A sida da crise e o programa cutelar
No final de 2013 não cumpriu as metas do défice e da dívida inicialmente previstas no Memorando de Entendimento. Tão-pouco tem cumprido as metas do Memorando em revisão permanente. No final de 2013, o défice não terá descido mais que 0,6 pp, ficando acima dos 5%, e a dívida pública (inferior à privada) muito acima dos 120%. E mesmo os resultados atingidos relativamente ao défice devem-se a um colossal e desigualmente repartido aumento de impostos, cortes e medidas parafiscais (a infligir de novo em 2014) e a um “perdão fiscal” irrepetível que prejudica receitas futuras. E quanto à dívida, o alargamento do perímetro do Estado, tendência de há muito previsível, não justifica tudo, bem longe disso. Basta pensar no peso crescente dos juros a pagar pela intervenção da troika. Vítor Gaspar, que não era bom em propaganda, percebeu-o a tempo e, por isso, apresentou irrevogavelmente a sua demissão. O executivo não nos preservou e a saída da crise metamorfoseou-se em sida da crise. E, com os cortes existentes na saúde, sem outra cura à vista que não seja um milagre europeu.
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No final de 2013 não cumpriu as metas do défice e da dívida inicialmente previstas no Memorando de Entendimento. Tão-pouco tem cumprido as metas do Memorando em revisão permanente. No final de 2013, o défice não terá descido mais que 0,6 pp, ficando acima dos 5%, e a dívida pública (inferior à privada) muito acima dos 120%. E mesmo os resultados atingidos relativamente ao défice devem-se a um colossal e desigualmente repartido aumento de impostos, cortes e medidas parafiscais (a infligir de novo em 2014) e a um “perdão fiscal” irrepetível que prejudica receitas futuras. E quanto à dívida, o alargamento do perímetro do Estado, tendência de há muito previsível, não justifica tudo, bem longe disso. Basta pensar no peso crescente dos juros a pagar pela intervenção da troika. Vítor Gaspar, que não era bom em propaganda, percebeu-o a tempo e, por isso, apresentou irrevogavelmente a sua demissão. O executivo não nos preservou e a saída da crise metamorfoseou-se em sida da crise. E, com os cortes existentes na saúde, sem outra cura à vista que não seja um milagre europeu.
Os portugueses, fartos de austeridade, agarram-se hoje a qualquer sinalzinho de melhoria amplificado pelas trombetas da propaganda. Mas, infelizmente, a realidade é mais forte. O que fica da ação de quem nos executa, o executivo, é um Portugal mais pobre (a taxa de pobreza ronda já os 24%), um agravamento do desemprego e da exclusão social (com cortes no complemento solidário para idosos, no subsídio de desemprego e no rendimento social de inserção), um país mais desigual e menos coeso, um património público exaurido (vendido ao desbarato até a empresas públicas estrangeiras), são cidadãos (os que não emigraram) menos qualificados, mais velhos e mais amorfos, um Estado com as mesmas gorduras burocráticas de sempre e piores condições para criar uma estratégia de desenvolvimento sustentável (acesso ao crédito por parte das empresas dificultado, financiamento da investigação científica e tecnológica degradado, etc.). E, pior que tudo, uma democracia de cooptação de pseudo-elites, cada vez mais distante do ideal do republicano Lincoln (“um Governo do povo, pelo povo e para o povo”) e até do elitista Schumpeter.
Sem milagres, o que nos é oferecido é um futuro onde nos espera uma austeridade imposta ou induzida, derivada não só da situação da dívida pública e de um crescimento económico anémico, mas também das regras do chamado “Tratado Orçamental” e da dominação alemã sobre a União Europeia. Perante isto, seja o que aconteça quando a troika sair, o nosso futuro será, por muitos anos, independentemente do nome com que o crismem, a continuação de um verdadeiro programa “cutelar”.
Professor associado da UAL