Um dia especial, disse ela
Quatro estrelas para a estreia de Joana Carneiro como maestrina titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa.
Concerto coral-sinfónico
Direcção musical (Joana Carneiro), piano (Artur Pizarro), coro do Teatro Nacional de São Carlos. Solistas: Ana Serro, Ana Franco, Natália Brito, Bruno Almeida, João Sebastião, Nuno Dias. Orquestra Sinfónica Portuguesa. Obras de Luís Tinoco e Beethoven
Lisboa, Teatro Nacional de São Carlos, domingo, 19 de Janeiro, às 18h
Quatro estrelas
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Concerto coral-sinfónico
Direcção musical (Joana Carneiro), piano (Artur Pizarro), coro do Teatro Nacional de São Carlos. Solistas: Ana Serro, Ana Franco, Natália Brito, Bruno Almeida, João Sebastião, Nuno Dias. Orquestra Sinfónica Portuguesa. Obras de Luís Tinoco e Beethoven
Lisboa, Teatro Nacional de São Carlos, domingo, 19 de Janeiro, às 18h
Quatro estrelas
Joana Carneiro estreou-se este domingo como maestrina titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa, perante uma sala cheia. Começou ao microfone, falando de "renascimento", de "um novo ciclo verdadeiramente positivo", elogiando cordialmente os músicos neste "dia especial". Luís Tinoco, compositor da primeira peça da noite, arrancou alguns risos do público presente quando se referiu à nova missão da maestrina: "Tarefa difícil e ingrata, que eu não queria para mim...". Breve troca de palavras para iniciar um programa muito bem "esgalhado" para esta estreia.
O concerto iniciou-se com uma nova versão de uma peça contemporânea de Luís Tinoco – Before Spring –, concebida originalmente como "abertura" para a Sagração da Primavera, mas que neste concerto fazia todo o sentido, acompanhando duas obras de Beethoven: a luminosa Fantasia Coral, op. 80, e a reconciliadora Sexta Sinfonia. Esta nova versão sinfónica para a Orquestra Sinfónica Portuguesa, realizada a convite de Joana Carneiro, abriu o concerto com piscares de olho ao Stravinsky da Sagração. Algumas sementes musicais desta obra florescem na linguagem de Tinoco e dão-nos a ouvir uma colorida viagem musical que dá a sensação de necessitar apenas de um pouco mais de "espaço" para desbravar plenamente os caminhos que propõe. Na secção final, alguns músicos saem da orquestra e ocupam outros lugares na sala, abrindo de facto o espaço auditivo, como se numa pintura algumas cores se deslocassem do quadro. Mas para a obra ir mais longe, parece que era preciso dar mais tempo ao tempo... ao tempo interno da sua construção.
Seguiu-se a Fantasia Coral, obra de complicada simplicidade e delicada força. Pizarro conseguiu, ao piano, ligar toda a gentil leveza de certas passagens com um som generoso. O coro trouxe a potência da fraternidade humana (sim, como na Nona Sinfonia!). Os solistas ficaram um pouco aquém do que podem fazer, mas a Fantasia Coral não é fácil: é preciso dar muito em pouco tempo. Amor e força andaram juntos, numa interpretação globalmente justa, mas insuficientemente insubordinada para convidar para a festa um terceiro elemento que esta fantasia precisa como pão para a boca: a liberdade.
Um intervalo separava-nos da melhor parte do concerto. A Sexta era uma escolha excelente para esta estreia da maestrina: por um lado, é uma obra onde todos os naipes da orquestra são chamados a brilhar e a mostrar o que valem; por outro lado, é uma obra de conflito e reconciliação, uma mão estendida ao público. E os espectadores não ficaram indiferentes, porque Joana Carneiro fez uma muito boa direcção orquestral... e muito pedagógica: para dentro da orquestra, conquistando-a, não deixando amolecer o tempo, puxando pelas vozes intermédias, dando "corpo" à harmonia, exigindo aos músicos aquilo que Schiller exigia à beleza: que fosse a "figura viva" – nem só sensações, nem só razão, mas uma suspensão de ambas para o jogo estético de que o ser humano precisa para ser mais livre. E para fora, para os espectadores, agarrando-os, fazendo-os ver e ouvir o que está na Sexta Sinfonia: música onde a ordem e a paixão se batem até aos limites, entre o que tem de ser e o que não pode ser. A interpretação não foi magistral, nem tinha de ser. Mas o aplauso generoso do final era claro e a emoção da maestrina evidente. Fez-se um bocadinho Primavera.