O antes e o depois do Facebook
Antes o Big Brother vigiava-nos, agora somos uma imensa comunidade de Little Brothers a vigiar-se uns aos outros. A privacidade era reduto de familiares e amigos chegados, agora é difusa. Existia a ilusão de que tínhamos controlo absoluto sobre a privacidade, agora percebemos que nunca iremos ter essa garantia e que a única hipótese é ter bom senso, definir o grau de exposição e assumir que o Facebook é espaço público.
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Antes o Big Brother vigiava-nos, agora somos uma imensa comunidade de Little Brothers a vigiar-se uns aos outros. A privacidade era reduto de familiares e amigos chegados, agora é difusa. Existia a ilusão de que tínhamos controlo absoluto sobre a privacidade, agora percebemos que nunca iremos ter essa garantia e que a única hipótese é ter bom senso, definir o grau de exposição e assumir que o Facebook é espaço público.
Tínhamos alguns grandes amigos e mais um grupo alargado de conhecidos, agora temos também imensos contactos. Tendíamos a pensar na amizade enquanto laço desinteressado, agora sobrepõe-se um outro tipo de vínculo utilitarista, que pode originar uma colaboração não regular. Na amizade clássica a relação é recíproca. No Facebook não necessariamente.
Deixávamos as pequenas histórias do quotidiano na gaveta, agora preocupamo-nos em partilhar histórias e emoções particulares. Passeávamos todos os dias o cão no bairro, agora mostramo-lo com orgulho aos vizinhos do bairro através das fotos no mural. Perguntávamos ao vizinho do lado o que anda a fazer a vizinha do outro lado, agora julgamos saber todos os passos da sua vida.
Regulávamos a nossa relação com o medo dizendo aos filhos para não aceitarem nada dos estranhos nas ruas, agora dizemos-lhes para terem cuidado no Facebook, embora no mundo conectado de hoje só nos reste aprender a lidar com essa realidade.
Os nerds eram gozados e tinham óculos de massa grossa, agora são paradigma de sucesso, produzindo novas formas de vida social. Distinguíamos “espaço virtual” de “espaço real”, agora existimos numa realidade mista, com a vida diária a desenvolver-se numa contínua justaposição de espaços reais e digitais.
Acreditávamos que estávamos sempre em contacto com os amigos mais selectivos, agora achamos que não, embora exista uma lógica de reforço das relações, e não de substituição. Achávamos que conduzir duas horas para ver alguém cara a cara era sinal de amizade profunda, agora percebemos que duas horas de comunicação online com alguém que precisa de nós pode fazer mais por uma amizade do que duas horas no trânsito.
As separações eram provocadas pela Yoko Ono, agora o Facebook é acusado de facilitar demais os relacionamentos amorosos, embora se tenha intensificado a autocensura, os mecanismos de vigilância colectiva e a ilicitude dos encontros seja dificultada. Procurávamos freneticamente nos bolsos do casaco do parceiro provas de infidelidade, agora buscamos duplas leituras sobre os comentários dos nossos parceiros nos murais alheios.
Construíamos elaborados planos mentais para sacar o número de telefone da menina do bar, agora enviamos-lhes um pedido de amizade, de preferência, com um smiley no final.
Acreditávamos que as revoluções eram feitas pelas pessoas, as suas ideias e a sua energia, agora adicionamos-lhe o factor Facebook, que pode potenciar a coordenação e ampliar o raio de acção, mas não substitui o real, quando muito sobrepõe-se-lhe.
Existiam produtores e difusores de informação, agora comunicar tornou-se no novo entretenimento de todos. Íamos ao café da esquina para comentar os temas do momento, agora todos os dias o Facebook reflecte e, ao mesmo tempo, engendra temas de actualidade para todos analisarem. Tendíamos a pensar que passávamos demasiado tempo passivamente em frente à TV, agora excedemos o tempo a debater o assunto no Facebook.
Os pais esperavam os filhos às portas das discotecas para ver com quem andavam, agora enviam-lhes pedidos de amizade, seguindo as suas conversas e vendo o que publicam.
Antes confundíamos o meio com as práticas, e agora continuamos a fazê-lo. Reproduzíamos offline bolhas sociais, culturais e ideológicas e agora continuamos a concebê-las online.
No início do Facebook pensávamos que éramos clientes de um interface que nos prestava um serviço gratuito, agora percebemos que operamos numa empresa porque existimos nós, o produto.
Ontem como hoje a opção é tentar compreender onde nos situamos, é não recear o que não se conhece na totalidade, é ver as fragilidades mas também as muitas potencialidades. Dez anos não são nada. O Facebook continua a ser um laboratório do qual não sabemos tanto quanto imaginamos que sabemos.