Tropa de lata
O cinema americano continua a sua grande aventura na auto-reciclagem: agora é a vez de Robocop, decalcado do original assinado por Paul Verhoeven no final dos anos 80, entretanto tornado “objecto de culto”. Para este reboot de Robocop (agora diz-se assim, talvez porque soe mais moderno do que remake) os produtores decidiram-se pela contratação do brasileiro José Padilha, autor do polémico Tropa de Elite e respectiva sequela, que assim passa, portanto, do “Bope” (o corpo especial da polícia brasileira retratado nesses filmes) ao “robocópe”. Alguma ironia haveria na escolha, ou então total ausência dela, porque Tropa de Elite, no fundo, era a declinação realista do mesmo tipo de fantasia securitária desenhado em Robocop, embora Verhoeven fosse, obviamente, muito mais sofisticado e mordaz a lidar com as ambiguidades políticas inerentes.
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O cinema americano continua a sua grande aventura na auto-reciclagem: agora é a vez de Robocop, decalcado do original assinado por Paul Verhoeven no final dos anos 80, entretanto tornado “objecto de culto”. Para este reboot de Robocop (agora diz-se assim, talvez porque soe mais moderno do que remake) os produtores decidiram-se pela contratação do brasileiro José Padilha, autor do polémico Tropa de Elite e respectiva sequela, que assim passa, portanto, do “Bope” (o corpo especial da polícia brasileira retratado nesses filmes) ao “robocópe”. Alguma ironia haveria na escolha, ou então total ausência dela, porque Tropa de Elite, no fundo, era a declinação realista do mesmo tipo de fantasia securitária desenhado em Robocop, embora Verhoeven fosse, obviamente, muito mais sofisticado e mordaz a lidar com as ambiguidades políticas inerentes.
Com as ambiguidades politicas inerentes e com o resto: o Robocop de Padilha é um remake escanzeladíssimo do original, absolutamente “normalizado”, “standardizado” mesmo, para se confundir com a cartilha do filme de super-heróis que parece ser neste caso o único horizonte. Uma das coisas mais fortes da recordação do filme de Verhoeven era a maneira como criava uma sensação de caos, de caos social e de caos politico, que inquietava e desarmava e dava um sentido ao seu lado revanchista. Aqui, se se mantém Detroit como cenário, aquela Detroit falida que entretanto se tornou símbolo maior da “decadência industrial” dos EUA, Padilha desperdiça ou ignora liminarmente qualquer espécie de reverberação que daí pudesse vir: é puro “cenário”, tratado com indiferença e submetido aos rodriguinhos da história. A sátira politica também está ausente da narrativa, e para compensar Padilha e os seus argumentistas bordejaram o filme com a personagem de Samuel L. Jackson, um “pregador” ao modo Fox News, que vem exortar ao securitarismo na América e no mundo (mas é tão patética a personagem, e tão patética aquela introdução com os robots em Teerão, que nem como paródia se aguenta). Resta o “frankensteinianismo” da intriga, a fusão “homem/máquina”, a questão da “alma” a prevalecer sobre os “chips”, mas tudo isto é resolvido com uma vulgaridade simplória, agravada pela falta de carisma de todas as personagens, dos heróis aos anti-heróis. Truculência zero, substituída por uma sinceridade ingénua e desajeitada que não aspira a mais do que ser o nascimento de um novo-velho franchise.