“Se em Portugal o Ronaldo é um herói, quem é o herói no râguebi?
Formado em Direito na Universidade de Joanesburgo, Pienaar diz que em Portugal se o râguebi “não for forte nas escolas, é difícil que se consiga desenvolver”
Pouco mais de um mês após a morte de Nelson Mandela, colocamos online uma entrevista (publicada originalmente no PÚBLICO, em Janeiro de 2013) com o capitão da selecção da África do Sul no Mundial 95.
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Pouco mais de um mês após a morte de Nelson Mandela, colocamos online uma entrevista (publicada originalmente no PÚBLICO, em Janeiro de 2013) com o capitão da selecção da África do Sul no Mundial 95.
Líder inspirador e uma lenda do râguebi, François Pienaar, que completou este mês 47 anos, confessa que achou "horríveis" as cenas de râguebi no filme "Invictus", de Clint Eastwood.
Você é generalizadamente referido como um líder. Reconhece-se como um?
Há vários campos onde temos que ser líderes: a família, a comunidade, o emprego. Seria estúpido da minha parte dizer que não sou um líder, porque sou-o desde muito jovem. Numa visita a uma escola perguntaram-me qual o significado de “sucesso” e eu não sei. Depende de cada um. Sei o que digo aos meus filhos: que só há um lugar onde o sucesso surge antes do trabalho – no dicionário. Em tudo o mais, é preciso trabalhar muito para se ter sucesso. Mas se uma liderança bem-sucedida depende dos traços de personalidade de cada um, haverá certamente requisitos obrigatórios comuns a um e outro líder… Visão. Um líder tem sempre que ter visão, convicção e saber lidar com a esperança dos outros. Mas há lideres mais carismáticos do que outros. Depende do ADN de cada um. O que distingue os verdadeiros líderes, no entanto, é serem visionários. No seu caso específico, começou por ser um líder no desporto e depois tornou-se um líder social, ao ser designado um embaixador do desporto multirracial e dos direitos civis.
Sente-se bem nessa condição?
Não me considero um embaixador. Tenho responsabilidades porque fui afortunado no râguebi e tentei retribuir isso. Criei uma fundação em que apoiamos crianças que sejam brilhantes, mas não tenham recursos financeiros [para prosseguir os estudos], colocando-as em boas escolas. Uma das melhores coisas que me aconteceu no último ano é que uma dessas crianças, inicialmente com enormes dificuldades, acabou o curso de Engenharia em Harvard, nos Estados Unidos.
O que é que o filme Invictus alterou na sua vida?
Pouco. Pedem-me para partilhar a minha experiência e as pessoas querem saber a história daquele Mundial e do Nelson Mandela. O mundo ficou mais consciente do que aquele evento desportivo fez pela África do Sul.
Gostou do filme?
Houve coisas de que gostei, outras de que não gostei mesmo nada. Quando vi algumas cenas da minha personagem, a minha reacção foi: “Não, não, não! Eu não sou assim”. As cenas de râguebi, então, eram horríveis! (Risos). Mas é Hollywood. No geral, o filme deu-me um exagerado mérito, quando havia muito mais gente por trás daquilo, desde jogadores a treinadores. Só vi o filme uma vez...
A história da suposta intoxicação alimentar dos jogadores da Nova Zelândia, antes da final, não mereceu qualquer referência no filme. Afinal, essa parte é ou não verdade?
Como é que pode ser verdade? Já teve uma intoxicação alimentar? Com uma intoxicação alimentar não conseguimos levantar-nos da cama, muito menos jogar râguebi. (Risos). É uma treta e é triste. Se perguntar ao Jonah Lomu [ex-jogador da selecção neozelandesa], ele vai dizer-lhe que não, que isso não é verdade.
O que é que desequilibrou a final a favor da África do Sul?
Se olhar para o registo da Nova Zelândia antes do Mundial, verá que no ano anterior perderam em casa com a França. Mas em 1995 tinham o Jonah Lomu… E quando ele não conseguiu passar... (risos).
O que sabe sobre o râguebi português?
Que estiveram no Mundial, em 2007. Basicamente, é isso. Países em desenvolvimento no râguebi, como Portugal, não precisam apenas de dinheiro; precisam de tornar a modalidade popular. Num país louco por futebol, como Portugal, o râguebi aparecerá sempre em segundo ou terceiro lugar. Se a modalidade não for forte nas escolas, é difícil que se consiga desenvolver.
Como se torna a modalidade popular?
A chave do segredo está nos sevens, que será modalidade olímpica a partir de 2016. E no sevens, Portugal ganhou à África do Sul há pouco tempo. Ninguém é imbatível. As crianças querem heróis, seguem-nos e, se em Portugal o Cristiano Ronaldo é um herói, quem é o herói no râguebi? Portugal só terá um se competir ao mais alto nível e vencer. Depois disso, as crianças vão querer ser como ele.