Indie pronto-a-vestir
Quando neste ano os críticos e jornalistas musicais se debruçarem sobre os novos discos de St. Vincent, Radiohead ou Real Estate é provável que se confrontem com a palavra “indie”. Se não aparecer nos textos, com uma categoria inevitável, atrapalhar-lhes-á, certamente, os pensamentos, qual termo omnipresente, naturalizado. Nos festivais prêt-à-porter (Mexefest), nos blogues, nas rádios ou na imprensa generalista. Até se for entendido como um estilo musical (exercício difícil, mas nem por isso inútil), a sua presença é incontestável. Basta ligar a televisão. Em suma, e admita-se a banalidade da revelação: o indie pop ou rock é (há muito) o mainstream. Mas o que significa de facto esta conclusão? E que história a precede?
Um livro como Late Century Dreams (Black Dog Publishing), editado em finais de 2013 por Thomas Howells, oferece algumas pistas ao reconstituir o aparecimento, o apogeu e o declínio das cenas musicais em que medraram os REM, os B-52s, os Pylon, os Butthole Surfers, os Superchunk, os Meat Puppets ou os Sun City Girls. Sim, identificar o aparecimento do indie exige um salto no passado, em particular na gesta do underground americano do início dos anos 1980, sem prejuízo de outros pioneiros ou latitudes.
O fantasma dos sixties
Comece-se pela arqueologia do termo. Para Michael Azerrad, jornalista americano, autor do incontornável Our Band Could Be Your Life (livro de 2001 que narra a história do underground americano), a origem de indie foi sobretudo fiscal: “Classificava música distribuída por distribuidoras independentes, não pelas grandes editoras. É daí que deriva o termo e também porque a música era feita com um espírito independente”, alega. “Essa é uma distinção importante, pois muitas bandas que escolheram esse caminho fizeram-no por razões políticas”. Tal escolha implicava trabalho árduo e por vezes solitário, sem as vantagens do apoio nas vendas, agendamento de concertos ou divulgação, mas em contrapartida garantia-se autonomia estética. Entre os finais dos anos 1970 e início da década seguinte, havia, tantos nos EUA, como na Inglaterra, uma assumpção, embora difusa, de que a música popular não tinha que se sujeitar à regras da indústria. Era como se influência do ambiente cultural dos sixties ainda se fizesse sentir, na forma de fantasma benigno ou de memória vaga mas preciosa. “Em termos históricos podemos estabelecer uma ligação com o underground dos finais dos anos 60 e o início dos anos 70. Com um mundo musical influenciado pela Guerra do Vietname, pelas lutas em defesa dos direitos civis, peloa descoberta e consumo de drogas. E essa ligação ainda se viu na no wave, no punk e em movimentos que surgiram depois”, afirma João Lisboa, crítico do Expresso. “Mas o termo em si mesmo não caracteriza um género musical. Está associado a formas de edição e distribuição, ao trabalho das editoras pequenas. Ou, também, a ‘cenas’ que não foram mais do que etiquetas inventadas pela indústria e nas quais os próprios músicos não se reviam. Refiro-mo, por exemplo, a Seattle, Madchester, ao som de Bristol”.
Michael Azerrad insiste, no entanto, na validade da designação. A categoria indie-rock descreverá música mais aventureira do que o mainstream e, eventualmente, produzida por jovens de classe-média. “Já não interessa se está numa grande editora ou não. Ainda pode ser indie-rock. Agora as bandas indie esgotam o Madison Square Guarden [em Nova Iorque]. É algo completamente diferente”.
Não se tenham dúvidas, é algo completamente diferente. Até o Rock in Rio Lisboa, que anunciou a vinda dos Arcade Fire, parece rendido. Uma dedução legítima diante deste cenário é a de que o indie rock (ou underground rock ou college rock ou o rock alternativo) se mercantilizou definitivamente. Isto é, mais do que uma forma artística, se consolidou como um produto. “Não concordo”, responde Azerrad. “A música indie foi sempre comprada e vendida, por isso foi sempre uma mercadoria. As editoras independentes sempre venderam música. Não a ofereciam”.
Cooperação e colaboração
Para muitos críticos e jornalistas culturais, nada de mais óbvio. Foi sempre assim e para todos os efeitos a música pop não precisa de dar justificações. Vive num mundo à parte. Alcançou a sua autonomia enquanto reproduz, num sorriso alarve, o discurso do neo-liberalismo. Mas a história vem desmentir esta asserção pueril e em particular a história do indie-rock americano contada em Our Band Could Your Be Your Life ou em Late Century Dreams. Leiam-se as páginas dedicadas aos Minutemen, aos Sonic Youth ou aos Fugazi ou as que destacam a cena musical de Athens. Nem tudo de reduz ao valor de troca, ao consumo, ao espectáculo como sublinha Paula Guerra, socióloga da Universidade do Porto: “O rock alternativo esteve associado a pequenas editoras orientadas por um amor descomprometido face à música, entendida como um fim em si mesmo, com projectos com liberdade criativa e libertos das grilhetas da economia. Valorizava-se uma autonomia artística através da vinculação dos músicos a entidades independentes emergentes do pós-punk. Resumindo, os músicos trocavam a curto prazo a segurança financeira por um sentimento de colaboração e cooperação”.
Colaboração e cooperação: a estes dois valores junta-se a noção romântica de artista e, por instantes, parece definido a categoria “indie”. Mas acrescente-se, cautelosamente, mais um: a aspereza ou a densidade do punk que pelo menos até 2000 ainda se ia escutando. Era ela que ligava o underground (em discos comoMurmur, Sister, Surfer Rosa, Slanted or Echanted, Bug ou Zen Arcade) conferindo uma marca estética que se foi diluído ou apagando. Quando, há dois anos, Dan Deacon, St, Vincent e músicos do Dirty Projectors tocaram versões de tema dos Big Black, Black Flag e Butthole Surfers foi esse desaparecimento que emularam. Permaneceu a tão propalada atitude DIY? Michael Azerrad acredita que sim e vai mais longe: “O grande feito do indie americano foi expandir dramaticamente o significado do punk. Nesse sentido, a essência do indie-rock não é o estilo de música. Essa é uma característica superficial. A problemática e muito mais ampla e profunda. No meu livro, destaco o modo como essas bandas abordaram a música, não o som. Descrevo os esforços, as estratégias, os meios que usaram para a continuar a fazer e divulgar. Nesse período, as grandes editoras ignoravam a música agressiva e ruidosa, apesar da sua originalidade, e por isso ela acabou nas pequenas editoras. Mas o que é importante salientar é a comunidade e o sistema que eles construíram e que as gerações seguintes herdaram”.
Contra e com esse processo, emerge uma tendência: o esvaziamento do termo indie. Hoje é possível encontrar uma adolescente que diz ser fã do género sem nunca ter ouvido uma canção dos Sonic Youth. Nem a Internet lhe vale. “Creio que [o indie] continua a existir e, sobretudo, enquanto factor de distinção, mas a crescente volatilidade e ânsia de produtos do capitalismo avançado corrói a aura do diferente”, sugere Paula Guerra. “Vivemos no imperativo paradoxal da busca da diferenciação. O acesso plural à música e a sua desmaterialização são aí determinantes. Por exemplo, a busca incessante do diferente leva a mesclas que cruzam uma pluralidade de sons e de estilos. Pode-se chamar a isto alternativo? Indie? Nunca como agora verificamos a banalização e o esgotamento destas categorias”.
Mainstream vs. underground
Faça-se agora ao desvio até ao cinema dito independente dos EUA. A sua história fez-se a par da narrativa do rock underground, revelando-se nos anos 1980 (com Jim Jarmusch) e ganhando na década seguinte uma mediatização inédita, com a afirmação de Hal Hartley, Richard Linkater, Kevin Smith, Todd Haynes, Gus Van Sant ou Quentin Tarantino. Pode-se até evocar a afinidade de alguns destes nomes com certas bandas e músicos, pois partilhavam interesses e ambientes comuns. Os Sonic Youth foram fundamentais no estabelecimento de laços e na introdução progressiva do indie-rock como banda sonora, imaginada ou concreta, de vários filmes. Mas as coincidências não acabam aqui. “O cinema e a música cruzam-se na atitude do DIY”, acrescenta Paula Guerra”. “Há a mesma utilização de pouco recursos, a não inserção em circuitos comerciais, neste caso sem o jugo das grandes produtoras. E por outro lado, a afirmação da vontade e autonomia do seu autor. Dentro da indústria cultural, são dois mundos que se juntam. Reproduzem as mesmas lutas entre ortodoxia e heterodoxia, entre underground e mainstream. A lógica e narrativa são as mesmas”.
Mas continua a fazer sentido evocar a existência de um underground e de um mainstream? A julgar pelo espectáculo sofrível que rodeou o lançamento de Reflektor, dos Arcade Fire, o debate não perdeu relevância. Já se tivermos em conta que a pop (e agora deixe-se cair o prefixo indie) há muito que saiu do palco dos grandes acontecimentos (está em todo lado e não está lado nenhum, tornou-se coisa fluída, magma transparente, perdeu peso, solidez), então a discussão caminha moribunda. “[A musica] já não provoca os choques de outrora”, lembra João Lisboa. “Essa capacidade de chocar, de provocar, acabou, pelo menos na sociedade ocidental porque se pensarmos na actividade das Pussy Riot na Rússia, a situação não é a mesma. Para mim são hoje o melhor exemplo desse lado político da música pop, desse lastro contra-cultural, mas curiosamente não por causa da música que fazem”. Para o crítico português, nem por isso o pop-rock perdeu originalidade ou riqueza estética. “E provável que a influência do punk se ouça menos, mas não podemos, nem creio que faça sentido, estar com revivalismos. Acho que a música vale por si mesmo, escutamo-la enquanto tal, sem mais expectativas. Por outro lado, os músicos têm actualmente mais meios do que tinham no passado, para compor e gravar. E, isto é muito curioso, muitos já são detentores de educação musical académica, formal, só que não fazem questão de exibir esse conhecimento, como faziam as bandas do rock progressivo. De alguma forma também souberam assimilar essa lição do punk”.
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Quando neste ano os críticos e jornalistas musicais se debruçarem sobre os novos discos de St. Vincent, Radiohead ou Real Estate é provável que se confrontem com a palavra “indie”. Se não aparecer nos textos, com uma categoria inevitável, atrapalhar-lhes-á, certamente, os pensamentos, qual termo omnipresente, naturalizado. Nos festivais prêt-à-porter (Mexefest), nos blogues, nas rádios ou na imprensa generalista. Até se for entendido como um estilo musical (exercício difícil, mas nem por isso inútil), a sua presença é incontestável. Basta ligar a televisão. Em suma, e admita-se a banalidade da revelação: o indie pop ou rock é (há muito) o mainstream. Mas o que significa de facto esta conclusão? E que história a precede?
Um livro como Late Century Dreams (Black Dog Publishing), editado em finais de 2013 por Thomas Howells, oferece algumas pistas ao reconstituir o aparecimento, o apogeu e o declínio das cenas musicais em que medraram os REM, os B-52s, os Pylon, os Butthole Surfers, os Superchunk, os Meat Puppets ou os Sun City Girls. Sim, identificar o aparecimento do indie exige um salto no passado, em particular na gesta do underground americano do início dos anos 1980, sem prejuízo de outros pioneiros ou latitudes.
O fantasma dos sixties
Comece-se pela arqueologia do termo. Para Michael Azerrad, jornalista americano, autor do incontornável Our Band Could Be Your Life (livro de 2001 que narra a história do underground americano), a origem de indie foi sobretudo fiscal: “Classificava música distribuída por distribuidoras independentes, não pelas grandes editoras. É daí que deriva o termo e também porque a música era feita com um espírito independente”, alega. “Essa é uma distinção importante, pois muitas bandas que escolheram esse caminho fizeram-no por razões políticas”. Tal escolha implicava trabalho árduo e por vezes solitário, sem as vantagens do apoio nas vendas, agendamento de concertos ou divulgação, mas em contrapartida garantia-se autonomia estética. Entre os finais dos anos 1970 e início da década seguinte, havia, tantos nos EUA, como na Inglaterra, uma assumpção, embora difusa, de que a música popular não tinha que se sujeitar à regras da indústria. Era como se influência do ambiente cultural dos sixties ainda se fizesse sentir, na forma de fantasma benigno ou de memória vaga mas preciosa. “Em termos históricos podemos estabelecer uma ligação com o underground dos finais dos anos 60 e o início dos anos 70. Com um mundo musical influenciado pela Guerra do Vietname, pelas lutas em defesa dos direitos civis, peloa descoberta e consumo de drogas. E essa ligação ainda se viu na no wave, no punk e em movimentos que surgiram depois”, afirma João Lisboa, crítico do Expresso. “Mas o termo em si mesmo não caracteriza um género musical. Está associado a formas de edição e distribuição, ao trabalho das editoras pequenas. Ou, também, a ‘cenas’ que não foram mais do que etiquetas inventadas pela indústria e nas quais os próprios músicos não se reviam. Refiro-mo, por exemplo, a Seattle, Madchester, ao som de Bristol”.
Michael Azerrad insiste, no entanto, na validade da designação. A categoria indie-rock descreverá música mais aventureira do que o mainstream e, eventualmente, produzida por jovens de classe-média. “Já não interessa se está numa grande editora ou não. Ainda pode ser indie-rock. Agora as bandas indie esgotam o Madison Square Guarden [em Nova Iorque]. É algo completamente diferente”.
Não se tenham dúvidas, é algo completamente diferente. Até o Rock in Rio Lisboa, que anunciou a vinda dos Arcade Fire, parece rendido. Uma dedução legítima diante deste cenário é a de que o indie rock (ou underground rock ou college rock ou o rock alternativo) se mercantilizou definitivamente. Isto é, mais do que uma forma artística, se consolidou como um produto. “Não concordo”, responde Azerrad. “A música indie foi sempre comprada e vendida, por isso foi sempre uma mercadoria. As editoras independentes sempre venderam música. Não a ofereciam”.
Cooperação e colaboração
Para muitos críticos e jornalistas culturais, nada de mais óbvio. Foi sempre assim e para todos os efeitos a música pop não precisa de dar justificações. Vive num mundo à parte. Alcançou a sua autonomia enquanto reproduz, num sorriso alarve, o discurso do neo-liberalismo. Mas a história vem desmentir esta asserção pueril e em particular a história do indie-rock americano contada em Our Band Could Your Be Your Life ou em Late Century Dreams. Leiam-se as páginas dedicadas aos Minutemen, aos Sonic Youth ou aos Fugazi ou as que destacam a cena musical de Athens. Nem tudo de reduz ao valor de troca, ao consumo, ao espectáculo como sublinha Paula Guerra, socióloga da Universidade do Porto: “O rock alternativo esteve associado a pequenas editoras orientadas por um amor descomprometido face à música, entendida como um fim em si mesmo, com projectos com liberdade criativa e libertos das grilhetas da economia. Valorizava-se uma autonomia artística através da vinculação dos músicos a entidades independentes emergentes do pós-punk. Resumindo, os músicos trocavam a curto prazo a segurança financeira por um sentimento de colaboração e cooperação”.
Colaboração e cooperação: a estes dois valores junta-se a noção romântica de artista e, por instantes, parece definido a categoria “indie”. Mas acrescente-se, cautelosamente, mais um: a aspereza ou a densidade do punk que pelo menos até 2000 ainda se ia escutando. Era ela que ligava o underground (em discos comoMurmur, Sister, Surfer Rosa, Slanted or Echanted, Bug ou Zen Arcade) conferindo uma marca estética que se foi diluído ou apagando. Quando, há dois anos, Dan Deacon, St, Vincent e músicos do Dirty Projectors tocaram versões de tema dos Big Black, Black Flag e Butthole Surfers foi esse desaparecimento que emularam. Permaneceu a tão propalada atitude DIY? Michael Azerrad acredita que sim e vai mais longe: “O grande feito do indie americano foi expandir dramaticamente o significado do punk. Nesse sentido, a essência do indie-rock não é o estilo de música. Essa é uma característica superficial. A problemática e muito mais ampla e profunda. No meu livro, destaco o modo como essas bandas abordaram a música, não o som. Descrevo os esforços, as estratégias, os meios que usaram para a continuar a fazer e divulgar. Nesse período, as grandes editoras ignoravam a música agressiva e ruidosa, apesar da sua originalidade, e por isso ela acabou nas pequenas editoras. Mas o que é importante salientar é a comunidade e o sistema que eles construíram e que as gerações seguintes herdaram”.
Contra e com esse processo, emerge uma tendência: o esvaziamento do termo indie. Hoje é possível encontrar uma adolescente que diz ser fã do género sem nunca ter ouvido uma canção dos Sonic Youth. Nem a Internet lhe vale. “Creio que [o indie] continua a existir e, sobretudo, enquanto factor de distinção, mas a crescente volatilidade e ânsia de produtos do capitalismo avançado corrói a aura do diferente”, sugere Paula Guerra. “Vivemos no imperativo paradoxal da busca da diferenciação. O acesso plural à música e a sua desmaterialização são aí determinantes. Por exemplo, a busca incessante do diferente leva a mesclas que cruzam uma pluralidade de sons e de estilos. Pode-se chamar a isto alternativo? Indie? Nunca como agora verificamos a banalização e o esgotamento destas categorias”.
Mainstream vs. underground
Faça-se agora ao desvio até ao cinema dito independente dos EUA. A sua história fez-se a par da narrativa do rock underground, revelando-se nos anos 1980 (com Jim Jarmusch) e ganhando na década seguinte uma mediatização inédita, com a afirmação de Hal Hartley, Richard Linkater, Kevin Smith, Todd Haynes, Gus Van Sant ou Quentin Tarantino. Pode-se até evocar a afinidade de alguns destes nomes com certas bandas e músicos, pois partilhavam interesses e ambientes comuns. Os Sonic Youth foram fundamentais no estabelecimento de laços e na introdução progressiva do indie-rock como banda sonora, imaginada ou concreta, de vários filmes. Mas as coincidências não acabam aqui. “O cinema e a música cruzam-se na atitude do DIY”, acrescenta Paula Guerra”. “Há a mesma utilização de pouco recursos, a não inserção em circuitos comerciais, neste caso sem o jugo das grandes produtoras. E por outro lado, a afirmação da vontade e autonomia do seu autor. Dentro da indústria cultural, são dois mundos que se juntam. Reproduzem as mesmas lutas entre ortodoxia e heterodoxia, entre underground e mainstream. A lógica e narrativa são as mesmas”.
Mas continua a fazer sentido evocar a existência de um underground e de um mainstream? A julgar pelo espectáculo sofrível que rodeou o lançamento de Reflektor, dos Arcade Fire, o debate não perdeu relevância. Já se tivermos em conta que a pop (e agora deixe-se cair o prefixo indie) há muito que saiu do palco dos grandes acontecimentos (está em todo lado e não está lado nenhum, tornou-se coisa fluída, magma transparente, perdeu peso, solidez), então a discussão caminha moribunda. “[A musica] já não provoca os choques de outrora”, lembra João Lisboa. “Essa capacidade de chocar, de provocar, acabou, pelo menos na sociedade ocidental porque se pensarmos na actividade das Pussy Riot na Rússia, a situação não é a mesma. Para mim são hoje o melhor exemplo desse lado político da música pop, desse lastro contra-cultural, mas curiosamente não por causa da música que fazem”. Para o crítico português, nem por isso o pop-rock perdeu originalidade ou riqueza estética. “E provável que a influência do punk se ouça menos, mas não podemos, nem creio que faça sentido, estar com revivalismos. Acho que a música vale por si mesmo, escutamo-la enquanto tal, sem mais expectativas. Por outro lado, os músicos têm actualmente mais meios do que tinham no passado, para compor e gravar. E, isto é muito curioso, muitos já são detentores de educação musical académica, formal, só que não fazem questão de exibir esse conhecimento, como faziam as bandas do rock progressivo. De alguma forma também souberam assimilar essa lição do punk”.