A cor da ilustração portuguesa em Nova Iorque
Três portugueses mostram as suas obras na Illustrators 56 . Marta Monteiro, André da Loba e Gonçalo Viana são uma face internacional da ilustração portuguesa.
Estes são, respectivamente, os trabalhos dos ilustradores portugueses Marta Monteiro, André da Loba e Gonçalo Viana que podemos ver em Nova Iorque, na exposição Illustrators 56 que decorre no Museum of American Illustration até 1 de Fevereiro.
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Estes são, respectivamente, os trabalhos dos ilustradores portugueses Marta Monteiro, André da Loba e Gonçalo Viana que podemos ver em Nova Iorque, na exposição Illustrators 56 que decorre no Museum of American Illustration até 1 de Fevereiro.
A Illustrators é organizada pela Society of Illustrators, associação que nasceu em 1901 e tem como objectivo promover a arte da ilustração. Como todos os anos, os artistas têm de se candidatar para participar nesta exposição, sendo as obras escolhidas por um júri que atribui ainda medalhas de ouro e prata. O designer gráfico Jorge Silva, que tem promovido a ilustração em Portugal, destaca a importância desta competição que "não é doméstica" e dá um destaque internacional aos ilustradores portugueses. Num mercado tão competitivo e relevante como o norte-americano, é significativo a escolha destes três ilustradores.
Numa altura em que "a ilustração editorial se tornou muito dispensável na comunicação portuguesa geral", em particular na comunicação social, este reconhecimento acaba por vir em contraciclo. No entanto, esta avaliação não terá "infelizmente grandes repercussões no mercado português", uma vez que não lhes dá automaticamente trabalho.
Para o designer gráfico, estamos perante três dos ilustradores mais contemporâneos da ilustração portuguesa: "Estão na vanguarda, na linha da frente."
Ouro para Marta Monteiro
Marta Monteiro, 40 anos e a viver em Penafiel, trabalha como ilustradora freelancer, mas também realiza trabalhos na área do cinema de animação. A ilustradora diz que o seu trabalho mais recente está muito mais colorido, mas continua a gostar de "criar situações um pouco surrealistas". Se há algum ilustrador português com quem sinta alguma afinidade, ele é João Fazenda, por ter "crescido" a olhar para o seu trabalho, apesar de ser mais velha do que Fazenda.
A ilustradora conquistou o ouro na Illustrators 56, na categoria Uncomissioned, com o projecto Little People, que surgiu porque queria aprender a usar uma mesa digital, que permite desenhar imagens directamente no computador. Criou uma imagem que posteriormente associou a uma figura feminina reduzida e percebeu que tinha ali uma narrativa. Ela, que gosta de filmes antigos e de ficção científica, explicou que este trabalho tem algumas referências da sétima arte, nomeadamente do filme The Incredible Shrinking Man e também de As Viagens de Gulliver. Para a autora, Little People ainda não está totalmente terminado: "Gostava de continuar sempre que pudesse. É só mesmo falta de tempo neste momento."
André da Loba, que tem 34 anos, foi considerado em 2010 um dos 200 melhores pela Lürzer's Archive, uma publicação que selecciona os melhores trabalhos em diferentes áreas criativas. Vive em Brooklin, Nova Iorque, onde realiza trabalhos na área da ilustração, animação e design gráfico. É ainda professor na Parsons School of Design e ainda professor convidado do Mestrado em Ilustração do Instituto Superior de Educação e Ciências de Lisboa. Compara-se a um cientista em constante experimentação e ganhou também ganhou uma medalha de ouro na edição passada da Illustrators. Marcado no início de carreira por uma frase de Kveta Pakovska (a quem chama "avó da ilustração moderna") — "a primeira galeria de qualquer miúdo é o livro infantil" —, é por vezes comparado com os construtivistas e futuristas, movimentos de vanguarda, por ser "altamente inspirado" por eles. Diz que são as figurações do que já existiu que o ajudam a chegar onde chegou.
Este ano, o ilustrador voltou a ganhar a medalha de ouro com o projecto Tuttodunpezzo. Utilizou a técnica stopmotion, frame a frame, criando 24 imagens por segundo, o que numa curta de aproximadamente dois minutos ultrapassa as 2800 imagens. André assemelhou todos os seres humanos ao Tuttodunpezzo, o tal homem perfeito que se parte em três: "Andamos na rua, parece que nada nos afecta, mas de vez em quando mandamos cada trambolhão. E temos de os reconstruir, arranjar uma maneira de sair do buraco. Depois saímos e continua. Mas já seguimos de outra maneira. Somos todos um bocado assim. Para ele, a curta mostra também um pouco como funcionam as aparências. "Por mais que sejamos honestos, aparentamos ser muita coisa. Por exemplo, as pessoas acham que como trabalho para o New York Times não tenho problemas com a ilustração ou com a incerteza de ter trabalho no futuro. Vou às coisas e faço e apareço. Mas a verdade é que todos os dias tenho medo de amanhã não ter nada para fazer, ou seja, tenho os meus buracos também por aí."
Na bienal de Lisboa
André da Loba e Marta Monteiro foram também autores dos livros que deram o mote à colecção Autores de Imagens, da Pato Lógico, ambos seleccionados para a Ilustrarte, a bienal internacional de ilustração para a infância que este ano decorre em Portugal, no Museu da Electricidade em Lisboa e começou esta quinta-feira. Como o nome da colecção indica, estes livros têm apenas imagens. Sombras, da autoria de Marta Monteiro, tinha como intenção contar uma história, mas ao mesmo tempo que as imagens pudessem funcionar separadamente. Com o Bestial, André da Loba construiu uma metáfora entre duas coisas aparentemente diferentes — animais e objectos.
Mas voltemos à Illustrators 56. Apesar de não ter ganho medalhas na competição, também Gonçalo Viana tem aqui um trabalho que foi seleccionado e se encontra exposto. O ilustrador, de 39 anos e que vive em Lisboa, estudou Arquitectura, curso que reconhece ter influência sobre os seus trabalhos, tornando-os bastante geométricos.
A sua ilustração intitula-se Fish Tank, integra a categoria Uncomissioned e descreve a sua experiência como jurado noutra competição internacional, desta vez organizada pela revista de ilustração norte-americana 3x3. O mergulhador que descrevemos no início deste texto representa Gonçalo Viana fora do seu habitat natural, porque normalmente o artista é um dos peixes. "Na altura tive a sensação estranha de estar separado do meu próprio meio. De repente, estava a julgar ilustradores de quem gostava muito."
Para a Fish Tank, o autor utilizou como técnica o desenho tradicional, fazendo posteriormente uma pintura digital.
Podemos encontrar algumas semelhanças no trabalho destes ilustradores? De acordo com Jorge Silva, todos os ilustradores têm em comum a não dependência do traço, o que nos mostra a sua contemporaneidade pelo "jogo de gato e rato com o traço". É sinónimo de uma grande destreza pela capacidade de "fazer um dominó de cores e de contrastes", além de um forte domínio das técnicas digitais. Marta Monteiro, por exemplo, usa apenas o traço para salientar determinados elementos da ilustração, definindo as formas através da mancha.
A agilidade digital pode também observar-se no desgaste das texturas, que parece ser natural e analógico, mas que é feito com recurso ao computador. Para Jorge Silva, esta necessidade de texturas revela que os três ilustradores têm saudades do papel e mostram uma certa tendência retro. Curiosamente, todos eles são também perfeitamente "irrealistas", o que torna ainda mais interessante a selecção destes trabalhos por parte dos norte-americanos, que têm muita ilustração realista.
Podemos aproximar o trabalho de Marta Monteiro do de André da Loba pelo registo naïf e opô-lo ao de Gonçalo Viana, que Jorge Silva considera um "neobarroco". O Fish Tank é muito caracterizado pela colagem gráfica: "É um trabalho quase de tapeçaria. Aproveita texturas que são claramente de origem fotográfica e, quando isso é bem feito, de facto é impressionante." Na obra do ilustrador, é também perceptível o seu "horror ao vazio": "Ele é graficamente muito exuberante, quase até ao caos, que ele domina bem."
Complexidade e agilidade
Complexidade é algo que qualquer um dos três ilustradores tem, embora muitas vezes não o pareça. André da Loba, por exemplo, mostra uma grande agilidade mental, ainda que graficamente possa parecer simples. Para Silva, André pode ser caracterizado por um "surrealismo conceptual com tradução graficamente minimal". Já Gonçalo Viana é muito mais literal na narrativa, apesar de essa literalidade não existir no seu registo gráfico.
O designer vê Marta Monteiro como uma ilustradora que exibe uma mestria na sobreposição das cores. Algo também interessante é que em muitas das ilustrações não existem cenários, "um acessório ou um objecto ou uma coisa qualquer é o suficiente para definir a mistura de escalas".
Além de Tuttodunpezzo, André da Loba vai ter também na segunda parte da Illustrators 56 outros trabalhos nas categorias Books e Editorial, em exposição até dia 5 de Março. Estes trabalhos são ilustrações do livro Bestial, que o autor fez com a Pato Lógico.
Para André da Loba, a junção dos desenhos e palavras é tão natural como respirar: "Dizem-me uma palavra e automaticamente penso na imagem graficamente. Todo o fonético da palavra, todas as palavras são inspiradoras nesse sentido."
A distinção dos três portugueses constitui "um mosaico muito interessante" daquilo que se faz em Portugal, diz Jorge Silva: "Em Portugal ilustra-se muito bem desde sempre, mas infelizmente a correspondência no mercado não existe. Não há a mesma retribuição que a qualidade e a quantidade de ilustradores que nós temos merecem."