Soares Carneiro
Conheci o general Soares Carneiro num almoço discreto em 1980. Duas coisas ficaram logo claras. Primeira, que se tratava de um homem inteligente, sereno e bem-educado. Segunda, que não tinha nada de político e não faria um bom candidato. Foi isso mesmo que eu disse ao primeiro-ministro e a meia dúzia de amigos comuns. Mas Sá Carneiro queria meter a tropa nos quartéis o mais depressa possível, acabar com o Conselho da Revolução (uma espécie tosca de Tribunal Constitucional) e pôr fim à sua própria dependência política de Eanes. Soares Carneiro parecia o homem indicado para esta revolução.
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Conheci o general Soares Carneiro num almoço discreto em 1980. Duas coisas ficaram logo claras. Primeira, que se tratava de um homem inteligente, sereno e bem-educado. Segunda, que não tinha nada de político e não faria um bom candidato. Foi isso mesmo que eu disse ao primeiro-ministro e a meia dúzia de amigos comuns. Mas Sá Carneiro queria meter a tropa nos quartéis o mais depressa possível, acabar com o Conselho da Revolução (uma espécie tosca de Tribunal Constitucional) e pôr fim à sua própria dependência política de Eanes. Soares Carneiro parecia o homem indicado para esta revolução.
Para seu mal, o general não trouxe para a comissão política da candidatura gente da sua confiança. Talvez não conhecesse civis com o prestígio necessário, e não queria com certeza aparecer ao país como o chefe de uma facção militar. Aceitou por isso as criaturas que lhe mandaram o CDS e o PSD, que mal se conheciam entre si, não compreendiam o sentido daquela aventura e só pensavam nas vantagens que ela eventualmente lhes traria. As sessões da comissão política eram um pandemónio; e logo se percebeu que parte dos seus membros trabalhava para a derrota de Soares Carneiro. Ele, para falar com franqueza, também não ajudava. Assistia à desordem estabelecida com uma extraordinária tolerância e nunca tentou impor a sua autoridade.
Isto sempre me intrigou, até perceber que ele se não sentia com o direito de mandar em civis, como presumivelmente mandava nos militares. A esquerda (ou seja, o PS e o PC) berrava a cada canto que ele era um embrião de ditador “fascista”, enquanto ele respeitava meticulosamente as mais simples normas da democracia, sem que ninguém desse por isso e menos se interessasse. Nos comícios, não permitiu que se criasse a gritaria do costume e falava devagar, sem uma única palavra demagógica. Quando perdeu, saiu da vida pública sem um lamento e sem uma ameaça. Uma vez em que por acaso nos vimos, não me disse nada sobre a campanha a que o tinham exposto. Nem sequer guardava um resquício de malícia contra os políticos da AD e afins, que o haviam levado a uma humilhação irresponsável e gratuita. Voltou ao exército, calado, e calado morreu.