A morte de um desconhecido
O choque que se recebe ao ler a primeira notícia é indescritível. O baque de se achar que se leu mal um nome — “o Hoffman?! Impossível!” Mas não, é mesmo ele
Fiquei chocado com a morte de Philip Seymour Hoffman. Tanto quanto qualquer amante de cinema, muito provavelmente. Não deixa de me fascinar, ainda assim, a capacidade que temos de lamentar a morte de um famoso como se fosse um familiar ou um amigo relativamente próximo.
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Fiquei chocado com a morte de Philip Seymour Hoffman. Tanto quanto qualquer amante de cinema, muito provavelmente. Não deixa de me fascinar, ainda assim, a capacidade que temos de lamentar a morte de um famoso como se fosse um familiar ou um amigo relativamente próximo.
Não estou certo do primeiro filme que vi no qual pude admirar as capacidades de Hoffman. Lembro-me — isso sim — da primeira interpretação que me arrebatou. “Capote” é daqueles filmes que nos faz crer que aqueles que morreram há muito podem ser ressuscitados. Hoffman ressuscitou Truman Capote. Por isso mesmo, apaixonei-me pelo seu trabalho.
Além de “Capote”, muitos outros. “The Master”, “Moneyball”, “Nos Idos de Março”, “Jogos de Poder”, “Antes que o Diabo Saiba que Morreste”, “Almost Famous”, “Magnolia”, “O Talentoso Mr. Ripley”. A lista é longa, mas demasiado curta para quem ainda tinha apenas 46 anos.
O choque que se recebe ao ler a primeira notícia é indescritível. O baque de se achar que se leu mal um nome — “o Hoffman?! Impossível!” Mas não, é mesmo ele. Esperamos que seja mais um daqueles boatos da Internet, mas a esperança é vã. Mais e mais notícias que confirmam o desaparecimento. Outras adiantam também que foi a droga — o estupor da droga —, saibamos embora que muito se fala em épocas de turbilhão.
E depois, as reacções. As daqueles que conheciam pessoalmente a pessoa e o actor. Mas — aquelas que mais admiro —as dos que nunca o viram a não ser numa tela ou num televisor. É impressionante esta capacidade humana de amar e idolatrar à distância, de admirar as qualidades de um homem ainda que nunca tenhamos tido o privilégio de com ele privar. Sou um desses, sem receios de o admitir.
Estou escandalizado com a ladroagem que a morte sobre nós opera. Rouba-nos os melhores. Roubou-nos o Hoffman, como já havia roubado o Gandolfini ou o Michael Clarke Duncan. Sou e serei sempre um desses que se comovem com a morte de um artista. Se for um enorme artista, tanto maior será a comoção.
O lado bom de tudo isto é que temos as películas, que salvam a obra dos maiores. Temos os 63 trabalhos onde entrou Philip Seymour Hoffman , além das memórias que guardam aqueles que com ele trabalharam. O lado mau de tudo isto é que perdemos a genialidade de alguém que, com 46 anos, ainda nem sequer a meio da carreira havia chegado. E nós, aqui deste lado, sobramos paupérrimos, castrados de um grande talento que morava pertinho, no continente mais próximo.
Se do lado de lá da vida houver um palco, conto encontrar o Hoffman a assoberbar-nos com uma nova interpretação. Até lá, nós, os desconhecidos, continuarem a rejubilar com as obras que nos ofereceu ao longo de uma talentosa vida. Seja lá o que isso for, tens um aplauso de pé. Até já, Philip.