Militares demonstram apoio a Ianukovich mas não é dos quartéis que pode vir a violência
Forças armadas apelam à tomada de “medidas de urgência” pelo Presidente. Oposição encontra-se com Kerry em Munique.
A possibilidade de instauração do estado de emergência na Ucrânia foi levantada pela primeira vez no início da semana. O edifício do ministério da Justiça tinha acabado de ser invadido por um grupo de manifestantes e a ministra Olena Lukash a acenar com essa perspectiva. A simples menção – posteriormente posta fora de causa pelo Executivo – fez soar os alarmes dentro e fora da Ucrânia e levou mesmo a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, a antecipar a sua viagem para Kiev.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A possibilidade de instauração do estado de emergência na Ucrânia foi levantada pela primeira vez no início da semana. O edifício do ministério da Justiça tinha acabado de ser invadido por um grupo de manifestantes e a ministra Olena Lukash a acenar com essa perspectiva. A simples menção – posteriormente posta fora de causa pelo Executivo – fez soar os alarmes dentro e fora da Ucrânia e levou mesmo a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, a antecipar a sua viagem para Kiev.
No comunicado de ontem, que surgiu depois de uma reunião entre o ministro da Defesa e a cúpula das forças armadas, não se menciona quais são as “medidas de urgência” que Ianukovich deve tomar, mas a ameaça da declaração de um estado de emergência foi lida nas entrelinhas. Os militares consideraram “inaceitável a tomada de assalto de edifícios públicos” e temem que a escalada da contestação “ameace a integridade territorial” do país.
O estado de emergência foi sempre afastado oficialmente pelos responsáveis ucranianos e seria um cenário que poderia isolar o próprio país e os seus eleitos em termos internacionais. Em Dezembro, o secretário da Defesa norte-americano, Chuck Hagel, obteve a garantia do ministro da Defesa ucraniano, Pavlo Lebedev, de que o exército não seria utilizado para conter os protestos, segundo a Bloomberg.
Aquilo que a declaração dos militares manifesta é a fidelidade e o apoio a Ianukovich, segundo o director do Instituto de Estratégias Mundiais de Kiev, Vadim Karassev. Contudo, “não significa que os manifestantes (…) venham a ser dispersados ou que o estado de emergência seja decretado”, afirma o especialista à AFP.
A imposição do estado de emergência daria, por exemplo, “a possibilidade de uso de meios extremos para desocupar os edifícios governamentais e dispersar manifestantes”, nota ao PÚBLICO a docente da Universidade de Coimbra, Raquel Freire. “No contexto actual e dadas as posições que as partes têm assumido, seria apenas uma sensação de regresso à normalidade” da repressão violenta, considera a investigadora.
O apoio dos militares pode não ter mais que um valor simbólico, uma vez que, as forças armadas “são relativamente mal treinadas e o seu equipamento é inadequado”, observa Susan Stewart, do Instituto Alemão para Questões Internacionais e de Segurança de Berlim, em declarações à Bloomberg. A fraqueza militar das forças ucranianas é resultado de duas décadas de baixo financiamento. Com um invejável contingente de 800 mil homens, em 1991, herdado da era soviética, hoje a Ucrânia conta com apenas cerca de 182 mil militares.
No entanto, não significa que não venha a existir uma nova escalada da repressão sobre as manifestações. Durante a semana, o Zerkalo Nedeli, um semanário de referência, noticiou um plano secreto do Governo para aumentar a força das Berkut e dos Grifon, as forças de elite anti-motim. A intenção seria passar dos cinco mil agentes actuais para 30 mil, algo que foi desmentido pelo ministro do Interior. Recorrer à violência “não é o cenário mais provável” para Ianukovich, afirma Susan Stewart, “mas não pode ser descartado se ele estiver desesperado e encurralado”.
O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, afirmou ontem, em Berlim, que o Presidente ucraniano ainda não fez as concessões necessárias para que uma solução seja alcançada. Kerry falava na véspera de um encontro em Munique com dois dos líderes da oposição a Ianukovich e também com a cantora e activista Ruslana.
O encontro de hoje já foi alvo de críticas por Moscovo, com o vice-primeiro-ministro russo, Dmitri Rogozin, a apelidá-lo de “circo”. “Porque não convidaram também o nazi [Oleg] Tiagnibok” questionou o responsável referindo-se ao líder do partido de extrema-direita Svoboda, e sugerindo ainda a Kerry que convide o conhecido travesti ucraniano Verka-Serduchka para o encontro.
O insucesso da via negocial está a deixar alguns grupos de manifestantes intranquilos e começam a ser evidentes as primeiras dissensões entre a oposição. Ontem, o líder do “Sector Direito” – um grupo paramilitar de extrema-direita – exigiu a libertação imediata dos manifestantes detidos. Caso contrário “os passos apropriados serão tomados para libertar estas pessoas e não serão utilizados apenas métodos constitucionais”, avisou Dmitro Iarosh, citado pela Reuters. O líder do grupo manifestou igualmente o desejo de participar directamente nas negociações.
Crucificado
Um dos activistas mais célebres das ruas de Kiev que estava desaparecido há uma semana surgiu ontem na televisão com o rosto coberto de hematomas e feridas nas mãos, dizendo ter sido sequestrado e torturado por homens com sotaque russo. “Eles crucificaram-me, pregaram-me as mãos. Cortaram-me na orelha e na cara. Não há um pedaço do meu corpo que esteja bem, mas graças a Deus estou vivo”, disse Dmitro Bulatov, antes de ser levado para um hospital de Kiev.
Bulatov, de 35 anos, é o líder do AutoMaidan, um grupo que se notabilizou pelas acções com automóveis que promovem desde o início dos protestos. Uma das iniciativas mais recorrentes são os longos cortejos de viaturas até às residências de políticos pró-Governo, incluindo o próprio Ianukovich.
Data de 22 de Janeiro a última actualização de Bulatov no Facebook: “Recebo cada vez mais ameaças. As trevas abatem-se, mas nós venceremos.” A mensagem foi premonitória. O rapto de Bulatov junta-se a outros casos que têm sido noticiados pela imprensa local e condenados a nível internacional.
Iuri Verbitski, outro activista da oposição, desapareceu um dia antes de Bulatov e foi encontrado morto dias depois, com as costelas partidas e com os braços amarrados. Segundo a rádio Free Europe, juntamente com Verbitski desapareceu um jornalista da oposição, Igor Lutsenko, que reapareceu no dia seguinte com um olho negro e sem um dente.
Referindo-se ao aparecimento de Bulatov, Catherine Ashton afirmou ontem que “actos deste tipo são inaceitáveis e devem ser impedidos imediatamente”. A Amnistia Internacional pediu a abertura de um inquérito ao caso de Bulatov e a condenação dos responsáveis. As Nações Unidas solicitaram, por seu turno, o lançamento de uma investigação sobre os desaparecimentos e os episódios de tortura que chegam a público. Os ataques a “dezenas” de jornalistas e pessoal médico foram condenados pela Human Rights Watch.