O ano Cortázar
Neste ano de redondas datas – que já vem de Julho, com os 50 anos da publicação de Rayuela, passa na quarta-feira pelo assinalar dos 30 anos da morte e culmina a 26 de Agosto com o centenário do nascimento –, não faltarão os programas de homenagem em torno da vida e obra de Julio Cortázar. Argentina, França, Espanha, México, Cuba, Nicarágua, até Portugal, vão lembrar o autor de Bestiário.
Buenos Aires-Paris será o eixo fundamental das comemorações: a capital argentina por ser a sua cidade (apesar de nascido acidentalmente em Bruxelas, onde o pai era funcionário consular); a capital francesa para onde foi em 1951 e viveu até morrer em 1984. O Salão Literário de Paris, que se realiza de 21 a 24 de Março, terá a Argentina como convidada de honra e Cortázar estará no centro das actividades com um espaço de homenagem com fotografias inéditas do escritor da autoria de Sara Facio.
O escritor argentino mantém-se popular três décadas depois da morte, embora não seja caso para ficar de braços cruzados, afirma o seu biógrafo, Mario Goloboff. “Sempre há mais por fazer: difusão nas escolas e colégios, ensino na universidade, encontros e seminários de investigação, publicações diversas, jornalismo cultural, traduções, reedições, edições críticas”. Porque, por mais que haja muita coisa dita, escrita e publicada sobre o autor de Histórias de Cronópios e de Famas, ainda há muito por dizer: “Num grande escritor como Julio Cortázar há sempre coisas a descobrir em novas leituras; cada aproximação a Rayuela acrescenta dados e conhecimentos sobre a sua génese, a sua textura, a sua conformação. Que se propôs fazer? Por que se propôs fazê-lo? Conseguiu-o? Afinal o que foi que fez? Acho que o mesmo acontece com os seus outros romances, com os seus livros que misturam géneros e, sem dúvida, com os seus mais famosos contos.”
Surrealismo e política
A biografia escrita por Goloboff, editada pela primeira vez em 1998 e reeditada em 2011, vai ter nova edição este ano na Argentina (Ediciones Continente) e em Cuba (Arte y Literatura), estando previstas para sair ainda em 2014 uma tradução em inglês e outra em grego. “Até agora os editores preferiram publicá-la tal como na primeira edição, com leves correcções, embora lhes tenha oferecidos novos trabalhos que fui escrevendo sobre as relações de Cortázar com o objecto livro, com os problemas do ritmo literário e da leitura, com outras práticas estéticas”, explica o professor de Literatura Argentina da Universidade Nacional de La Plata, antigo docente nas universidades de Toulouse, Paris X, Nanterre e Reims.
Goloboff continua “a reflectir sobre a grande adscrição” de Cortázar ao surrealismo, sobre “as suas polémicas estéticas e literárias” e sobre a dimensão política de um autor que não sendo um escritor político meteu-se na política, fez declarações políticas, defendeu publicamente as revoluções cubana e sandinista na Nicarágua e usou a sua popularidade literária para apoiar a luta dos povos latino-americanos. Ainda em Novembro, o governo argentino encontrou uma lista negra de artistas considerados subversivos pela ditadura militar argentina (1976-1983) e lá constava o nome de Julio Cortázar.
O escritor colombiano Pablo Montoya, num ensaio sobre a relação do escritor argentino com a luta cubana, escreveu assim: “Cortázar seguiu, na sua ascensão particular em direcção aos outros, um processo iniciado com o surrealismo e o jazz, que haveria de desembocar no seio candente da família revolucionária latino-americana”.
Essa dimensão política do escritor e da sua obra está presente neste Ano Cortázar. Tal como Goloboff, o nicaraguense Sergio Ramírez será um dos intervenientes no Encontro Internacional dedicado ao escritor centenário que se realizará em Agosto na Biblioteca Nacional argentina, em Buenos Aires, e juntará escritores e críticos da América Latina, Espanha, Itália e Estados Unidos: “Cortázar, o desterrado, tornou-se no autor que liam os revolucionários clandestinos nas catacumbas, porque expunha as maneiras de não ser, perante as maneiras sem-vergonha de ser que ofereciam sociedades como as da América Latina, onde não bastava abolir as injustiças, era preciso procurar novas formas de conduta pessoal. Que foi o que quis fazer a revolução sandinista, por ser uma revolução juvenil”, escreveu Ramirez em El Evangelio según Cortázar.
“Sobre um fundo permanente de preocupações sociais e políticas, creio que as suas vivências na Paris da década de 50 influíram decisavamente na assunção de um mito poético-político como o da Revolução Cubana e o socialismo”, explica Goloboff, algo que se vê “reflectido em alguns dos seus textos da época e especialmente na nouvelle O Perseguidor, em que ele mesmo diz que ‘começou a olhar o próximo pela primeira vez’”.
Cortázar em Lisboa
Em Lisboa, o Ano Cortázar começa a ser assinalado quarta-feira, no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, precisamente com uma leitura de fragmentos de O Perseguidor por José Rui Martins e temas de Charlie Parker (a quem o escritor, apaixonado pelo jazz, dedicou o conto) interpretados pelo quarteto de Carlos Martins (com Alexandre Frazão, Mário Delgado e Carlos Barreto). É a primeira de uma série de iniciativas conjuntas da Casa da América Latina e da Fundação José Saramago que incluem colóquios, leitura-maratona de Rayuela (romance “diabolicamente esotérico e complicado”, na definição de Salman Rushdie) e uma edição especial da revista Blimunda.
Falando de edições, a Cavalo de Ferro, que o ano passado reeditou Rayuela, tem previsto lançar as traduções portuguesas de Gostamos Tanto da Glenda em Março, Armas Secretas e Final do Jogo em Junho e Bestiário e Todos os Fogos o Fogo em Outubro. Gostamos Tanto da Glenda, Armas Secretas e Final do Jogo são publicados pela primeira vez em Portugal. Deles, diz Goloboff: “Na obra contista não arrisco a dar mais importância a um livro que a outro, todos me parecem igualmente importantes, porque essa obra é de um nível sempre muito alto e similar e nesses três livros há contos antológicos, como os que dão título aos livros. A que se somam, entre outros, Continuidad de los Parques, Axolotl, Cartas de Mamá, La Noche Boca Arriba, Las Babas del Diablo e o mesmíssimo O Perseguidor”.
É, aliás, através dos contos que Goloboff recomenda entrar no universo cortázariano: “Para que uma nova geração se venha a apaixonar pela obra de Cortázar, terá que começar, parece-me a mim, como o fizemos nós, pelos seus contos”. O escritor que gostava de jazz e de boxe aperfeiçoou tanto a técnica do conto que chegou a escrever, numa carta a Jean Barnabé, em 1959: “Se hoje continuasse a escrever contos fantásticos sentir-me-ia um perfeito estafador; modéstia à parte, sinto que já me sai demasiado fácil, je tiens le système, como dizia Rimbaud.”
Daí que se tivesse lançado de cabeça na construção de Rayuela, “uma espécie de resumo de muitos desejos, de muitas noções, de muitas esperanças e, também, porque não, de muitos fracassos”, como escreveu noutra carta a Barnabé. O livro é feito de uma narrativa tão fragmentada como a própria vida e dá-se a tantas leituras quanto leitores e, às vezes, mais. Cortázar estilhaçou a escrita numa busca de ir mais além na compreensão do real – procurou “acabar com os sistemas e as relojoarias” e participar “na raiz que prescinde de ordens e sistemas”, renunciando ao mundo estético “para entrar num mundo poético”.
A viúva Aurora Bernárdez e Carles Álvarez Garriga procuraram seguir essa ideia no álbum biográfico Cortázar de la A a la Z que a editora Alfaguara publicou na semana passada em Espanha e na América Latina, percurso fragmentado da vida e obra do escritor através de fotografias e textos em jeito de dicionário temático. (Já agora, a mesma Alfaguara vai reeditar até Julho 40 títulos de Cortázar, culminando com uma edição ilustrada de Historias de Cronopios y de famas.)
Percurso biográfico-literário que para Goloboff se resume em pequenas pinceladas marcantes: “Perda precoce do pai, vida e educação entre mulheres, doenças infantis e adolescentes, os problemas de linguagem, os assuntos políticos e sociais, a sua busca de uma modalidade fantástica da literatura não separada da realidade”. A tudo isto junta-se ainda uma característica marcante que nem mais de 30 anos de residência em Paris modificou: “Cortázar é um produto mais ou menos típico e muito autêntico da história e da cultura na Argentina: imigratória, plurinacional, pluricultural, pluriclassista”. A sua formação “marcou-o definitivamente e, além disso, o que não é pouca coisa para um escritor, levou” da Argentina “o exercício e a prática textual de uma língua muito característica (o espanhol argentino e, mais precisamente, rioplatense), que, certamente, trabalhou e enriqueceu e também modificou nos seus textos”, acrescenta Goloboff.
Cortázar por Buenos Aires, Buenos Aires por Cortázar, de Diego Tomasi, editado estes dias pela Seix Barral, é um reflexo dessa relação umbilical entre escritor e cidade, uma investigação literária dos rastos que Buenos Aires deixou na narrativa cortazariana e das marcas que o escritor estampou na paisagem bonaerense. São cerca de seis mil dias em Buenos Aires, desde a chegada de Cortázar ao bairro de Banfield aos quatros anos até à última viagem em 1983, depois da morte da mulher, Carol Dunlop, em Paris. Numa entrevista de 1983, citada por Tomasi no livro, Cortázar definia-se assim, de forma simples: “Sou um porteño perfeito, não podia escrever sobre outra coisa.”
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Neste ano de redondas datas – que já vem de Julho, com os 50 anos da publicação de Rayuela, passa na quarta-feira pelo assinalar dos 30 anos da morte e culmina a 26 de Agosto com o centenário do nascimento –, não faltarão os programas de homenagem em torno da vida e obra de Julio Cortázar. Argentina, França, Espanha, México, Cuba, Nicarágua, até Portugal, vão lembrar o autor de Bestiário.
Buenos Aires-Paris será o eixo fundamental das comemorações: a capital argentina por ser a sua cidade (apesar de nascido acidentalmente em Bruxelas, onde o pai era funcionário consular); a capital francesa para onde foi em 1951 e viveu até morrer em 1984. O Salão Literário de Paris, que se realiza de 21 a 24 de Março, terá a Argentina como convidada de honra e Cortázar estará no centro das actividades com um espaço de homenagem com fotografias inéditas do escritor da autoria de Sara Facio.
O escritor argentino mantém-se popular três décadas depois da morte, embora não seja caso para ficar de braços cruzados, afirma o seu biógrafo, Mario Goloboff. “Sempre há mais por fazer: difusão nas escolas e colégios, ensino na universidade, encontros e seminários de investigação, publicações diversas, jornalismo cultural, traduções, reedições, edições críticas”. Porque, por mais que haja muita coisa dita, escrita e publicada sobre o autor de Histórias de Cronópios e de Famas, ainda há muito por dizer: “Num grande escritor como Julio Cortázar há sempre coisas a descobrir em novas leituras; cada aproximação a Rayuela acrescenta dados e conhecimentos sobre a sua génese, a sua textura, a sua conformação. Que se propôs fazer? Por que se propôs fazê-lo? Conseguiu-o? Afinal o que foi que fez? Acho que o mesmo acontece com os seus outros romances, com os seus livros que misturam géneros e, sem dúvida, com os seus mais famosos contos.”
Surrealismo e política
A biografia escrita por Goloboff, editada pela primeira vez em 1998 e reeditada em 2011, vai ter nova edição este ano na Argentina (Ediciones Continente) e em Cuba (Arte y Literatura), estando previstas para sair ainda em 2014 uma tradução em inglês e outra em grego. “Até agora os editores preferiram publicá-la tal como na primeira edição, com leves correcções, embora lhes tenha oferecidos novos trabalhos que fui escrevendo sobre as relações de Cortázar com o objecto livro, com os problemas do ritmo literário e da leitura, com outras práticas estéticas”, explica o professor de Literatura Argentina da Universidade Nacional de La Plata, antigo docente nas universidades de Toulouse, Paris X, Nanterre e Reims.
Goloboff continua “a reflectir sobre a grande adscrição” de Cortázar ao surrealismo, sobre “as suas polémicas estéticas e literárias” e sobre a dimensão política de um autor que não sendo um escritor político meteu-se na política, fez declarações políticas, defendeu publicamente as revoluções cubana e sandinista na Nicarágua e usou a sua popularidade literária para apoiar a luta dos povos latino-americanos. Ainda em Novembro, o governo argentino encontrou uma lista negra de artistas considerados subversivos pela ditadura militar argentina (1976-1983) e lá constava o nome de Julio Cortázar.
O escritor colombiano Pablo Montoya, num ensaio sobre a relação do escritor argentino com a luta cubana, escreveu assim: “Cortázar seguiu, na sua ascensão particular em direcção aos outros, um processo iniciado com o surrealismo e o jazz, que haveria de desembocar no seio candente da família revolucionária latino-americana”.
Essa dimensão política do escritor e da sua obra está presente neste Ano Cortázar. Tal como Goloboff, o nicaraguense Sergio Ramírez será um dos intervenientes no Encontro Internacional dedicado ao escritor centenário que se realizará em Agosto na Biblioteca Nacional argentina, em Buenos Aires, e juntará escritores e críticos da América Latina, Espanha, Itália e Estados Unidos: “Cortázar, o desterrado, tornou-se no autor que liam os revolucionários clandestinos nas catacumbas, porque expunha as maneiras de não ser, perante as maneiras sem-vergonha de ser que ofereciam sociedades como as da América Latina, onde não bastava abolir as injustiças, era preciso procurar novas formas de conduta pessoal. Que foi o que quis fazer a revolução sandinista, por ser uma revolução juvenil”, escreveu Ramirez em El Evangelio según Cortázar.
“Sobre um fundo permanente de preocupações sociais e políticas, creio que as suas vivências na Paris da década de 50 influíram decisavamente na assunção de um mito poético-político como o da Revolução Cubana e o socialismo”, explica Goloboff, algo que se vê “reflectido em alguns dos seus textos da época e especialmente na nouvelle O Perseguidor, em que ele mesmo diz que ‘começou a olhar o próximo pela primeira vez’”.
Cortázar em Lisboa
Em Lisboa, o Ano Cortázar começa a ser assinalado quarta-feira, no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, precisamente com uma leitura de fragmentos de O Perseguidor por José Rui Martins e temas de Charlie Parker (a quem o escritor, apaixonado pelo jazz, dedicou o conto) interpretados pelo quarteto de Carlos Martins (com Alexandre Frazão, Mário Delgado e Carlos Barreto). É a primeira de uma série de iniciativas conjuntas da Casa da América Latina e da Fundação José Saramago que incluem colóquios, leitura-maratona de Rayuela (romance “diabolicamente esotérico e complicado”, na definição de Salman Rushdie) e uma edição especial da revista Blimunda.
Falando de edições, a Cavalo de Ferro, que o ano passado reeditou Rayuela, tem previsto lançar as traduções portuguesas de Gostamos Tanto da Glenda em Março, Armas Secretas e Final do Jogo em Junho e Bestiário e Todos os Fogos o Fogo em Outubro. Gostamos Tanto da Glenda, Armas Secretas e Final do Jogo são publicados pela primeira vez em Portugal. Deles, diz Goloboff: “Na obra contista não arrisco a dar mais importância a um livro que a outro, todos me parecem igualmente importantes, porque essa obra é de um nível sempre muito alto e similar e nesses três livros há contos antológicos, como os que dão título aos livros. A que se somam, entre outros, Continuidad de los Parques, Axolotl, Cartas de Mamá, La Noche Boca Arriba, Las Babas del Diablo e o mesmíssimo O Perseguidor”.
É, aliás, através dos contos que Goloboff recomenda entrar no universo cortázariano: “Para que uma nova geração se venha a apaixonar pela obra de Cortázar, terá que começar, parece-me a mim, como o fizemos nós, pelos seus contos”. O escritor que gostava de jazz e de boxe aperfeiçoou tanto a técnica do conto que chegou a escrever, numa carta a Jean Barnabé, em 1959: “Se hoje continuasse a escrever contos fantásticos sentir-me-ia um perfeito estafador; modéstia à parte, sinto que já me sai demasiado fácil, je tiens le système, como dizia Rimbaud.”
Daí que se tivesse lançado de cabeça na construção de Rayuela, “uma espécie de resumo de muitos desejos, de muitas noções, de muitas esperanças e, também, porque não, de muitos fracassos”, como escreveu noutra carta a Barnabé. O livro é feito de uma narrativa tão fragmentada como a própria vida e dá-se a tantas leituras quanto leitores e, às vezes, mais. Cortázar estilhaçou a escrita numa busca de ir mais além na compreensão do real – procurou “acabar com os sistemas e as relojoarias” e participar “na raiz que prescinde de ordens e sistemas”, renunciando ao mundo estético “para entrar num mundo poético”.
A viúva Aurora Bernárdez e Carles Álvarez Garriga procuraram seguir essa ideia no álbum biográfico Cortázar de la A a la Z que a editora Alfaguara publicou na semana passada em Espanha e na América Latina, percurso fragmentado da vida e obra do escritor através de fotografias e textos em jeito de dicionário temático. (Já agora, a mesma Alfaguara vai reeditar até Julho 40 títulos de Cortázar, culminando com uma edição ilustrada de Historias de Cronopios y de famas.)
Percurso biográfico-literário que para Goloboff se resume em pequenas pinceladas marcantes: “Perda precoce do pai, vida e educação entre mulheres, doenças infantis e adolescentes, os problemas de linguagem, os assuntos políticos e sociais, a sua busca de uma modalidade fantástica da literatura não separada da realidade”. A tudo isto junta-se ainda uma característica marcante que nem mais de 30 anos de residência em Paris modificou: “Cortázar é um produto mais ou menos típico e muito autêntico da história e da cultura na Argentina: imigratória, plurinacional, pluricultural, pluriclassista”. A sua formação “marcou-o definitivamente e, além disso, o que não é pouca coisa para um escritor, levou” da Argentina “o exercício e a prática textual de uma língua muito característica (o espanhol argentino e, mais precisamente, rioplatense), que, certamente, trabalhou e enriqueceu e também modificou nos seus textos”, acrescenta Goloboff.
Cortázar por Buenos Aires, Buenos Aires por Cortázar, de Diego Tomasi, editado estes dias pela Seix Barral, é um reflexo dessa relação umbilical entre escritor e cidade, uma investigação literária dos rastos que Buenos Aires deixou na narrativa cortazariana e das marcas que o escritor estampou na paisagem bonaerense. São cerca de seis mil dias em Buenos Aires, desde a chegada de Cortázar ao bairro de Banfield aos quatros anos até à última viagem em 1983, depois da morte da mulher, Carol Dunlop, em Paris. Numa entrevista de 1983, citada por Tomasi no livro, Cortázar definia-se assim, de forma simples: “Sou um porteño perfeito, não podia escrever sobre outra coisa.”