O ritual do novo ano judicial
O ano judicial começou formalmente ontem com a cerimónia que já todos os portugueses viram, mesmo que apenas por uns segundos descontextualizados na televisão. O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar, dedicou uns bons minutos a justificar o ritual e a explicar como a sua “densidade carismática” e o seu "valor de afirmação dos princípios de cidadania” são importantes. Não era preciso. Foi um exagero e uma hipersensibilidade desnecessária. Bastava pôr o ritual em marcha. Os países, as instituições e as comunidades precisam de rituais. A dignidade do Estado não se afirma de calças de ganga numa sala com mesas de fórmica. A única coisa que se lamenta deste ritual português é ser hermético. Sendo uma cerimónia pública, transmitida em directo e na íntegra pelas televisões durante duas horas, seria útil que fosse dirigida aos cidadãos e não aos 30 mil advogados, 1800 magistrados judiciais e 1400 magistrados do Ministério Público que há no país. Estas 33.200 pessoas e poucas mais terão acompanhado passo a passo o que foi dito ontem. A maior parte, se não desistira já, terá despertado ao ouvir a ideia da ministra da Justiça de criar uma base de dados de pedófilos – já agora, uma ideia para ser discutida a sério e não arrumada como um simples “perigosíssimo”, como fez o ex-Procurador Geral da República Pinto Monteiro. Quem compreende, senão 33.200 portugueses, que a revisão feita no Código de Processo nos Tribunais Administrativos terá, como “mais inovatório”, estas três ideias: acabar com o “dualismo da acção administrativa especial/acção administrativa comum”, accionar a “tramitação da acção administrativa na linha do novo CPC” e reequilibrar “as posições dos particulares e da Administração Pública no domínio dos efeitos suspensivos das providências cautelares de suspensão de actos administrativos”? São tudo decisões importantes, como de resto muitas das reformas que a ministra Paula Teixeira da Cruz tem feito. Mas a construção de uma sociedade aberta na qual os cidadãos se envolvem e participam também passa por adaptar os rituais ao nosso tempo. Sim aos rituais. Mas rituais que não se limitem aos trajes e a uma conversa que, vista de fora, parece ficção científica.
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O ano judicial começou formalmente ontem com a cerimónia que já todos os portugueses viram, mesmo que apenas por uns segundos descontextualizados na televisão. O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar, dedicou uns bons minutos a justificar o ritual e a explicar como a sua “densidade carismática” e o seu "valor de afirmação dos princípios de cidadania” são importantes. Não era preciso. Foi um exagero e uma hipersensibilidade desnecessária. Bastava pôr o ritual em marcha. Os países, as instituições e as comunidades precisam de rituais. A dignidade do Estado não se afirma de calças de ganga numa sala com mesas de fórmica. A única coisa que se lamenta deste ritual português é ser hermético. Sendo uma cerimónia pública, transmitida em directo e na íntegra pelas televisões durante duas horas, seria útil que fosse dirigida aos cidadãos e não aos 30 mil advogados, 1800 magistrados judiciais e 1400 magistrados do Ministério Público que há no país. Estas 33.200 pessoas e poucas mais terão acompanhado passo a passo o que foi dito ontem. A maior parte, se não desistira já, terá despertado ao ouvir a ideia da ministra da Justiça de criar uma base de dados de pedófilos – já agora, uma ideia para ser discutida a sério e não arrumada como um simples “perigosíssimo”, como fez o ex-Procurador Geral da República Pinto Monteiro. Quem compreende, senão 33.200 portugueses, que a revisão feita no Código de Processo nos Tribunais Administrativos terá, como “mais inovatório”, estas três ideias: acabar com o “dualismo da acção administrativa especial/acção administrativa comum”, accionar a “tramitação da acção administrativa na linha do novo CPC” e reequilibrar “as posições dos particulares e da Administração Pública no domínio dos efeitos suspensivos das providências cautelares de suspensão de actos administrativos”? São tudo decisões importantes, como de resto muitas das reformas que a ministra Paula Teixeira da Cruz tem feito. Mas a construção de uma sociedade aberta na qual os cidadãos se envolvem e participam também passa por adaptar os rituais ao nosso tempo. Sim aos rituais. Mas rituais que não se limitem aos trajes e a uma conversa que, vista de fora, parece ficção científica.