Christie's cancela leilão da colecção Miró

Leiloeira justifica decisão com “incertezas legais” criadas por processo judicial que autorizou venda das 85 obras do pintor catalão.

Fotogaleria

"A venda da colecção dos 85 trabalhos de Joan Miró foi cancelada como resultado da disputa no tribunal português, do qual a Christie’s não é parte interessada”, escreve Matthew Paton, director de comunicação da leiloeira, no comunicado enviado ao PÚBLICO, explicando que, apesar de o tribunal não ter impedido a venda desta noite, “as incertezas legais criadas por esta disputada significam que não somos capazes de oferecer com segurança estes trabalhos para venda”.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

"A venda da colecção dos 85 trabalhos de Joan Miró foi cancelada como resultado da disputa no tribunal português, do qual a Christie’s não é parte interessada”, escreve Matthew Paton, director de comunicação da leiloeira, no comunicado enviado ao PÚBLICO, explicando que, apesar de o tribunal não ter impedido a venda desta noite, “as incertezas legais criadas por esta disputada significam que não somos capazes de oferecer com segurança estes trabalhos para venda”.

Na mesma nota, Matthew Paton explica que a Christie’s “tem a responsabilidade” de oferecer aos seus clientes as condições máximas de segurança nas transacções, o que significa que tanto a leiloeira como os interessados em comprar as obras “têm de ter a certeza legal que as podem transferir sem problema”.

“Uma vez que a decisão do tribunal questiona isto nesta altura, a Christie’s é obrigada a retirar as obras da venda”, escreve ainda o responsável da leiloeira, esperando que “as partes nesta disputa consigam resolver as suas diferenças no devido tempo”.

O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa decidiu esta terça-feira de manhã que o leilão, marcado desde Novembro de 2013, se poderia realizar, admitindo no entanto que parte dos procedimentos legais a que a Lei de Bases do Património Cultural obriga não tinham sido cumpridos. As obras viajaram inclusive ilegalmente para Londres, onde estão expostas, não tendo nunca a Direcção-Geral do Património Cultural autorizado a sua saída. São estas as questões legais levantas nestes últimos dois dias que levaram a que a leiloeira retirasse as obras.

Lê-se no acórdão do tribunal que a “expedição das obras é manifestamente ilegal”, não sendo “necessário argumentação sofisticada para concluir que a realização do leilão pela leiloeira Christie's das obras de Joan Miró comprometeria gravemente o cumprimento dos deveres impostos" pela Lei de Bases do Património "e reduziria a nada a concretização dos deveres de protecção do património cultural".

O que o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, retira deste acordão é que "a venda foi considerada aceitável", escusando-se a responder aos jornalistas que convocou ao Palácio da Ajuda, sobre a "ilicititude" do despacho assinado por si, de 31/01/2014 e que "declara extintos os procedimentos administrativos de autorização de expedição das obras". "Não consigo perceber bem o que é o tribunal quer dizer quando aquilo que fiz em termos de decisão foi, considerando que poderia de facto haver ilegalidades no modo como decorreu a expedição das obras, pedir à Direcção-Geral do Património Cultural para avançarem com um procedimento contra-ordenacional em relação às entidades que o fizeram", explicou Barreto Xavier. "É poder ou competência do secretário de Estado da Cultura determinar sobre um assunto que não é da sua competência?"

O Estado esperava arrecadar com esta venda cerca de 35 milhões de euros, segundo a avaliação da leiloeira. No entanto, como é habitual nestas situações, no contrato celebrado entre a Christie’s e a Parvalorem e Parups, sociedades criadas no âmbito do Ministério das Finanças para recuperar créditos do BPN e que são proprietárias das obras, existe uma cláusula que pressupõe o pagamento de uma indemnização caso o leilão não aconteça. Não sendo conhecido este contrato, lê-se no acórdão do tribunal que neste caso "a Parvalorem, S.A. por força do contrato celebrado, constituir-se-á na obrigação de indemnizar a Christie’s em montante cujo valor se situará entre os 4,7 milhões e os 5 milhões de euros”. Uma vez que foi a própria leiloeira a cancelar o leilão não se sabe se esta cláusula se aplicará.

Depois de conhecida esta decisão da leiloeira, o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, voltou a reiterar que manter a colecção Miró em Portugal "não é uma prioridade", sendo mais importante "minorar a dívida do BPN". Aos jornalistas, no Palácio da Ajuda, Barreto Xavier explicou ainda que se estas obras não forem alienadas, como incialmente previsto, "no contexto dos problemas" que nacionalização [do BPN] trouxe, será preciso que "o dinheiro venha de mais algum sítio". "Eu calculo que os portugueses não queiram que vamos buscar 35/40 milhões de euros a um outro sítio. À saúde? À educação?", acrescentou o secretário de Estado, não afastando a hipótese de um novo leilão. A decisão, no entanto, terá de ser tomada pela Parvalorem, que até agora não respondeu às perguntas do PÚBLICO.