Silopor: a cronologia de uma concessão atribulada
Empresa pública de descarregamento e armazenamento de cereais está há 14 anos para ser concessionada a privados
1987 Dá entrada no Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização de constitucionalidade de Cavaco Silva, primeiro-ministro, da resolução da AR que mandou suspender a vigência da lei que criava a Silopor. Cavaco defendia que esta era uma matéria da competência exclusiva do Governo. Contudo, o TC indeferiu o pedido do então-primeiro ministro.
Na imprensa, começam a ser publicados anúncios de uma página (O Jornal, 11.12.1987) sobre a capacidade de descarga no terminal da Trafaria, que custou 14 milhões de contos. O anúncio também dá conta de remodelações no terminal portuário do Beato, ampliado para 120.000 toneladas de capacidade.
É publicada uma nova lei que altera o diploma inicial de criação da Silopor, estabelecendo que o valor das infra-estruturas que passam para as mãos da nova empresa - “deduzido da soma da importância do capital social destacado da EPAC” e outros financiamentos que transitam para o património da Silopor - “constituirá dívida desta sociedade” à empresa pública.
1989-1990 A Silopor tinha 300 trabalhadores e a EPAC 1800. Na imprensa, sucedem-se artigos sobre as queixas dos moradores da Trafaria em relação ao ruído e ao pó provocados pelo terminal.
1993 A criação da Silopor pressupôs o pagamento à EPAC do valor do “acervo de bens destacados do património imobiliário e mobiliário da antiga empresa de abastecimento de cereais”, que iriam fazer parte dos activos da nova sociedade. Esta dívida da Silopor somava 20 milhões de contos (cerca de 100 milhões de euros), relatava a imprensa.
1997 A Silopor nunca teve fundos próprios para pagar a dívida e, para sanear financeiramente a EPAC (em grave situação financeira), o Estado tentou conceder um aval de 149,6 milhões de euros e condições especiais de financiamento, no quadro de um empréstimo destinado à reestruturação do passivo bancário da empresa, no montante total de 248,6 milhões de euros.
Em Outubro, a Comissão Europeia considerou o aval do Estado um auxílio ilegal por violar as regras da concorrência e levou Portugal ao Tribunal de Justiça. O Governo desiste do aval. No final do ano, o capital e os juros em dívida da Silopor para com a EPAC já ascendiam a 160 milhões de euros.
1999 É decretada a dissolução da EPAC que, só em juros, tinha dívidas de mais de 10 milhões de euros, recorda o Tribunal de Contas. O processo de liquidação demorou apenas cinco meses, mas custou ao Estado 273 milhões de euros (passivos e regularização de responsabilidades da empresa).
2000-2001 O Governo de António Guterres decreta a dissolução da Silopor (Lei 188/2001), com efeitos retroactivos a 19 de Junho de 2000. A dissolução é justificada pela impossibilidade de o Estado (decidida por Bruxelas) se “substituir, directa ou indirectamente, à Silopor no pagamento da dívida” que, nesse ano, chegava já aos 163 milhões de euros.
A importância do serviço de descarga e armazenamento de cereais que a empresa pública prestava levou a que o Estado mantivesse a concessão da exploração da actividade “em regime de serviço público, mediante adjudicação a operadores privados”. São criadas uma comissão liquidatária para assegurar a continuidade do negócio até á “efectiva extinção” da empresa e uma comissão de acompanhamento encarregue de preparar e executar o lançamento dos concursos. Abel Vinagre assume a presidência das comissões, lugar que ainda mantém. A Silopor tinha, no ano 2000, prejuízos de 95 milhões de euros.
2002 Por esta altura, todo o passivo e património activo da empresa tinha sido transferido para o Estado, através da Direcção-geral do Tesouro e Finanças. O Governo decide avançar com a concessão dos silos do porto de Leixões, mas o modelo para os terminais do Beato e da Trafaria ainda estava por definir.
2003 É publicado um decreto-lei que define a abertura de dois concursos públicos: um para Leixões e outro para o Beato, Trafaria e o silo de Vale Figueira. O processo gera polémica, com a fileira agro-alimentar a defender que o diploma não salvaguardava a livre concorrência, nem acautelava a criação de um monopólio. Nesse ano, é lançado o concurso para a concessão das infra-estruturas em Leixões, que também foi fortemente criticado por empresas agro-alimentares. A TCGL – Terminais de Carga Geral de Leixões, empresa do grupo ETE, foi o único concorrente mas o concurso foi anulado.
2004 Foram convidadas 12 empresas para participarem na primeira fase do novo concurso de Leixões, que termina com apenas dois interessados: a TCGL e a Sogestão, de Manuel Champalimaud. Ambas ofereceram 3,6 milhões de euros pela exploração dos activos durante 26 anos, mas a vitória foi concedida à Sogestão. A TCGL apresentou uma providência cautelar para contestar a decisão. Nas Grandes Opções do Plano do Governo liderado por Durão Barroso, já estava previsto o lançamento (em Setembro desse ano) do concurso para a actividade da Silopor em Lisboa, o que não se veio a verificar.
2005 Já com José Sócrates como primeiro-ministro, o grupo Champalimaud consegue a concessão dos silos de Leixões, depois de uma sessão de negociação entre todas as partes envolvidas no processo. Contudo, o grupo ETE continua a contestar a decisão.
2007 Foi formalizada a cedência do terminal de Leixões à Sogestão, de Manuel Champalimaud. É neste ano que, finalmente, se lança o concurso para os terminais do Beato e Trafaria e silos de Vale Figueira. No total, 14 empresas levantaram o caderno de encargos, mas no dia da abertura das propostas o acto público foi suspenso. A ETE, principal candidato, contestou a forma de apresentação da proposta da Terminal Multiusos do Beato, com ligações à Mota-Engil. Meses depois, a ETE acabou por desistir do recurso para não atrasar o processo. Mas houve nova contestação mais tarde, desta vez, do grupo Champalimaud. O Governo acabou por não aceitar a reclamação e marcou um novo acto público para a abertura das propostas para 18 de Setembro.
Nesse dia, a ETE ofereceu as melhores condições financeiras (56 milhões de euros pela concessão de 25 anos, que quase triplicava os 20 milhões de euros de valor mínimo previsto no caderno de encargos). Na corrida estiveram seis empresas: Terminal Multiusos do Beato, consórcio Luso-Silos - Mota-Engil/Socarpor/Tertir-, Nutrinvest, Ership, Sogestão e ETE.
A Sogestão faz queixa contra o agrupamento da Mota-Engil e da TMB (onde a primeira empresa tem 42% do capital). A 4 de Dezembro, a comissão de acompanhamento avalia as propostas e decidiu excluir da corrida o consórcio Mota-Engil/Socarpor/Tertir e TMB.
2008 Em Abril, a comissão de acompanhamento pede à Autoridade da Concorrência um parecer sobre o perfil dos candidatos. Seguem as negociações. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou excessiva a decisão da comissão quanto à exclusão do consórcio da Mota-Engil e o processo de concessão voltou atrás. Outros concorrentes avançaram para a justiça (como a Ership). E no final do ano, a Silopor descrevia que “atendendo às providências cautelares interpostas por alguns dos concorrentes, os trabalhos da comissão de acompanhamento encontram-se suspensos até decisão” dos tribunais.
2009 O Supremo Tribunal Administrativo chumba o pedido de reintegração da Mota-Engil, que fica afastada em definitivo da corrida. A ETE e a Sogestão são os dois candidatos eleitos e a empresa de Manuel Champalimaud melhora a oferta inicial.
2011 A Comissão de Acompanhamento dá por terminado o trabalho de análise e propõe ao executivo de José Sócrates a adjudicação à ETE, um dos operadores históricos do sector portuário, fundada em 1936. Em Junho, Passos Coelho ganha as eleições com maioria relativa.
2012 Em Outubro, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto notifica a comissão que deve analisar a proposta da Mota-Engil, na sequência de uma providência cautelar interposta por este concorrente. A comissão de liquidação manteve a classificação inicial depois de ter analisado de novo toda a documentação.
2013 É aprovado o Orçamento do Estado para 2014 que inclui a conclusão do concurso para a concessão da Silopor. O Governo estima que a concessão da Silopor irá render 40 milhões de euros em 2014 e, ao longo dos 25 anos que duram a concessão, um total de 168 milhões de euros.
2014 O Governo assina o despacho que permite e adjudicação provisória da Silopor à ETE mas a empresa entrega um pedido de providência cautelar no Tribunal Administrativo de Lisboa a pedir a suspensão do concurso e da obrigação de prestar caução. No final do ano, um despacho assinado pelos ministérios das Finanças, Economia e Solidariedade, Emprego e Segurança Social cancela o processo de concessão e dá por “caducada” a adjudicação provisória à ETE.
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1987 Dá entrada no Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização de constitucionalidade de Cavaco Silva, primeiro-ministro, da resolução da AR que mandou suspender a vigência da lei que criava a Silopor. Cavaco defendia que esta era uma matéria da competência exclusiva do Governo. Contudo, o TC indeferiu o pedido do então-primeiro ministro.
Na imprensa, começam a ser publicados anúncios de uma página (O Jornal, 11.12.1987) sobre a capacidade de descarga no terminal da Trafaria, que custou 14 milhões de contos. O anúncio também dá conta de remodelações no terminal portuário do Beato, ampliado para 120.000 toneladas de capacidade.
É publicada uma nova lei que altera o diploma inicial de criação da Silopor, estabelecendo que o valor das infra-estruturas que passam para as mãos da nova empresa - “deduzido da soma da importância do capital social destacado da EPAC” e outros financiamentos que transitam para o património da Silopor - “constituirá dívida desta sociedade” à empresa pública.
1989-1990 A Silopor tinha 300 trabalhadores e a EPAC 1800. Na imprensa, sucedem-se artigos sobre as queixas dos moradores da Trafaria em relação ao ruído e ao pó provocados pelo terminal.
1993 A criação da Silopor pressupôs o pagamento à EPAC do valor do “acervo de bens destacados do património imobiliário e mobiliário da antiga empresa de abastecimento de cereais”, que iriam fazer parte dos activos da nova sociedade. Esta dívida da Silopor somava 20 milhões de contos (cerca de 100 milhões de euros), relatava a imprensa.
1997 A Silopor nunca teve fundos próprios para pagar a dívida e, para sanear financeiramente a EPAC (em grave situação financeira), o Estado tentou conceder um aval de 149,6 milhões de euros e condições especiais de financiamento, no quadro de um empréstimo destinado à reestruturação do passivo bancário da empresa, no montante total de 248,6 milhões de euros.
Em Outubro, a Comissão Europeia considerou o aval do Estado um auxílio ilegal por violar as regras da concorrência e levou Portugal ao Tribunal de Justiça. O Governo desiste do aval. No final do ano, o capital e os juros em dívida da Silopor para com a EPAC já ascendiam a 160 milhões de euros.
1999 É decretada a dissolução da EPAC que, só em juros, tinha dívidas de mais de 10 milhões de euros, recorda o Tribunal de Contas. O processo de liquidação demorou apenas cinco meses, mas custou ao Estado 273 milhões de euros (passivos e regularização de responsabilidades da empresa).
2000-2001 O Governo de António Guterres decreta a dissolução da Silopor (Lei 188/2001), com efeitos retroactivos a 19 de Junho de 2000. A dissolução é justificada pela impossibilidade de o Estado (decidida por Bruxelas) se “substituir, directa ou indirectamente, à Silopor no pagamento da dívida” que, nesse ano, chegava já aos 163 milhões de euros.
A importância do serviço de descarga e armazenamento de cereais que a empresa pública prestava levou a que o Estado mantivesse a concessão da exploração da actividade “em regime de serviço público, mediante adjudicação a operadores privados”. São criadas uma comissão liquidatária para assegurar a continuidade do negócio até á “efectiva extinção” da empresa e uma comissão de acompanhamento encarregue de preparar e executar o lançamento dos concursos. Abel Vinagre assume a presidência das comissões, lugar que ainda mantém. A Silopor tinha, no ano 2000, prejuízos de 95 milhões de euros.
2002 Por esta altura, todo o passivo e património activo da empresa tinha sido transferido para o Estado, através da Direcção-geral do Tesouro e Finanças. O Governo decide avançar com a concessão dos silos do porto de Leixões, mas o modelo para os terminais do Beato e da Trafaria ainda estava por definir.
2003 É publicado um decreto-lei que define a abertura de dois concursos públicos: um para Leixões e outro para o Beato, Trafaria e o silo de Vale Figueira. O processo gera polémica, com a fileira agro-alimentar a defender que o diploma não salvaguardava a livre concorrência, nem acautelava a criação de um monopólio. Nesse ano, é lançado o concurso para a concessão das infra-estruturas em Leixões, que também foi fortemente criticado por empresas agro-alimentares. A TCGL – Terminais de Carga Geral de Leixões, empresa do grupo ETE, foi o único concorrente mas o concurso foi anulado.
2004 Foram convidadas 12 empresas para participarem na primeira fase do novo concurso de Leixões, que termina com apenas dois interessados: a TCGL e a Sogestão, de Manuel Champalimaud. Ambas ofereceram 3,6 milhões de euros pela exploração dos activos durante 26 anos, mas a vitória foi concedida à Sogestão. A TCGL apresentou uma providência cautelar para contestar a decisão. Nas Grandes Opções do Plano do Governo liderado por Durão Barroso, já estava previsto o lançamento (em Setembro desse ano) do concurso para a actividade da Silopor em Lisboa, o que não se veio a verificar.
2005 Já com José Sócrates como primeiro-ministro, o grupo Champalimaud consegue a concessão dos silos de Leixões, depois de uma sessão de negociação entre todas as partes envolvidas no processo. Contudo, o grupo ETE continua a contestar a decisão.
2007 Foi formalizada a cedência do terminal de Leixões à Sogestão, de Manuel Champalimaud. É neste ano que, finalmente, se lança o concurso para os terminais do Beato e Trafaria e silos de Vale Figueira. No total, 14 empresas levantaram o caderno de encargos, mas no dia da abertura das propostas o acto público foi suspenso. A ETE, principal candidato, contestou a forma de apresentação da proposta da Terminal Multiusos do Beato, com ligações à Mota-Engil. Meses depois, a ETE acabou por desistir do recurso para não atrasar o processo. Mas houve nova contestação mais tarde, desta vez, do grupo Champalimaud. O Governo acabou por não aceitar a reclamação e marcou um novo acto público para a abertura das propostas para 18 de Setembro.
Nesse dia, a ETE ofereceu as melhores condições financeiras (56 milhões de euros pela concessão de 25 anos, que quase triplicava os 20 milhões de euros de valor mínimo previsto no caderno de encargos). Na corrida estiveram seis empresas: Terminal Multiusos do Beato, consórcio Luso-Silos - Mota-Engil/Socarpor/Tertir-, Nutrinvest, Ership, Sogestão e ETE.
A Sogestão faz queixa contra o agrupamento da Mota-Engil e da TMB (onde a primeira empresa tem 42% do capital). A 4 de Dezembro, a comissão de acompanhamento avalia as propostas e decidiu excluir da corrida o consórcio Mota-Engil/Socarpor/Tertir e TMB.
2008 Em Abril, a comissão de acompanhamento pede à Autoridade da Concorrência um parecer sobre o perfil dos candidatos. Seguem as negociações. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou excessiva a decisão da comissão quanto à exclusão do consórcio da Mota-Engil e o processo de concessão voltou atrás. Outros concorrentes avançaram para a justiça (como a Ership). E no final do ano, a Silopor descrevia que “atendendo às providências cautelares interpostas por alguns dos concorrentes, os trabalhos da comissão de acompanhamento encontram-se suspensos até decisão” dos tribunais.
2009 O Supremo Tribunal Administrativo chumba o pedido de reintegração da Mota-Engil, que fica afastada em definitivo da corrida. A ETE e a Sogestão são os dois candidatos eleitos e a empresa de Manuel Champalimaud melhora a oferta inicial.
2011 A Comissão de Acompanhamento dá por terminado o trabalho de análise e propõe ao executivo de José Sócrates a adjudicação à ETE, um dos operadores históricos do sector portuário, fundada em 1936. Em Junho, Passos Coelho ganha as eleições com maioria relativa.
2012 Em Outubro, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto notifica a comissão que deve analisar a proposta da Mota-Engil, na sequência de uma providência cautelar interposta por este concorrente. A comissão de liquidação manteve a classificação inicial depois de ter analisado de novo toda a documentação.
2013 É aprovado o Orçamento do Estado para 2014 que inclui a conclusão do concurso para a concessão da Silopor. O Governo estima que a concessão da Silopor irá render 40 milhões de euros em 2014 e, ao longo dos 25 anos que duram a concessão, um total de 168 milhões de euros.
2014 O Governo assina o despacho que permite e adjudicação provisória da Silopor à ETE mas a empresa entrega um pedido de providência cautelar no Tribunal Administrativo de Lisboa a pedir a suspensão do concurso e da obrigação de prestar caução. No final do ano, um despacho assinado pelos ministérios das Finanças, Economia e Solidariedade, Emprego e Segurança Social cancela o processo de concessão e dá por “caducada” a adjudicação provisória à ETE.