Queixas de negligência médica quintuplicaram desde 2001
Instituto de Medicina Legal recebe cada vez mais pedidos de pareceres técnicos em casos de alegadas más práticas profissionais. Falta de jurisprudência leva tribunais a tomar decisões díspares.
Em apenas 13 anos, o número de queixas por alegada negligência grave contra médicos e outros profissionais de saúde mais do que quintuplicou. O Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), órgão ao qual os magistrados recorrem em situações complexas e graves para pedir pareceres técnicos, passou de apenas 33 processos analisados em 2001 para 184 no ano passado.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Em apenas 13 anos, o número de queixas por alegada negligência grave contra médicos e outros profissionais de saúde mais do que quintuplicou. O Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), órgão ao qual os magistrados recorrem em situações complexas e graves para pedir pareceres técnicos, passou de apenas 33 processos analisados em 2001 para 184 no ano passado.
O pico de processos avaliados por estes peritos registou-se em 2008. Mas, depois de uma quebra do número de casos nos anos seguintes (ver gráfico), estes voltaram a aumentar em 2012 e 2013, adianta o médico Gonçalo Castanheira, que dedicou a sua tese de mestrado à responsabilidade profissional dos prestadores de cuidados de saúde.
Estes números podem, mesmo assim, ser apenas a “ponta do iceberg”, a “parte visível de uma responsabilidade desconhecida”, avisa o especialista, porque “há cada vez mais actos médicos”. O Conselho Médico-Legal é normalmente chamado a dar parecer, a avaliar se houve ou não violação da leges artis (das regras da profissão médica) em casos mais graves que normalmente resultam em morte ou em incapacidade permanente. A esmagadora maioria destes casos são histórias de alegada má prática de médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde.
Demora nos tribunais
O número de processos que chega ao Conselho Médico-Legal apenas dá uma ideia aproximada da dimensão do fenómeno, porque em Portugal é impossível contabilizar com rigor todas as queixas enviadas para os tribunais, para as ordens profissionais e para organismos como a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde. Grande parte acaba arquivada e as condenações são a excepção.
“O sistema não beneficia nem o doente nem o médico. O doente tem que provar que houve culpa com dolo, o que quase nunca acontece. Deveria ser ressarcido sem ter que provar a culpa”, defende Gonçalo Castanheira. Também André Dias Pereira – que este mês se doutorou com uma tese sobre responsabilidade médica na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – reclama um "novo paradigma".
Um dos problemas do sistema que vigora em Portugal prende-se com o tempo que os processos demoram a ser apreciados nos tribunais. A família da menina a quem não foi diagnosticada uma apendicite no Hospital Pediátrico de Coimbra só conheceu a sentença da primeira instância em Novembro do ano passado, mais de nove anos após a sua morte. Passado todo este tempo, os dois médicos acusados foram absolvidos, devendo o caso arrastar-se agora pelos tribunais superiores.
A justiça portuguesa demora cerca de oito anos, em média, até chegar a uma sentença neste tipo de queixas, concluiu a farmacêutica Lígia Ernesto, depois de analisar 210 casos relativos a erros, negligência médica e outros eventos adversos noticiados nos meios de comunicação social entre 1974 e Junho de 2011. Em quatro casos, vítimas e acusados tiveram de aguardar mais de 12 anos pela decisão judicial.
Também o valor das indemnizações varia substancialmente. No caso do esquecimento da pinça no abdómen da doente, um cirurgião e duas enfermeiras foram condenados a pagar 14 400 e de 10 600 euros, respectivamente. Já a cardiologista do homem que morreu na sequência de um enfarte agudo de miocárdio não diagnosticado foi multada em 8 400 euros.
Mas há sentenças que impõem indemnizações elevadas. E acordos extrajudiciais, como o que levou o Estado a pagar um total de 597 mil euros aos seis doentes que cegaram no Hospital de Santa Maria, na sequência de uma troca de medicamentos na farmácia da unidade de saúde. O doente que ficou sem ver dos dois olhos recebeu 246 mil euros, valor que foi definido por uma comissão arbitral.
“Na medicina legal há tabelas, mas nesta matéria ainda não existe jurisprudência. A responsabilidade profissional em saúde é recente”, observa Gonçalo Castanheira, que analisou em detalhe 66 processos de unidades de saúde do concelho de Coimbra entre 2001 e 2010. Em quase um quinto dos casos (18,18%) os pareceres do conselho médico-legal concluíam que a actuação dos profissionais de saúde não tinha sido a mais adequada.
. .