Suíços viram as costas à livre circulação e à Europa

Iniciativa da direita nacionalista do Partido do Povo Suíço foi aprovada em referendo na maioria dos 26 cantões.

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Um dos cartazes da campanha do SVP a favor da imposição de quotas de imigrantes Michael Buholzer/AFP

As sondagens davam a vitória do “não” mas mostravam que o “sim” estava a ganhar terreno e os analistas avisavam que tudo podia acontecer. Assim foi. A taxa de participação chegou aos 56,6%, alta como já não se via num referendo desde 2005, quando 56,8% dos eleitores disseram “sim” aos acordos de associação de Shengen e Dublin.<_o3a_p>

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As sondagens davam a vitória do “não” mas mostravam que o “sim” estava a ganhar terreno e os analistas avisavam que tudo podia acontecer. Assim foi. A taxa de participação chegou aos 56,6%, alta como já não se via num referendo desde 2005, quando 56,8% dos eleitores disseram “sim” aos acordos de associação de Shengen e Dublin.<_o3a_p>

Os suíços votaram contra o que a esmagadora maioria dos partidos lhes pediam, contra o conselho federal (Governo), onde seis dos sete membros rejeitavam a iniciativa, contra o que os sindicatos e o patronato defendiam. Venceu o Partido do Povo Suíço (SVP, coligação de movimentos da direita nacionalista e populista) e a ideia de que os imigrantes – desde a entrada em vigor da livre circulação, em 2002, chegaram anualmente à Suíça 80 mil pessoas de estrados membros – ameaçam os postos de trabalho e os salários, e provocam uma pressão incomportável nas infra-estruturas e no mercado de habitação.<_o3a_p>

Os "cidadãos suíços aceitaram a iniciativa popular 'contra a imigração em massa' e pronunciaram-se assim por uma mudança de sistema na política suíça de imigração", disse a ministra da Justiça, Simonetta Sommaruga, na conferência de imprensa que juntou vários membros do Governo. “É uma mudança de sistema com grandes consequências para os suíços e para as nossas relações com a UE”, notou a ministra. “É um voto de desafio às autoridades” e “também um voto contra os meios económicos”, concluiu.<_o3a_p>

“É um mau resultado, a Suíça precisa de boas relações com a União Europeia”, disse Paul Rechsteiner, sindicalista e deputados do Partido Socialista Suíço. Para a Economiesuisse, organização que reúne todas as associações do patronato, “começa agora um período de incerta para a economia suíça, o que não é bom”. Durante a campanha, as organizações patronais lembraram a burocracia e os custos administrativos do sistema de quotas que vigorou até à livre circulação: assim é muito mais difícil conseguir, em tempo útil, a mão-de-obra qualificada que muitas vezes não está disponível entre os suíços.

Acordos bilaterais
O politólogo Pascal Sciarini, da Universidade de Genebra, antecipa o “caos”, com todos os acordos que unem o país à UE a terem de ser renegociados.<_o3a_p>

“Agora, convém fazer tudo o que for possível para manter os acordos bilaterais”, reagiu, assim que foram conhecidos os resultados, o comité de partidos que se uniu para defender o “não” (todos menos os socialistas, que decidiram fazer campanha sozinhos). A reacção da União Europeia permanece incerta, dizem estes partidos, defendendo que o conselho federal deve encontrar com Bruxelas uma solução que permita à Suíça respeitar a nova disposição constitucional sem pôr em causa as relações bilaterais com a União.<_o3a_p>

De facto, não é ainda completamente certo como é que Bruxelas vai reagir. Antes do referendo, não houve posição oficial, mesmo se vários responsáveis europeus avisaram os suíços para os riscos de pôr em causa a livre circulação. “A Suíça não pode ficar só com o que gosta”, disse Viviane Reding, comissária da Justiça Direitos Fundamentais e Cidadania, em declarações aos media suíços durante a campanha. A livre circulação, explicou, faz parte de um pacote de sete acordos que tanto beneficiam a Suíça como a UE.<_o3a_p>

Este domingo, a Comissão Europeia lamentou que a iniciativa "para a introdução de quotas sobre a imigração tenha passado " e fez saber que Bruxelas "avaliará as implicações desta iniciativa no conjunto das relações entre a UE e a Suíça". Segundo uma fonte europeia citada pela AFP, se o acordo de livre circulação for denunciado os outros seis acordos ficarão obsoletos em seis meses. <_o3a_p>

Estes acordos regulam a comercialização de produtos, os concursos públicos, a agricultura, a investigação, os transportes aéreos e terrestres. A lógica é sempre a da facilitação das trocas – com estes acordos, acabaram os controlos veterinários especiais, e as companhias aéreas suíças passaram a ter acesso a todas as linhas, por exemplo.

Saldo positivo
Todos os indicadores mostram que a abertura da Suíça à UE tem saldo positivo. O desemprego manteve-se perto dos 3% - está em 3,4% para o conjunto da população e em 2% para os suíços de origem –, os salários cresceram em média 0,6% desde 2002 (mais do que no período anterior) e a economia do país nunca parou de crescer acima da média europeia, com estimativas de um crescimento de 2% para 2014. Mais de metade das exportações suíças vão para o mercado único.<_o3a_p>

Quando a livre circulação entrou em vigor, há 12 anos, a Suíça tinha 20% de imigrantes, hoje são 23,5% (e 22% da força de trabalho) numa população de oito milhões. Italianos e alemães são os maiores grupos, com perto de 291 mil e 284 mil pessoas. A seguir, estão os portugueses, que são quase 240 mil. E os suíços, certa ou erradamente, temem que os recém-chegados estejam a mudar o seu país e a sua qualidade de vida para pior.<_o3a_p>

Numa conversa com o PÚBLICO, o politólogo Lukas Golder explicou que depois de uma grande controvérsia sobre a abertura à UE, “seguiu-se um período em que crescia a tendência a favor da livre circulação”. Nos últimos anos, porém, a opinião geral voltou a mudar, com a direita nacionalista do SVP a ser “muito bem-sucedida no reforço da percepção de que os imigrantes são responsáveis por tudo o que não está bem”. <_o3a_p>

O Governo admite um problema de infra-estruturas, por exemplo, e até aponta a livre circulação como uma das suas causas, mas insiste que a Suíça precisa destas pessoas. <_o3a_p>

Como as sondagens já indicavam, o maior apoio ao “não” veio da Suíça italiana, com resultados mistos na Suíça alemã e a vitória do “não” nos cantões franceses. Ainda à espera de uma análise mais detalhada, Golder antecipa que a iniciativa do SPV não tenha sido necessariamente mais votada onde se sentem de facto problemas com o aumento recente da população. <_o3a_p>

O SVP, claro, celebrou. “Trata-se de uma viragem na nossa política de imigração”, disse o presidente, Toni Brunner. O vice-presidente, Christoph Blocher, escolheu outra frase: “Conservámos a nossa independência”.<_o3a_p>