A cabeça vazia é a oficina do diabo
Resposta ao comentário de Maria Brederode Santos O Advogado do Diabo.
1. O “eduquês” foi retirando a Literatura dos programas trocando-a por textos banais ou iletrados. O ministro tenta agora promover a sua alteração, preparando também, parece, a reformulação dos cursos de formação de docentes, nos quais, regra geral, os futuros professores não são preparados para poderem ensinar o que deve ser aprendido nas escolas.
E a Literatura não está realmente nesses cursos. Se é aflorada é apenas através dos manuais, a melhor maneira de a matar.
Repare-se no círculo vicioso: os alunos terminam o secundário sem terem um verdadeiro convívio com a Literatura (nem hábitos de leitura). Entram, depois, nos cursos de formação de docentes, em que aquele convívio não é exigido. E seguem para as escolas para ensinar o que não aprenderam. O mesmo acontece com as outras matérias essenciais.
Ora, pensaram que o ministro, cercado, não conseguiria mudar nada, mas ele está a tentar mudar e por isso se agitam.
O ideário e a pedagogia do “eduquês”, como a ironia de MEB revela, desvaloriza a Literatura, tal como outras áreas fundamentais do conhecimento.
Mas só quem nunca leu pode negar, realmente, o valor do texto literário. E a escola pública é a oportunidade para todas as crianças acederem a essa manifestação superior da experiência humana. A Literatura deve estar de várias maneiras nos programas, com os textos próprios, nos momentos próprios, levada por professores que tenham experimentado o seu valor. Desde logo na formação dos professores do básico, porque sendo aí que começa a manifestar-se a desvantagem de muitas crianças é aí que ela tem de começar a ser enfrentada.
Não grita tanto o “eduquês” por inclusão? Seria útil explicarem que espécie de inclusão é essa por que gritam. Também para MEB, porventura, pois enquanto há vida há esperança, mais ainda quando se trata duma Brederode.
2. Não desvalorizei o PIRLS e o TIMMS, nem instrumentalizei os resultados. Procurei distingui-los e contestar a interpretação falaciosa que tem sido feita deles.
Só a verdade permite a mudança. Precisamos de assumir, portanto, que o progresso revelado não é, infelizmente, suficiente, nem significativo.
Tantos anos depois de se abrir a escola a todas as crianças, com tantos recursos despendidos, aquilo que foi conseguido, muito longe do necessário e do possível (veja-se o sucesso da Irlanda e da Coreia do Sul, p.e.), é a prova do erro da receita aplicada.
Cresci no tempo em que o ensino público que havia era muito melhor do que o privado. A inversão gritante, mas evitável, dessa realidade, é tanto mais grave quanto o ensino passou a ser, finalmente, para todos. Inversão que não foi obra do actual ministro.
A prioridade, com todos os recursos, só pode ser, por isso, a construção duma rede de ensino público de grande qualidade. Reciclando, seleccionando (por necessidade e justiça), formando e atraindo os melhores, mais vocacionados, professores. Também por não ser legítimo prometer a todos o emprego que não haverá.
E por isso me chocou tanto a ideia, abstrusa, deslocada, do "cheque ensino". Não pode ter sido de Nuno Crato. Num país em que é tão difícil promover a mais simples e imperiosa alteração, pareceu provocação ou é outra cegueira, agora de sinal contrário. O ministro deve explicar bem essa história.
Em Portugal não resolveria nada. Nos EUA a diferença de qualidade entre escolas é enorme. Ao contrário do que se verifica em Portugal, sem diferenças significativas, em que todas precisam é de melhorar muito. É essa a maneira de resolver a imperiosa exigência de todos poderem frequentar a melhor escola.
Para isso o que precisamos é de soluções pioneiras eficazes, informadas pelas melhores experiências estrangeiras, mas pensadas para a nossa realidade concreta.
Quanto ao título O Advogado do Diabo, picardia bem achada de MEB, não espelha o espírito do meu texto. Partilho com Nuno Crato ideias essenciais sobre a educação e subscrevo medidas certíssimas que tenta concretizar, em matéria de programas, valorização das avaliações e selecção dos candidatos à docência, designadamente, mas nem sempre me identifico com a forma e o modo adoptados. E espero outras, mesmo a imaginação de soluções que sem prejudicarem o que deve ser feito enfrentem a situação dramática de tantos professores.
Curioso é que esse título do diabo me tenha recordado um provérbio que exprime, afinal, a razão destes anos de combate: “As cabeças vazias são a oficina do diabo”. Foi contra esse esvaziamento das cabeças que lutei, pagando com gosto o preço desse combate. Porque se a liberdade significa alguma coisa, é “o direito de dizer aos outros o que eles não querem ouvir”. Sobretudo aos que têm poder, que deviam saber e querer governar bem, a doce e bem-amada Terra em que nasci.
Editor da Gradiva
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1. O “eduquês” foi retirando a Literatura dos programas trocando-a por textos banais ou iletrados. O ministro tenta agora promover a sua alteração, preparando também, parece, a reformulação dos cursos de formação de docentes, nos quais, regra geral, os futuros professores não são preparados para poderem ensinar o que deve ser aprendido nas escolas.
E a Literatura não está realmente nesses cursos. Se é aflorada é apenas através dos manuais, a melhor maneira de a matar.
Repare-se no círculo vicioso: os alunos terminam o secundário sem terem um verdadeiro convívio com a Literatura (nem hábitos de leitura). Entram, depois, nos cursos de formação de docentes, em que aquele convívio não é exigido. E seguem para as escolas para ensinar o que não aprenderam. O mesmo acontece com as outras matérias essenciais.
Ora, pensaram que o ministro, cercado, não conseguiria mudar nada, mas ele está a tentar mudar e por isso se agitam.
O ideário e a pedagogia do “eduquês”, como a ironia de MEB revela, desvaloriza a Literatura, tal como outras áreas fundamentais do conhecimento.
Mas só quem nunca leu pode negar, realmente, o valor do texto literário. E a escola pública é a oportunidade para todas as crianças acederem a essa manifestação superior da experiência humana. A Literatura deve estar de várias maneiras nos programas, com os textos próprios, nos momentos próprios, levada por professores que tenham experimentado o seu valor. Desde logo na formação dos professores do básico, porque sendo aí que começa a manifestar-se a desvantagem de muitas crianças é aí que ela tem de começar a ser enfrentada.
Não grita tanto o “eduquês” por inclusão? Seria útil explicarem que espécie de inclusão é essa por que gritam. Também para MEB, porventura, pois enquanto há vida há esperança, mais ainda quando se trata duma Brederode.
2. Não desvalorizei o PIRLS e o TIMMS, nem instrumentalizei os resultados. Procurei distingui-los e contestar a interpretação falaciosa que tem sido feita deles.
Só a verdade permite a mudança. Precisamos de assumir, portanto, que o progresso revelado não é, infelizmente, suficiente, nem significativo.
Tantos anos depois de se abrir a escola a todas as crianças, com tantos recursos despendidos, aquilo que foi conseguido, muito longe do necessário e do possível (veja-se o sucesso da Irlanda e da Coreia do Sul, p.e.), é a prova do erro da receita aplicada.
Cresci no tempo em que o ensino público que havia era muito melhor do que o privado. A inversão gritante, mas evitável, dessa realidade, é tanto mais grave quanto o ensino passou a ser, finalmente, para todos. Inversão que não foi obra do actual ministro.
A prioridade, com todos os recursos, só pode ser, por isso, a construção duma rede de ensino público de grande qualidade. Reciclando, seleccionando (por necessidade e justiça), formando e atraindo os melhores, mais vocacionados, professores. Também por não ser legítimo prometer a todos o emprego que não haverá.
E por isso me chocou tanto a ideia, abstrusa, deslocada, do "cheque ensino". Não pode ter sido de Nuno Crato. Num país em que é tão difícil promover a mais simples e imperiosa alteração, pareceu provocação ou é outra cegueira, agora de sinal contrário. O ministro deve explicar bem essa história.
Em Portugal não resolveria nada. Nos EUA a diferença de qualidade entre escolas é enorme. Ao contrário do que se verifica em Portugal, sem diferenças significativas, em que todas precisam é de melhorar muito. É essa a maneira de resolver a imperiosa exigência de todos poderem frequentar a melhor escola.
Para isso o que precisamos é de soluções pioneiras eficazes, informadas pelas melhores experiências estrangeiras, mas pensadas para a nossa realidade concreta.
Quanto ao título O Advogado do Diabo, picardia bem achada de MEB, não espelha o espírito do meu texto. Partilho com Nuno Crato ideias essenciais sobre a educação e subscrevo medidas certíssimas que tenta concretizar, em matéria de programas, valorização das avaliações e selecção dos candidatos à docência, designadamente, mas nem sempre me identifico com a forma e o modo adoptados. E espero outras, mesmo a imaginação de soluções que sem prejudicarem o que deve ser feito enfrentem a situação dramática de tantos professores.
Curioso é que esse título do diabo me tenha recordado um provérbio que exprime, afinal, a razão destes anos de combate: “As cabeças vazias são a oficina do diabo”. Foi contra esse esvaziamento das cabeças que lutei, pagando com gosto o preço desse combate. Porque se a liberdade significa alguma coisa, é “o direito de dizer aos outros o que eles não querem ouvir”. Sobretudo aos que têm poder, que deviam saber e querer governar bem, a doce e bem-amada Terra em que nasci.
Editor da Gradiva