quer um placebo (substância sem acção biológica), quer doses personalizadas de hidrocortisona (forma farmacêutica do cortisol) de maneira a elevar os seu níveis da hormona na mesma proporção e durante o mesmo período de tempo que o que tinham observado “no terreno”.
Os voluntários tiveram, em diferentes alturas, de participar num jogo por computador de tipo lotaria, com apostas em dinheiro real, em que lhes era pedido para escolher entre uma aposta “segura” (em que tinham a certeza de ganhar alguma coisa) e uma aposta “arriscada” (em que podiam não ganhar nada, mas em que os ganhos potenciais eram bastante mais elevados). E o que aconteceu foi que, nos participantes que tomavam cortisol, os níveis cronicamente elevados da hormona em circulação provocaram uma diminuição drástica da vontade de arriscar.
Mais precisamente, escrevem os cientistas, ao passo que as pessoas que tomavam placebo só estavam dispostas a desistir de apostar mediante o pagamento de 30 euros, bastava propor 17 euros às que tomavam cortisol para elas aceitarem o dinheiro e desistirem do jogo. A vontade de arriscar tinha assim sofrido uma quebra de quase 44%.
Um outro resultado surpreendente foi que, ao contrário do que se poderia pensar, a aversão pelo risco aumentava de forma mais marcada nos homens do que nas mulheres.
“Todos os corretores sentem no corpo que o seu trabalho é como uma montanha-russa. Mas o que não sabíamos até fazermos este estudo era que estas alterações fisiológicas – esses níveis subclínicos de stress quase imperceptíveis – alteram de facto a nossa capacidade de arriscar”, explica Coates, que já foi corretor em Wall Street, num comunicado de Universidade de Cambridge. “É assustador perceber que ninguém no mundo das finanças – nem os corretores, nem os gestores de risco, nem os bancos centrais – tem conhecimento dessas flutuações subterrâneas na apetência pelo risco.”
Os autores fazem notar que, durante a crise do crédito de 2007-2009 nos EUA, o índice de volatilidade do mercado accionista norte-americano disparou de 12% para mais de 70%. “Parece razoável pensar que tais níveis históricos de incerteza terão causado uma subida substancial das hormonas do stress durante um período muito mais longo do que o do nosso estudo”, escrevem, levando ao fenómeno de aversão ao risco generalizada que se tornou conhecido, durante essa crise, como “pessimismo irracional”.
Já agora, há quem tome hidrocortisona – ou prednisona – de forma crónica contra diversas doenças inflamatórias. Os autores sugerem que um dos efeitos secundários destes tratamentos, que até aqui ninguém suspeitava, poderá ser uma aversão pelo risco financeiro. Com as potenciais consequências nefastas, não só para as finanças, como para todos nós, que agora se podem vislumbrar.