Canavilhas garante que colecção Miró não foi discutida pelo Governo PS e que venda nunca seria autorizada
A ex-ministra da Cultura recusa críticas de que poderia ter dado outro destino às 85 obras de Joan Miró quando estava no Governo.
O semanário Expresso avança este sábado que as negociações para a venda destas obras começaram já nesse ano, apoiando-se numa troca de emails entre José Lourenço Soares, anterior presidente da Parvalorem (sociedade criada no âmbito do Ministério das Finanças para recuperar créditos do BPN e assim proprietária das obras) e as duas maiores leiloeiras internacionais, a Christie’s e a Sotheby’s. Nesta troca, alinhavavam-se as condições do contrato, como a comissão de venda ou o melhor local para o leilão.
No entanto, esta manhã, à entrada para o debate Consolidação Orçamental e Crescimento Económico, promovido pela Distrital PS Porto, Teixeira dos Santos garantiu que enquanto Ministro das Finanças (à época colega de Governo de Canavilhas) nunca este tema foi debatido. “Nunca dei qualquer orientação. Ou eu, ou que eu saiba qualquer outro membro do Governo ou do Ministério, deu qualquer orientação de venda. Nem sequer fomos interpelados no sentido de nos pronunciarmos num cenário de venda”, disse, citado pela agência Lusa, explicando que “a própria Caixa Geral de Depósitos poderia aceitar os quadros como dação em pagamento da dívida ou do peso da dívida existente”. “Creio que nem se deram ao trabalho de ver qual era o interesse artístico e económico da colecção", acrescentou Teixeira dos Santos.
No mesmo sentido, Gabriela Canavilhas rejeita qualquer acusação de que a venda estaria a ser preparada no seu Governo, defendendo que este foi um processo moroso e que só em Dezembro de 2012 é que ficou concluído, pelo que seria impossível que o leilão pudesse ter acontecido antes.
“Há uma diferença entre determinação e orientação política e o trabalho que as empresas estão responsabilizadas por desenvolver no sentido de reaver o máximo possível de activos do BPN”, diz a deputada socialista ao PÚBLICO, sublinhando que, por muito que a Parvalorem quisesse levar estas obras à praça durante o mandato do PS nunca teria luz verde da tutela. “Uma coisa são as empresas públicas que estão a fazer o seu trabalho e terão depois de enfrentar a tutela e outra coisa é a orientação política que este Governo está a dar e que é completamente diferente da do Governo anterior, que não deu rigorosamente nenhuma orientação no sentido de vender as obras”, acrescenta Canavilhas, lembrando ainda que a intenção de levar a colecção a leilão encontraria sempre um entrave na Lei de Bases do Património.
Para a ex-ministra da Cultura, nem o próprio primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, pode afirmar seguramente que as obras serão vendidas num novo leilão, a agendar depois de resolvidas todas as questões legais ainda em aberto. “Não compete ao primeiro-ministro dizer que as obras vão ser vendidas. O primeiro-ministro tem de aguardar a inventariação e a forma como os especialistas se vão pronunciar sobre esta colecção e só depois disso é que eventualmente pode decidir vender as peças que não ficarem salvaguardadas por essa inventariação”, atesta Canavilhas, lamentando “que um primeiro-ministro de um país diga publicamente e atire responsabilidades para uma empresa de algo que correu mal na gestão política deste caso”. “É absolutamente lamentável e ridiculariza-nos até aos olhos dos nossos parceiros internacionais.”
Em resposta às acusações de que enquanto ministra da Cultura podia ter tomado uma decisão diferente em relação a estas obras, a deputada garante que tal não era possível pela complexidade do caso BPN. “Este foi um processo que levou o seu tempo. O tempo necessário até finalmente, no relatório de contas de 2012 da própria Parvalorem, se assumir que apenas em Dezembro de 2012 se prevê a curto-prazo o início do processo de alienação”, explica, destacando: “É o próprio relatório de contas da Parvalorem que diz que só então se vai dar início ao processo.”
“Quando saímos do Governo no início de 2011, apenas se tinha passado o ano de 2009 e o ano de 2010, muito pouco tempo para desembrulhar este intricado novelo, novelo que precisou ainda de 2011 e 2012 para chegar ao fim”, continua, alegando que o Governo de Sócrates não teve tempo para fazer mais. Para a ex-ministra, é evidente que o longo processo de identificação dos activos do banco, de determinação da sua titularidade e até dos trâmites administrativos, nunca estaria concluído se não tivesse sido aberto logo em 2008. Foi nesse âmbito, explicou, que chegou a falar com Teixeira dos Santos sobre esta colecção: “Foi alvo de conversações entre nós para salvaguardar estas obras da depravação e da cobiça que se imaginaria que pudessem vir a sofrer. Mas como digo, o tempo não chegou para se fazer muito mais do que isso.”
Para Gabriela Canavilhas, “dá imenso jeito ao Governo actual respaldar as suas decisões, sobretudo as polémicas, com o Governo anterior”. “Infelizmente temos assistido a isso em todos os domínios e portanto mais uma vez mostra a debilidade da argumentação”, afirma a deputada socialista, para quem “este Governo tem uma orientação muito definida” e que é “vender tudo quanto possível e o mais depressa possível”.
Pontas soltas
No entanto, este caso continua ainda com muitas pontas soltas, lembra Canavilhas, para quem não é razoável que ninguém saiba ou assuma o dia exacto em que as obras viajaram para Londres. Sabe-se que a 6 de Janeiro já estariam na sede da leiloeira, mas não se conhece ainda a data em que a colecção saiu de Portugal, sem autorização da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). “A forma como as obras chegaram a Londres não está minimamente esclarecida e o Governo ainda vai ter de explicar isto porque elas não podiam sair do país sem as respectivas guias que não foram passadas pela DGPC”, diz a deputada do PS.
O PÚBLICO apurou junto de fontes próximas do processo que a empresa que transportou as obras, a Interartis, tinha na sua posse as guias que autorizavam a saída. No entanto, a data em que saíram ainda é um mistério, até para o tribunal. As mesmas fontes garantem ainda que o que aconteceu neste caso “foi uma falha da leiloeira”, que como já disse até Francisco Nogueira Leite, presidente da Parvalorem, seria a responsável por tratar de todo o processo.
À Christie’s foi pedido que a Parvalorem não tivesse de se preocupar com nada do processo. Entregavam-se as obras e receber-se-ia depois o dinheiro da sua venda. Era a leiloeira que teria, por exemplo, de se preocupar em contratar a empresa transportadora ou contratar os seguros. A Parvalorem só voltou a intervir no caso quando foi confrontada com o alerta, a 6 de Janeiro, da então directora-geral do Património, Isabel Cordeiro, que apontou a ilegalidade em todo o processo, para que se regularizasse a situação.
Sabe ainda o PÚBLICO que a Parvalorem terá conseguido um contrato “particularmente vantajoso”, "em que não pagou rigorosamente nada” pelo acordo "chave na mão" - a expressão é de Passos Coelho -, muito provavelmente porque o interesse da Christie’s em realizar o leilão era muito grande.
Defendem as mesmas fontes que, uma vez que a venda foi cancelada pela própria leiloeira contratada, esta poderá ser responsabilizada. E a haver um pagamento de indeminização será da Christie’s à Parvalorem. No entanto, Francisco Nogueira Leite já demonstrou esta semana vontade em chegar a acordo com a leiloeira para que se possa abrir um novo processo de venda.
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O semanário Expresso avança este sábado que as negociações para a venda destas obras começaram já nesse ano, apoiando-se numa troca de emails entre José Lourenço Soares, anterior presidente da Parvalorem (sociedade criada no âmbito do Ministério das Finanças para recuperar créditos do BPN e assim proprietária das obras) e as duas maiores leiloeiras internacionais, a Christie’s e a Sotheby’s. Nesta troca, alinhavavam-se as condições do contrato, como a comissão de venda ou o melhor local para o leilão.
No entanto, esta manhã, à entrada para o debate Consolidação Orçamental e Crescimento Económico, promovido pela Distrital PS Porto, Teixeira dos Santos garantiu que enquanto Ministro das Finanças (à época colega de Governo de Canavilhas) nunca este tema foi debatido. “Nunca dei qualquer orientação. Ou eu, ou que eu saiba qualquer outro membro do Governo ou do Ministério, deu qualquer orientação de venda. Nem sequer fomos interpelados no sentido de nos pronunciarmos num cenário de venda”, disse, citado pela agência Lusa, explicando que “a própria Caixa Geral de Depósitos poderia aceitar os quadros como dação em pagamento da dívida ou do peso da dívida existente”. “Creio que nem se deram ao trabalho de ver qual era o interesse artístico e económico da colecção", acrescentou Teixeira dos Santos.
No mesmo sentido, Gabriela Canavilhas rejeita qualquer acusação de que a venda estaria a ser preparada no seu Governo, defendendo que este foi um processo moroso e que só em Dezembro de 2012 é que ficou concluído, pelo que seria impossível que o leilão pudesse ter acontecido antes.
“Há uma diferença entre determinação e orientação política e o trabalho que as empresas estão responsabilizadas por desenvolver no sentido de reaver o máximo possível de activos do BPN”, diz a deputada socialista ao PÚBLICO, sublinhando que, por muito que a Parvalorem quisesse levar estas obras à praça durante o mandato do PS nunca teria luz verde da tutela. “Uma coisa são as empresas públicas que estão a fazer o seu trabalho e terão depois de enfrentar a tutela e outra coisa é a orientação política que este Governo está a dar e que é completamente diferente da do Governo anterior, que não deu rigorosamente nenhuma orientação no sentido de vender as obras”, acrescenta Canavilhas, lembrando ainda que a intenção de levar a colecção a leilão encontraria sempre um entrave na Lei de Bases do Património.
Para a ex-ministra da Cultura, nem o próprio primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, pode afirmar seguramente que as obras serão vendidas num novo leilão, a agendar depois de resolvidas todas as questões legais ainda em aberto. “Não compete ao primeiro-ministro dizer que as obras vão ser vendidas. O primeiro-ministro tem de aguardar a inventariação e a forma como os especialistas se vão pronunciar sobre esta colecção e só depois disso é que eventualmente pode decidir vender as peças que não ficarem salvaguardadas por essa inventariação”, atesta Canavilhas, lamentando “que um primeiro-ministro de um país diga publicamente e atire responsabilidades para uma empresa de algo que correu mal na gestão política deste caso”. “É absolutamente lamentável e ridiculariza-nos até aos olhos dos nossos parceiros internacionais.”
Em resposta às acusações de que enquanto ministra da Cultura podia ter tomado uma decisão diferente em relação a estas obras, a deputada garante que tal não era possível pela complexidade do caso BPN. “Este foi um processo que levou o seu tempo. O tempo necessário até finalmente, no relatório de contas de 2012 da própria Parvalorem, se assumir que apenas em Dezembro de 2012 se prevê a curto-prazo o início do processo de alienação”, explica, destacando: “É o próprio relatório de contas da Parvalorem que diz que só então se vai dar início ao processo.”
“Quando saímos do Governo no início de 2011, apenas se tinha passado o ano de 2009 e o ano de 2010, muito pouco tempo para desembrulhar este intricado novelo, novelo que precisou ainda de 2011 e 2012 para chegar ao fim”, continua, alegando que o Governo de Sócrates não teve tempo para fazer mais. Para a ex-ministra, é evidente que o longo processo de identificação dos activos do banco, de determinação da sua titularidade e até dos trâmites administrativos, nunca estaria concluído se não tivesse sido aberto logo em 2008. Foi nesse âmbito, explicou, que chegou a falar com Teixeira dos Santos sobre esta colecção: “Foi alvo de conversações entre nós para salvaguardar estas obras da depravação e da cobiça que se imaginaria que pudessem vir a sofrer. Mas como digo, o tempo não chegou para se fazer muito mais do que isso.”
Para Gabriela Canavilhas, “dá imenso jeito ao Governo actual respaldar as suas decisões, sobretudo as polémicas, com o Governo anterior”. “Infelizmente temos assistido a isso em todos os domínios e portanto mais uma vez mostra a debilidade da argumentação”, afirma a deputada socialista, para quem “este Governo tem uma orientação muito definida” e que é “vender tudo quanto possível e o mais depressa possível”.
Pontas soltas
No entanto, este caso continua ainda com muitas pontas soltas, lembra Canavilhas, para quem não é razoável que ninguém saiba ou assuma o dia exacto em que as obras viajaram para Londres. Sabe-se que a 6 de Janeiro já estariam na sede da leiloeira, mas não se conhece ainda a data em que a colecção saiu de Portugal, sem autorização da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). “A forma como as obras chegaram a Londres não está minimamente esclarecida e o Governo ainda vai ter de explicar isto porque elas não podiam sair do país sem as respectivas guias que não foram passadas pela DGPC”, diz a deputada do PS.
O PÚBLICO apurou junto de fontes próximas do processo que a empresa que transportou as obras, a Interartis, tinha na sua posse as guias que autorizavam a saída. No entanto, a data em que saíram ainda é um mistério, até para o tribunal. As mesmas fontes garantem ainda que o que aconteceu neste caso “foi uma falha da leiloeira”, que como já disse até Francisco Nogueira Leite, presidente da Parvalorem, seria a responsável por tratar de todo o processo.
À Christie’s foi pedido que a Parvalorem não tivesse de se preocupar com nada do processo. Entregavam-se as obras e receber-se-ia depois o dinheiro da sua venda. Era a leiloeira que teria, por exemplo, de se preocupar em contratar a empresa transportadora ou contratar os seguros. A Parvalorem só voltou a intervir no caso quando foi confrontada com o alerta, a 6 de Janeiro, da então directora-geral do Património, Isabel Cordeiro, que apontou a ilegalidade em todo o processo, para que se regularizasse a situação.
Sabe ainda o PÚBLICO que a Parvalorem terá conseguido um contrato “particularmente vantajoso”, "em que não pagou rigorosamente nada” pelo acordo "chave na mão" - a expressão é de Passos Coelho -, muito provavelmente porque o interesse da Christie’s em realizar o leilão era muito grande.
Defendem as mesmas fontes que, uma vez que a venda foi cancelada pela própria leiloeira contratada, esta poderá ser responsabilizada. E a haver um pagamento de indeminização será da Christie’s à Parvalorem. No entanto, Francisco Nogueira Leite já demonstrou esta semana vontade em chegar a acordo com a leiloeira para que se possa abrir um novo processo de venda.