A polémica das "mulheres de conforto" volta ao Japão
É um tema sensível da política externa de Tóquio. Das 200 mil mulheres obrigadas a prostituir-se para o exército japonês já só 55 estão vivas.
O tema é polémico no Japão, onde os governos tentam mantê-lo em silêncio, não respondendo sempre que a Coreia do Sul ou as organizações que defendem as mulheres obrigadas a prostituir-se para os soldados japoneses voltam a exigir justiça e compensações para as vítimas.
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O tema é polémico no Japão, onde os governos tentam mantê-lo em silêncio, não respondendo sempre que a Coreia do Sul ou as organizações que defendem as mulheres obrigadas a prostituir-se para os soldados japoneses voltam a exigir justiça e compensações para as vítimas.
Entre 1932 e o fim da II Guerra Mundial, o Japão obrigou 200 mil mulheres — dados dos historiadores que investigam o tema — a prostituir-se nos “bordéis do exército” que Tóquio mantinha nas suas várias frentes de guerra. Chamavam-lhes “mulheres de conforto” ou “mulheres de alívio” e davam uma explicação oficial para a sua existência: evitavam que os soldados violassem mulheres das zonas onde estavam estacionados, impediam que os soldados apanhassem doenças sexualmente transmissíveis com prostitutas e e minimizavam o risco de espionagem.
Dessas 200 mil mulheres, restam 55 — uma delas, Hwang Keum-ja, morreu no domingo, o dia em que o presidente da televisão fez as declarações. Tinha 89 anos e a sua história conta a de todas as outras mulheres obrigadas a prostituir-se pelo exército japonês. Era sul-coreana e foi enganada pela promessa de emprego no Japão, para onde foi aos 14 anos. Chegou a ser operária numa fábrica de vidro, mas aos 16 anos foi enviada para um bordel, tornando-se escrava sexual. Quando a guerra acabou, voltou à Coreia do Sul onde viveu sempre sozinha, adoptou um filho e sobreviveu de apoios do estado e da recolha de lixo, segundo a agência noticiosa sul-coreana Yonhap.
Durante décadas, Hwang Keum-ja tentou, como quase todas as outras, que o Japão admitisse o crime e desse indemnizações de guerra às mulheres obrigadas a prostituir-se. Nas reportagens sobre elas que foram feitas ao longo dos anos — e nos testemunhos recolhidos por organizações como a americana Coalition for Confort Woman Issues ou a Amnistia Internacional —, contaram ter sido enganadas (muitas), raptadas (outras) e forçadas a prostituir-se (todas); há relatos de espancamentos e violações para as que resistiram mais tempo a ter sexo com os soldados.
Desculpa sim, indemnizações não
A maior parte destas mulheres eram sul-coreanas, mas eram também filipinas, vietnamitas, cambojanas e japonesas.
Só em 1993 o governo japonês lhes pediu publicamente desculpa. Mas recusou sempre pagar indemnizações, sendo por isso acusado pelas organizações de defesa das “mulheres de conforto” de não reconhecer de facto o que aconteceu.
Desde então, a política oficial sobre o tema tem sido não falar no assunto. De vez em quando, porém, um responsável volta ao tema, por iniciativa própria ou dos jornalistas. E, por norma, reacende a polémica. No ano passado, o presidente da câmara de Osaka, o populista Toru Hashimoto, pôs o assunto nos jornais, japoneses e internacionais, ao dizer que os bordéis militares foram “necessários” e que as críticas ao Japão pela existência de “mulheres de conforto” são totalmente injustas porque se tratava de uma prática comum a outros exércitos.
Na primeira vez que foi primeiro-ministro, Shinzo Abe (o actual chefe do governo), disse que não havia dados concretos que provassem que as mulheres foram obrigadas a prostituir-se. Agora, foi o seu gabinete que obrigou o presidente da televisão pública — que disse que não se pode avaliar a questão à luz da moral de hoje pois a moral de então era diferente — a emendar-se.
A AFP, citando fontes do executivo, diz que dentro da equipa de Abe há quem defenda que pelas suas declarações — e por se ter imiscuido numa questão da política externa do governo, ainda por cima tão sensível — Katsuto Momii devia ter sido demitido imediatamente.