“Não tenho bolsa, estou desempregada, mas se me cortam os sonhos, crescem-me as asas”

A Fundação Ciência e Tecnologia reduziu o número de bolsas individuais atribuídas este ano. O P3 ouviu um dos 3118 investigadores que não foram contemplados com bolsas de doutoramento. Quais planos para o futuro?

Foto
Paulo Pimenta

“Desde que me licenciei nunca tive um dia de paz ou de pouca preocupação. Nunca fui de férias. É inconstância do dia-a-dia. Temos de pensar que é uma vida radical, uma vida cheia de adrenalina (riso nervoso).

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

“Desde que me licenciei nunca tive um dia de paz ou de pouca preocupação. Nunca fui de férias. É inconstância do dia-a-dia. Temos de pensar que é uma vida radical, uma vida cheia de adrenalina (riso nervoso).

Eu sou bióloga, mas na área de doutoramento mudei para a Comunicação de Ciência. Estou no 2.º ano e quero organizar um jardim paleobotânico, neste caso, o Jardim Botânico de Coimbra. Este ano, foram eliminadas do concurso da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) as bolsas PACT – Promoção e Administração da Ciência e Tecnologia. Disseram que área de Comunicação de Ciência se insere em todas as outras áreas, o que realmente não deixa de ter a sua razão. 

Nos países mais desenvolvidos está a haver uma crise de vocações na área científica, por isso, a União Europeia (UE) está a fazer um enorme investimento para atrair jovens para a ciência, dar a conhecer ao público a sua importância e promover o entendimento e compreensão. Ao acabar com a PACT, o Governo está a fazer o oposto. Está, aliás, a promover aquilo que a UE não quer: dar a entender que o cientista é um bicho louco, que a investigação que faz é alquimia… Isto é matar um país.

Foto
Dados da FCT sobre a evolução das bolsas de doutoramento Clica na imagem para aumentar

O meu primeiro pensamento [quando soube o resultado]? “Estou tramada. Vou ter de me virar para outro lado.” Custa-me muito desistir do doutoramento porque investi muito, a nível económico, mas também emocional. Sim, estou sem forças, desgastada, mas não vou baixar os braços. Feliz, e infelizmente, existe a fundação casa dos pais. E não sou só eu — é não sei “quantos por cento” da população. O meu irmão está nas mesmas circunstâncias que eu. Isto traz consequências negativas para a sociedade. Ter 30 anos e estar dependente dos pais… As pessoas aprendem a desamar-se.

Foto
Paulo Pimenta

Diziam que o meu trabalho de mestrado era esquisito. Foi em Ecologia, fiz modelação de habitat: andava, basicamente, de rabo para o ar a contar cocó de mamíferos e trabalhava com matemática. Isto foi em 2005, 2006, e ninguém percebia muito bem o que é que eu andava a fazer. O que é certo é que esse trabalho aumentou o turismo na zona, o turismo ecológico e de caça, e está a gerar dinheiro. Graças a ele, foram reintroduzidas espécies que anteriormente não existiam: neste caso, o corço. Dizem que temos de trabalhar para as empresas, mas isso é o que já fazemos. Ninguém faz ciência porque é giro. Quantos anos é que as botijas leves da GALP e BP demoraram a ser desenvolvidas?! Se plantarmos uma macieira, não estamos à espera que dê frutos na Primavera seguinte. São precisos vários anos, como na Ciência.

"O doutoramento é o meu amante"

Não ter bolsa implica fazer uma pausa naquilo que esperava conseguir, principalmente no que toca a investimentos emocionais. Ter o meu ninho, por exemplo. Mas não quero desistir. Se me cortam os sonhos, crescem-me as asas. Vou tentar, por tudo, conseguir financiamento, amealhar o máximo que conseguir, mas, como consequência, vai-se notar na qualidade do trabalho. Sou formadora e já no ano passado, para pagar as propinas, dei formação em Cosmetologia. Aprendi a diferenciar unhas, aquilo que um biólogo sempre quis saber na vida (risos), mas sim, também é importante. O problema dos problemas é que, por causa dos atrasos da FCT, tive de fazer opções e, por isso, tive de sair da escola onde estava a dar formação. Agora, não tenho bolsa, estou desempregada e só me apetece rir para não chorar.

Ponho a hipótese de sair do país. Aliás, já estive muito próxima de o fazer. Tive uma viagem marcada para o Brasil, mas depois decidi não o fazer porque surgiram algumas hipóteses. Mas a obrigação de partir é diferente de querer partir. No final de contas, o que é que o Governo quer? A massa crítica vai toda embora, ficam as pessoas com menos formação. E que país é este? É um país de… ignóbeis. Então, o Estado investe imenso dinheiro na nossa formação, algo que acho muito bem porque nós, investigadores, vamos retribuir ao Estado, a todos os cidadãos; mas, ao mesmo tempo, descarta-me?! Isto não é um bom investimento.

A primeira coisa que fiz na semana passada foi começar a disparar CV e dizer aos conhecidos que estou disponível. Para quase tudo. Estou absolutamente de luto. Eu brinco ao dizer que o doutoramento é o meu amante, mas realmente já não é só trabalho. E uma pessoa apaixonada move mundos e fundos. Não queria desistir, por nada, mas se tiver de ser, pararei. Até me vem a lágrima ao canto do olho. Uma curiosidade: os resultados saíram na terça-feira; na quarta, uma colega reparou que estava toda vestida de verde: esperança.”

Artigo actualizado às 17h03 de 9 de Maio de 2017.