Eduardo Coutinho, o realizador marcado para a vida

O episódio da morte do cineasta seria apenas tema de tablóide não fosse Eduardo Coutinho um dos maiores realizadores do Brasil e um dos mais importantes documentaristas do mundo

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Sesc em São Paulo/Flickr

A 2 de Fevereiro, por volta das 9 horas da manhã, Eduardo Coutinho foi morto com uma faca de cortar carne empunhada pelo próprio filho. O episódio seria apenas tema de tablóide não fosse Eduardo Coutinho um dos maiores realizadores do Brasil e um dos mais importantes documentaristas do mundo.

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A 2 de Fevereiro, por volta das 9 horas da manhã, Eduardo Coutinho foi morto com uma faca de cortar carne empunhada pelo próprio filho. O episódio seria apenas tema de tablóide não fosse Eduardo Coutinho um dos maiores realizadores do Brasil e um dos mais importantes documentaristas do mundo.

A sua carreira começou com "Cabra Marcado para Morrer", a história de João Pedro Teixeira, o homem que sabia que, ao aceitar liderar uma das ligas camponesas que defendiam os direitos dos trabalhadores contra os grandes latifundiários do nordeste brasileiro, se tinha tornado um alvo a abater. Foi em 1964 que Coutinho começou a rodar a obra, tentando reconstituir o assassínio de Teixeira ocorrido pouco antes. Mas a ditadura militar impediu as filmagens e só em 1984 pode Coutinho concluir o seu filme, que transformou num documentário sobre a obra que tentou fazer 20 anos antes.

A partir daí multiplicaram-se os filmes, como "Edifício Master" [vê vídeo ao lado], sobre um prédio degradado na luxuosa Copacabana, onde percorremos o labirinto de moradores, apartamentos e histórias de paixão, isolamento, esperança ou medo, num condomínio gerido por um administrador que usa muito Piaget, e “quando não dá” parte para o Pinochet. Ou "As Canções", em que anónimos cantam as suas cantigas favoritas, sem acompanhamento, sem afinação, sem voz, às vezes sem letra, mas com a força emocional da música que representa a nossa vida. Ou o magistral "Jogo de Cena", em que entrevistas a mulheres comuns eram representadas por atrizes, num questionamento ambíguo sobre até que ponto a verdade pessoal pode ser imitada, apropriada ou simplesmente irrepetível.

Pois se começou com a história de uma morte, foram as histórias de vida que apaixonaram Eduardo Coutinho, e era essas histórias que procurava captar em entrevistas enganadoramente simples, onde o realizador mostrava as expressões, o rosto, a voz e as hesitações dos seus entrevistados. E essa foi a grande audácia do realizador brasileiro, a de ter explorado a paisagem mais inquieta, ambígua, variada, expressiva, desconhecida e familiar do mundo: o rosto humano. O mesmo rosto que, por mais familiar que nos seja, pode sempre trazer consigo uma faca de cortar carne.