Televisões com novas regras de emissão de programas acessíveis a deficientes
ERC estipula "quotas" mínimas de programas com legendagem, tradução em língua gestual ou audiodescrição para as estações pública e privadas, incluindo os canais do cabo. As associações de deficientes aplaudem o plano mas apontam falhas.
A deliberação da ERC aplica-se ao canal público e aos operadores privados generalistas, bem como aos canais regionais da RTP e aos canais do serviço por assinatura. A RTP, enquanto canal de serviço público, vai ter de antecipar um ano (começando já no próximo dia 1 de Fevereiro) as obrigações definidas, em relação aos canais privados (que só começam a 1 de Fevereiro de 2015). Um ano depois de adoptarem o plano, os operadores terão de duplicar as "quotas".
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A deliberação da ERC aplica-se ao canal público e aos operadores privados generalistas, bem como aos canais regionais da RTP e aos canais do serviço por assinatura. A RTP, enquanto canal de serviço público, vai ter de antecipar um ano (começando já no próximo dia 1 de Fevereiro) as obrigações definidas, em relação aos canais privados (que só começam a 1 de Fevereiro de 2015). Um ano depois de adoptarem o plano, os operadores terão de duplicar as "quotas".
Ainda não se sabe se os operadores irão contestar judicialmente o documento, tal como fizeram em 2009, levando à suspensão do plano. Em resposta por email ao PÚBLICO, o gabinete de comunicação da TVI diz que a estação “cumpre neste aspecto tudo a que a lei obriga e está sempre disponível a, dentro da razoabilidade, melhorar as condições de recepção dos telespectadores”. A SIC, por sua vez, diz que "determinadas obrigações" são "muito onerosas" para os privados. A RTP não respondeu em tempo útil.
Ouvidos pela ERC durante a consulta pública, todos os operadores protestaram alegando que o “contexto económico-financeiro” de crise no sector inviabiliza a concretização do plano. O argumento, porém, não convence as associações de deficientes ouvidas pelo PÚBLICO, que esperavam que a ERC fosse mais além.
Audiodescrição é "inviável"
Segundo a deliberação, RTP1, SIC e TVI ficam obrigadas a emitir, entre as 8h e as 2h, oito horas semanais de “programas de ficção, documentários ou magazines culturais” com legendagem recorrendo “a qualquer meio técnico ao seu alcance”, e três horas semanais de programas de cariz informativo, educativo, cultural, recreativo ou religioso com tradução para LGP, incluindo “a interpretação integral de um dos serviços noticiosos do período nocturno”.
Para a RTP2, a ERC estipula dez horas semanais de programas de ficção com legendagem e seis horas semanais de programas informativos com LGP. Os canais regionais (RTP Madeira e RTP Açores), têm de garantir, entre as 8h e as 2h, duas horas semanais de programas informativos com LGP. O mesmo para os canais do cabo – como RTP Informação, SIC Notícias, TVI24, CMTV ou EconómicoTV, mas apenas no período entre as 19h e as 24h.
A ERC obriga também a transmitir as mensagem do Presidente da República, do presidente da Assembleia da República ou do primeiro-ministro, tal como as comunicações dos serviços de protecção civil, com legendagem especial ou em LGP.
Uma das medidas mais contestadas pelos operadores é a obrigatoriedade de transmitir programas de ficção ou documentários com audiodescrição - uma ferramenta em que as imagens que surgem no ecrã são oralmente descritas, útil para cegos e amblíopes. A RTP1 terá de emitir 35 horas anuais; para a RTP2, SIC e TVI, esta obrigação só entra em vigor em 2016 e resume-se a 12 horas anuais.
Neste domínio, o regulador recuou em relação ao plano de 2009, que previa 1h30 semanais de audiodescrição. “É um objectivo mais realista”, justifica Rui Mota, da ERC, acrescentando que foi encontrada "uma solução de compromisso entre todas as partes”. Em comunicado, a entidade reforça que procurou "estabelecer metas justas e proporcionadas, respeitando a realidade dos operadores de televisão e também as legítimas expectativas dos cidadãos com necessidades especiais".
Mesmo assim, os privados queixam-se dos custos. A SIC, por exemplo, fala na necessidade de investir no total mais de 816 mil euros, dos quais 471 mil seriam destinados à audiodescrição, o que torna "inviável" esta solução. A TVI considera que a audiodescrição terá um "impacte muito reduzido junto do público a que se destina" e lembra também os custos - no total, "três a quatro centenas de milhares de euros por ano" - exigindo do Estado o pagamento de "contrapartidas".
ERC preferiu ser "cautelosa"
O plano da ERC foi bem recebido pelas associações de deficientes mas estas gostariam que o regulador fosse mais ambicioso. A vice-presidente da Federação Portuguesa de Associações de Surdos (FPAS), Ângelo Costa, defende que há “melhoramentos a fazer” para garantir “total acessibilidade” aos surdos, 24 horas por dia. Por seu lado, a presidente da Associação Portuguesa de Deficientes, Ana Sezudo, lamenta que o acesso à audiodescrição seja “muito reduzido” e critica o facto de o plano não se pronunciar sobre a legendagem em linguagem fácil (método que utiliza palavras simples, frases curtas), “indispensável para outras pessoas com deficiência” além dos surdos ou cegos.
Ana Sezudo considera ainda que não deveriam ser definidos horário de acesso, uma vez que "as pessoas com deficiência devem ter liberdade na opção quanto ao acesso à informação".
Outro aspecto que ficou aquém do desejado é o tamanho da janela do intérprete de LGP, ainda demasiado pequeno. A FPAS queria que a janela ocupasse um terço do ecrã. A ERC remeteu o assunto para o capítulo das recomendações, sugerindo "a escolha de um rectângulo em que a altura deverá ser superior à largura". "Resolvemos ser cautelosos porque nesse domínio há o risco de colidir com a liberdade editorial dos operadores, mas isso não diminui a importância da medida", afirma Rui Mota. "Ainda estamos muito longe de atingir o patamar ideal", admite.
Rua Mota lamenta que os operadores não considerem o potencial de mercado existente nestas adaptações. É verdade que ninguém sabe com certeza a dimensão do público-alvo destas medidas. Estima-se que 15% da população mundial tem uma deficiência e que 10% da população deficiente é surda. Os Censos 2011 não permitem apurar com certeza o número de pessoas com deficiência em Portugal, mas indicam que 13% dos portugueses têm dificuldade em ouvir. Ou seja, cerca de 1,4 milhões de pessoas.
Sérgio Gomes da Silva, director do Gabinete para os Meios de Comunicação Social e coordenador do grupo de reflexão Media e Deficiência, aplaude a lógica progressiva do plano, com períodos de adaptação, bem como o alargamento do plano aos canais regionais e aos do cabo. “É positivo. Aliás, só o facto de já termos um plano é um progresso”, afirma.
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