Faculdade de Belas-Artes fecha portas contra "a deslealdade" do Governo

O director da escola diz que havia negociações em curso para a ocupação de parte dos espaços do Convento de S. Francisco e que foi surpreendido pelo anúncio da cedência ao Museu do Chiado. O Ministério das Finanças já veio dizer que ainda há espaço disponível.

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Os estudantes de Belas-Artes improvisaram esta tarde uma sala de aula a céu aberto, alertando para a falta de espaço na faculdade Oxana Ianin

Na origem da indignação do director da faculdade está não só a cedência, em si, mas também “a forma desleal, secreta”, como alegadamente foi preparado o protocolo entre os representantes do Governo, assinado esta quarta-feira.

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Na origem da indignação do director da faculdade está não só a cedência, em si, mas também “a forma desleal, secreta”, como alegadamente foi preparado o protocolo entre os representantes do Governo, assinado esta quarta-feira.

Segundo disse ao PÚBLICO, após “uma fase de negociações intensas, que culminou com um acerto quanto à divisão de espaços do convento anteriormente ocupados pela Polícia de Segurança Pública e pelo Governo Civil, no Verão”, "todos os pedidos de informação dirigidos pela direcção da faculdade aos responsáveis do Governo ficaram sem resposta". “Até que na quarta-feira sou surpreendido pela notícia do PÚBLICO – é inaceitável”, protestou Luís Jorge Gonçalves.

Em reacção às críticas, a Secretaria de Estado da Cultura defendeu, através do gabinete de imprensa, que “a ampliação da área ocupada” no convento pelo museu “em nada prejudica as pretensões da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, antes responde a uma expectativa de décadas da área da cultura”. Contudo, escusou-se a prestar quaisquer outros esclarecimentos.

Mais tarde o Ministério das Finanças esclareceu, em resposta a questões colocadas pelo PÚBLICO, que "o espaço que a Faculdade de Belas-Artes pretenderá para alargar as suas instalações continua devoluto" e que "o Ministério das Finanças não tem nenhum plano para a sua ocupação". "Caberá à faculdade contactar o ministério para o necessário diálogo, caso pretenda efectivamente aquele espaço", refere o gabinete de imprensa através da mensagem electrónica em que recorda que o ministro da Administração Interna referiu no decorrer da cerimónia de assinatura do protocolo que "restavam 5 mil metros quadrados disponíveis".

O director da Faculdade de Belas-Artes saudou, em declarações ao PÚBLICO, "a abertura do Ministério das Finanças que, segundo disse, contactará "de imediato". Frisou, no entanto, estar "surpreendido por, após várias reuniões com representantes dos dois ministérios e da Secretaria de Estado da Cultura ainda subsistirem dúvidas de que a faculdade pretende e necessita efectivamente daquele espaço". "Também estranho que até agora as reuniões tenham sido sempre convocadas pelo Ministério da Administração Interna e que aparentemente as negociações que sempre foram feitas em conjunto tenham decorrido, a partir de algum momento, apenas com a direcção do Museu do Chiado, deixando-nos para trás", prosseguiu Luís Jorge Gonçalves. Frisou, contudo, que "o importante é resolver o problema" e que, "pelos vistos, o protesto", na faculdade, "teve o efeito desejado".

Na manhã desta quinta-feira, o director já havia dito querer acreditar que, “apesar de tudo", estava "a lidar com pessoas de bem” e que seria "possível garantir ainda a cedência de espaço para a expansão da Faculdade de Belas-Artes" que considerou "essencial ao seu funcionamento".

"Trazemos dois mil alunos diariamente ao centro de Lisboa, promovemos exposições, congressos e poderemos fazer ainda mais", justificou, sublinhando que a ocupação do novo espaço "também é necessária por razões de segurança, já que neste momento o [actual] edifício conta com apenas uma saída de emergência".

"Não há espaço nas salas"

À tarde, pelas 15h, a hora marcada para uma manifestação de protesto, aglomeravam-se cerca de 300 pessoas no largo da faculdade. Nas paredes, uma faixa negra e dois cartazes: “Cultura contra cultura, não!” “Museu à grande, alunos confinados.” No largo, cadeiras e estiradores dispostos qual sala de aula a céu aberto, simbolizando as dificuldades com que se deparam as Belas-Artes em Lisboa (e o aguaceiro que se abateu sobre a “aula” fictícia como que serviu de demonstração não programada da precariedade em que estudantes e professores dizem viver).

“Não há espaço nas salas”, resume ao PÚBLICO Alexandre Silva, 24 anos, estudante na faculdade. “Somos criativos e conseguimos ir arranjando soluções, mas é difícil.” Cândida Ruivo, ex-aluna e há 13 anos ali professora de Design de Comunicação, aponta o mesmo problema. “Ficamos todos uns em cima dos outros. Tenho 60 alunos em salas preparadas para 48.”

Alunos e professores esperavam que o problema crónico da falta de espaço para o desenvolvimento do ensino e aprendizagem nas condições ideais pudesse ser resolvido com o protocolo que vinha a ser negociado. A notícia de quarta-feira de exclusão da FBAUL do mesmo e a forma como o processo foi conduzido são criticadas. Alexandre Silva conjecturava: “Ter-se-á pensado na perspectiva do turismo, agora que Lisboa está na moda.” Sobrepôs-se ao interesse da faculdade a questão financeira, aponta. Do ponto de vista dos decisores,“a faculdade é só mais uma”.

Todos os interpelados pelo PÚBLICO vêem como positiva a expansão do Museu do Chiado. Critica-se, porém, a falta de visão de o fazer à custa das Belas-Artes. Um erro, afirma Cândida Ruivo. “Estes estudantes trabalham para a multiplicação da cultura, porque serão eles os artistas e professores do futuro, serão eles os criadores de gosto do futuro.”

Pouco depois, no auditório repleto da faculdade, o director, Luís Jorge Gonçalves, dava conta dos novos desenvolvimentos. O Ministério das Finanças afirmava que haveria afinal espaço disponível para as Belas-Artes, e a Secretaria de Estado do Ensino Superior convocara-o para uma reunião no final da tarde desta quinta-feira. “No momento em que saibamos que temos aquele espaço, vamos imediatamente ocupar aquele espaço. E fazer uma exposição para mostrar à cidade de Lisboa o que somos”, declarou Luís Jorge Gonçalves perante os aplausos no auditório.

Na terça-feira, em declarações ao PÚBLICO, o actual secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, disse querer garantir (com o protocolo que iria assinar com os seus colegas dos ministérios das Finanças e Administração Interna) a ampliação do Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC) – Museu do Chiado. Adiantou, nomeadamente, que o museu vai ocupar novos espaços em vários andares do edifício do convento, ganhando 3300 metros quadrados e uma “entrada monumental” com uma grande escadaria, a que anteriormente pertencia ao Governo Civil, ali bem próxima do largo do Teatro Nacional de S. Carlos.

“Não é só espaço que o museu vai ganhar, mas uma outra relação com a cidade através da entrada nobre”, disse Barreto Xavier. “Vamos finalmente ter um Museu do Chiado com a dimensão que ele precisa para trabalhar”, dando-lhe a “visibilidade que merece como museu nacional que é”, sublinhou.

Reunião no MEC

O Ministério da Educação e Ciência, num comunicado enviado à Lusa, considerou "inaceitável" o encerramento da faculdade, porque prejudica os alunos e o normal funcionamento da escola, "para além de ser uma forma injustificada de pressão". E convocou o director da Faculdade de Belas-Artes para uma reunião com o secretário de Estado do Ensino Superior, José Ferreira Gomes.

No final, Luís Jorge Gonçalves falou à Lusa. "É intenção da tutela resolver o mais rapidamente possível esta questão, até porque é uma questão fácil de resolver, e que permita à faculdade prestar ainda um melhor ensino", disse.

"Ou seja, o que está em cima da mesa é ver em que estado está o protocolo e, portanto, se não há interferência no espaço da faculdade. De facto é devolver espaço à faculdade, para que a faculdade lhe possa dar um uso normal", acrescentou.

Luís Jorge Gonçalves indicou ainda que a "faculdade estará aberta" na sexta-feira "em funcionamento normal efectivo".

Notícia actualizada às 00h00