Absolvidos todos os dez arguidos no processo dos submarinos

Tribunal considerou que Estado português “dispunha de meios de controlo” do contrato de contrapartidas e “podia renunciar à transacção”.

Foto
Winfried Hotten e Horst Weretecki, dois dos arguidos alemães no processo Daniel Rocha

Para o colectivo, o Estado português “dispunha de meios de controlo” do contrato de contrapartidas assinado com um consórcio alemão pela venda dos dois submarinos a Portugal e “podia renunciar à transacção”. Falar de burla neste caso por parte dos empresários portugueses do ramo automóvel beneficiários das contrapartidas dos submarinos é “quase absurdo”, refere o acórdão lido esta manhã no Campus da Justiça, em Lisboa. Isto porque participarem num esquema que lesaria os seus ganhos, ao simularem terem entrado em novos negócios que de facto não existiam, significaria “terem agido com intenção de beneficiarem e ao mesmo tempo prejudicarem” as suas próprias empresas.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Para o colectivo, o Estado português “dispunha de meios de controlo” do contrato de contrapartidas assinado com um consórcio alemão pela venda dos dois submarinos a Portugal e “podia renunciar à transacção”. Falar de burla neste caso por parte dos empresários portugueses do ramo automóvel beneficiários das contrapartidas dos submarinos é “quase absurdo”, refere o acórdão lido esta manhã no Campus da Justiça, em Lisboa. Isto porque participarem num esquema que lesaria os seus ganhos, ao simularem terem entrado em novos negócios que de facto não existiam, significaria “terem agido com intenção de beneficiarem e ao mesmo tempo prejudicarem” as suas próprias empresas.

“Falta o ardil ou a encenação engenhosa” neste caso para que possa ser considerado uma burla, refere o acórdão.

As perícias feitas pela consultora Inteli aos contratos das contrapartidas foram todas invalidadas por contrariarem vários princípios legais, o que contribuiu para o desfecho do caso. Os juízes entenderam, aliás, que a Inteli ultrapassou as suas atribuições ao ter efectuado, com esta perícia, “um pré-juízo de culpa extrajudicial” relativamente aos arguidos, uma vez que esse papel cabia à justiça e não a um centro de inovação como este. Os advogados dos arguidos já tinham, no decurso deste processo, afirmado que a acusação deduzida pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal havia sido decalcada do relatório de perícia da Inteli.

Para os juízes, este foi um processo "desnecessário e até desproporcional", uma vez que este tipo de diferendos contratuais pode ser dirimido através da arbitragem ou da renegociação.

A juíza que preside ao colectivo que julgou o processo já tinha deixado a porta aberta à absolvição dos dez arguidos acusados de burla qualificada e falsificação de documento, num despacho em que recusou o pedido do Ministério Público (MP) para ouvir cinco novas testemunhas de acusação. Já o MP pedira nas alegações finais pena suspensa para todos os arguidos e a devolução ao Estado português de 104 mil euros.

No final da sessão desta sexta-feira, o advogado dos três alemães arguidos no processo declarou ter "gostado muito do acórdão" e elogiou o “imenso rigor intelectual” da juíza presidente, Judite Fonseca, e dos restantes membros do colectivo de juízes que com ela votaram o texto da decisão. Já o Ministério Público anunciou recurso para instâncias judiciais superiores. O caso começou a ser julgado começou em Novembro de 2012.

Contrapartidas, sim ou não?
No centro do processo está se a Man Ferrostaal — uma poderosa multinacional que integrava o consórcio alemão que vendeu dois submarinos a Portugal e era responsável pelo programa de contrapartidas — teve intervenção na captação de dez negócios com sociedades portuguesas que fabricam componentes para a indústria automóvel, como garantiram ao Estado português.

O MP sustentava que muitas destas contrapartidas foram fictícias, porque as encomendas de componentes de automóveis, pela indústria alemã, a fabricantes portugueses resultaram de negócios que já existiam antes da compra dos submarinos — e não da intervenção do consórcio alemão, nomeadamente da Man Ferrostaal, que ficou responsável pela apresentação e execução das contrapartidas. Não terá, por isso, havido qualquer mais-valia proporcionada pelo consórcio alemão à economia nacional — o objectivo das contrapartidas —, ficando o Estado português lesado em quase 34 milhões de euros.

O negócio da compra dos dois submarinos ao German Submarine Consortium foi fechado ao tempo em que Durão Barroso era primeiro-ministro e Paulo Portas ministro da Defesa Nacional. De um investimento inicial estimado em 769 milhões de euros, Portugal acabou por gastar cerca de mil milhões com a aquisição daqueles equipamentos, devido aos custos financeiros da operação.

Eram arguidos neste processo três administradores alemães da Man Ferrostal — Horst Weretecki, Antje Malinowski e Winfried Hotten — e sete empresários portugueses ligados à ACECIA, um grupo de empresas de componentes para a indústria automóvel: José Pedro Sá Ramalho, Filipe Mesquita Soares Moutinho, António Parreira Holterman Roquete, Rui Moura Santos, Fernando Jorge da Costa Gonçalves, António Lavrador Alves Jacinto e José Mendes Medeiros.

Novo investimento em avaliação
Já depois da acusação, que imputava o crime de burla qualificada a vários dirigentes do Agrupamento Complementar de Empresas de Componentes Integrados para a Indústria Automóvel (ACECIA) envolvidos no contrato das contrapartidas, a Ferrostal fez chegar ao Governo português uma proposta alternativa, que passava pela reconstrução do Hotel Alfamar, no Algarve.

Com base nesta proposta, a defesa dos arguidos alemães chegou a pedir aos juízes que declarassem a extinção do procedimento criminal e cancelassem o julgamento, uma vez que o Estado português — ao ser compensado através do Hotel Alfamar, que iria liquidar a maioria das contrapartidas em falta, com um investimento directo de 150 milhões na recuperação da unidade — já não podia alegar ter sido lesado. O Ministério Público opôs-se e o pedido foi recusado pelo tribunal.

Já em Setembro do ano passado, o consórcio desistiu do projecto e apresentou uma proposta alternativa ao Ministério da Economia (ME). Fonte do ministério confirmou ao PÚBLICO que a “Direcção-Geral das Actividades Económicas já está a analisar um projecto de substituição apresentado pelo consórcio alemão”, mas sem precisar que tipo de negócio está em causa e acrescentando apenas que não é um investimento na mesma área de actividade.

Esta semana, os submarinos foram novamente notícia por ter sido publicado no Diário da República um ajuste directo assinado pelo ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, a contratar a manutenção do submarino Tridente à empresa alemã que o construiu, permitindo que esta gaste até cinco milhões de euros, sem impostos, numa “pequena revisão”, que terá de ser realizada no primeiro semestre deste ano.