A troika como nunca a viu
Oito fotógrafos e um realizador juntaram-se no Projecto Troika para mostrar o Portugal que a crise criou.
Querem captar o país que sobrou do resgate financeiro e gravá-lo num livro de fotografia e numa curta-metragem, para memória futura. Chamaram a este trabalho “quase militante” Projecto Troika e esta quinta-feira apresentam-no, na internet. Na página www.projectotroika.com há informação sobre o projecto e os seus autores, mas também sobre a forma como pode ajudar a financiar o trabalho que estão a desenvolver. O Projecto Troika está a contar com o crowdfunding para se concretizar.
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Querem captar o país que sobrou do resgate financeiro e gravá-lo num livro de fotografia e numa curta-metragem, para memória futura. Chamaram a este trabalho “quase militante” Projecto Troika e esta quinta-feira apresentam-no, na internet. Na página www.projectotroika.com há informação sobre o projecto e os seus autores, mas também sobre a forma como pode ajudar a financiar o trabalho que estão a desenvolver. O Projecto Troika está a contar com o crowdfunding para se concretizar.
A ideia partiu de Adriano Miranda. O fotojornalista do PÚBLICO, que já estivera na génese do projecto fotográfico 12.12.12., sentiu que havia um retrato do país que ainda não fora feito e pensou que nada melhor do que uma troika nacional para mostrar o país resgatado pela troika internacional. “Ando tão revoltado e tenho levado tanto no pêlo com estas políticas de austeridade que achei que tinha o dever, quase militante, de fazer alguma coisa. Não querendo repetir o 12.12.12, convidei o Paulo Pimenta, meu colega do PÚBLICO, e a Lara Jacinto para criarmos esta troika”, explica.
A troika, contudo, não duraria muito. Logo na primeira reunião tornou-se claro para todos que o projecto devia ser alargado a mais participantes. Pouco depois, os fotojornalistas José Carlos Carvalho, Rodrigo Cabrita, Vasco Célio (que tinham participado no 12.12.12), António Pedrosa, Bruno Simões Castanheira e o realizador Pedro Neves juntavam-se à obra. Há cerca de um ano que começaram a trabalhar e agora estão prontos para apresentar os primeiros resultados e pedir ao público que embarque neste retrato a nove. Se tudo correr bem, querem lançar o livro com DVD em Outubro e, a partir daí, levar, gratuitamente, o projecto a associações e escolas que o queiram receber.
“Não quisemos apoios de fundações nem de empresas. Queremos que sejam as pessoas comuns a apoiar e a construir o projecto, se entenderem que vale a pena”, diz Adriano Miranda. O modo de participar começa com apenas um euro e está explicado no site. Quem contribuir com esse valor receberá “um grande obrigado de nove autores”, mas quem doar cinco euros receberá em casa um postal com uma imagem do fotojornalista que escolher. O custo do livro com o DVD realizado por Pedro Neves será de 25 euros, caso seja entregue pessoalmente, ou de 30 euros, se for enviado pelo correio. Por 150 euros recebe o livro, o DVD, nove postais e uma impressão de grande qualidade de uma das imagens dos autores.
Esperança de ver o resultado final
Entre os participantes há o nervoso miudinho de quem teme não conseguir angariar o valor necessário até ao final de Setembro – cerca de 15 mil euros –, mas também muita esperança de que as pessoas queiram ver o resultado final, contribuindo para a sua concretização. “Estamos todos a trabalhar com o objectivo de mostrar o que é o país hoje e sem qualquer perspectiva de lucro. Não teremos editora, será uma edição de autor, porque queremos de facto contribuir. Queremos deixar um testemunho para que, daqui a dez anos, as pessoas vejam que nesta altura o país era assim”, diz José Carlos Carvalho, fotojornalista da revista Visão.
E o que os nove autores têm para mostrar são retratos muito pessoais do país. “Uma abordagem muito forte, muito dura, visualmente muito forte”, diz Adriano Miranda.
Quando pensou em criar o Projecto Troika, Adriano lembrou-se de Os Miseráveis de Vítor Hugo. “Depois, transportei essa ideia para Os Despidos, porque me sinto completamente em pele e osso, cada vez mais despido. Não de roupa, mas de direitos, de salário, de saúde, educação, de dignidade. Até sinto que andamos despidos de protesto.” O trabalho que o fotojornalista tem vindo a desenvolver é, por isso, um conjunto de nus, retratos de pessoas que se disponibilizaram a participar no projecto, deixando-se fotografar em casa, no local de trabalho, em espaços que significavam algo para elas. “Pensei que me ia meter num sarilho dos grandes, mas com a ajuda do Facebook tem sido muito fácil. De tal forma que a maior parte das imagens são de pessoas que eu não conheço de lado nenhum”, diz.
Lara Jacinto demorou a escolher o que queria fotografar, mas agora anda às voltas com a emigração. “É uma questão que tem muito a ver com a minha geração, que sinto que está a ficar em muitos maus lençóis. A perda de pessoas para o país é muitíssimo grande e não sei se é reversível ou se algum dia vamos recuperar aquilo de que estamos a abdicar”, diz. E acrescenta: “Não podemos passar por este momento, que nos incomoda tanto enquanto autores, e não fazer alguma coisa.”
O Portugal que José Carlos Carvalho anda a guardar no seu álbum desde que a troika entrou no país, em 2011, é aquele cuja descrição já foi repetida até à exaustão. “Ouvimos todos os dias comentários de que as pessoas estão tristes, paradas, resignadas. O que tenho tentado ao longo destes anos é mostrar isto, o que vejo na rua e com que as pessoas também se deparam todos os dias. Imagens de pessoas e do fundo por onde passam e que amanhã pode já não ser a mesma coisa que era naquele momento irrepetível”, explica.
Na página principal do site há um vídeo de apresentação, realizado por Pedro Neves, que resulta da junção de várias fotografias dos participantes no Projecto Troika e das palavras que escolheram para descrever os dias de hoje e que eles, lentamente, vão dizendo. O realizador tem várias ideias sobre a curta-metragem que quer fazer, mas ainda não se decidiu por uma. “Terá, de certeza, como pano de fundo a frase mais enganosa e fraudulenta dos últimos anos, que nos repetiram até à exaustão, para justificar tudo: ‘Andamos a viver acima das nossas possibilidades’”, diz.
Pedro Neves ainda acarinha a possibilidade de fazer um outro filme, para juntar à curta-metragem, que partisse do acompanhamento de um dia de trabalho dos colegas de projecto – não um “making of”, defende, “mas uma reflexão sobre o trabalho desenvolvido”. Mas, para isso, são precisos fundos. E, para já, o Projecto Troika ainda não está financiado.