E agora o tempo em Luhman 16AB: nublado com probabilidades de chuva de ferro
Bem-vindos ao início da exometeorologia, a meteorologia de mundos distantes, esplanada em dois artigos científicos.
Modelos de computador mostram que, à medida que as quentes anãs-castanhas vão arrefecendo, formam-se nas suas atmosferas, essencialmente constituídas por hidrogénio, gotas de minerais. Os novos estudos indicam que nas nuvens se aglomera ferro gasoso, que depois condensa e produz uma chuva.
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Modelos de computador mostram que, à medida que as quentes anãs-castanhas vão arrefecendo, formam-se nas suas atmosferas, essencialmente constituídas por hidrogénio, gotas de minerais. Os novos estudos indicam que nas nuvens se aglomera ferro gasoso, que depois condensa e produz uma chuva.
As anãs-castanhas têm mais massa do que os planetas da dimensão de Júpiter e Saturno, mas são pequenas de mais para que no seu núcleo comece a ocorrer a fusão dos átomos, o processo que acende e dá brilho às estrelas. Também conhecidas como “estrelas falhadas”, as anãs-castanhas nascem como objectos quentes e emitem radiação infravermelha à medida que vão arrefecendo lentamente. As temperaturas nas nuvens do par Luhman 16AB, por exemplo, atingem cerca de 1000 graus Celsius.
Até agora só se descobriram algumas centenas de anãs-castanhas, depois de terem sido detectadas pela primeira vez há cerca de 20 anos. As que se encontram mais perto da Terra formam esse par chamado Luhman16AB, na constelação da Vela. Só foram descobertas em 2013 pelo astrónomo norte-americano Kevin Luhman, em imagens obtidas pelo telescópio espacial de infravermelhos WISE, da NASA, explica um comunicado do Observatório Europeu do Sul (ESO), organização europeia de astronomia que detém por exemplo o telescópio VLT no Chile. Como Kevin Luhman já tinha descoberto 15 estrelas duplas, o par de anãs-castanhas ficou informalmente conhecido como Luhman 16. O seu elemento mais ténue e perto de nós é a Luhman 16B.
Mas ainda que o par Luhman 16AB esteja mais próximo de nós, as duas anãs-castanhas que o compõem são tão longínquas que é impossível ter imagens directas da sua superfície. Por isso os cientistas tiveram de aplicar novas técnicas para analisar as suas atmosferas utilizando telescópios no Chile.
O estudo na Astrophysical Journal Letters foi liderado pela Universidade de Edimburgo (Escócia), enquanto o da revista Nature foi coordenado pelo Instituto Max Planck para a Astronomia (Alemanha).
Os cientistas detectaram variações de luminosidade tanto da Luhman 16A como da Luhman 16B, o que lhes permitiu reconstituir o que acontece nas diferentes camadas da atmosfera das anãs-castanhas, explica um comunicado do Instituto Max Planck. Essa informação foi depois compilada em mapas das suas nuvens. Por outro lado, os cientistas também conseguiram observar, com o telescópio VLT, mudanças na luminosidade da Luhman 16B à medida que ela rodava e verificar se as características mais claras e mais escuras na sua superfície estavam a aproximar-se ou a afastar-se. E, combinando toda esta informação, construíram um mapa das nuvens mais claras e mais escuras.
“Observações anteriores tinham sugerido que as anãs-castanhas poderiam ter manchas à superfície, mas agora podemos de facto cartografá-las. Em breve, seremos capazes de observar os padrões nas nuvens a formarem-se, a evoluírem e a dissiparem-se numa anã-castanha – e um dia, os exometeorologistas poderão prever se um visitante de Luhman 16B pode esperar um céu limpo ou nublado”, diz o astrónomo Ian Crossfield, do Instituto Max Planck para a Astronomia, no comunicado do ESO.
Utilizando técnicas similares, os cientistas esperam compreender assim a meteorologia de planetas noutros sistemas solares, chamados planetas extra-solares ou exoplanetas, e iniciar a era da exometeorologia. A descoberta de exoplanetas rochosos e numa zona onde a água líquida e a vida possam existir – no fundo, outras Terras – é o grande sonho. E saber como é o tempo lá faz parte dessa demanda.
“À medida que [as anãs castanhas] arrefecem abaixo dos 2300 graus Kelvin [2026 graus Celsius], partículas líquidas ou cristalinas de aluminatos de cálcio, silicatos e ferro condensam em ‘poeira’ atmosférica, que desaparece a temperaturas ainda mais baixas, a cerca de 1300 graus Kelvin [1026 graus Celsius]”, lê-se no artigo na Nature. “Os modelos que explicam esta dispersão de poeira incluem tanto o afundamento abrupto de um aglomerado de nuvens na atmosfera profunda e inobservável como a sua fragmentação em manchas dispersas, como se vê em Júpiter e Saturno”, acrescentam os autores.
“Estamos entusiasmados com o que conseguimos ver nestes estudos, mas isto é só o início”, refere por sua vez Beth Biller, da Universidade de Edimburgo, num comunicado desta instituição. “Com a nova geração de telescópios, como o futuro European Extremely Large Telescope [telescópio óptico e de infravermelhos, com um espelho de 39 metros de diâmetro, que o ESO vai construir no Chile], provavelmente os astrónomos poderão obter mapas da superfície de anãs-castanhas mais distantes e de planetas gigantes jovens.”