A banalidade do bem?

Costuma-se dizer "em terra de cego quem tem olho é rei." Eu gostava de parafrasear este ditado, mas fico-me só pela primeira parte: em terra de aldrabões... Confesso a minha limitação — o que é preciso para ser rei numa terra de aldrabões?

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Reuters

Houve um momento que questionei um velhote sobre duas virtudes: a bondade e honestidade. Diz-me o ancião que há virtudes que são tão inerentes aos homens como as pestanas. Respondi que não percebi o que ele queria dizer com aquilo, ele dissolve as palavras obtusas e dá uma explicação: "Eu sei que há pessoas que se orgulham de ter pernas, pestanas ou braços. Todavia, se fores a ver bem quase todos nós temos pernas, pestanas ou braços. Quase todos nós recebemos já no ventre materno pernas, pestanas ou braços. O mesmo acontece com a bondade e a honestidade. Há quem encare as virtudes como algo excepcional, mas todos nós temos virtudes. Da mesma forma que um desportista sabe usar melhor as pernas do que tu, há pessoas que sabem usar melhor as suas virtudes que outras." Eu quis continuar o diálogo e disse: "E se não forem virtudes?" Ele replicou: "Infelizmente, é a mesma conversa."

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Houve um momento que questionei um velhote sobre duas virtudes: a bondade e honestidade. Diz-me o ancião que há virtudes que são tão inerentes aos homens como as pestanas. Respondi que não percebi o que ele queria dizer com aquilo, ele dissolve as palavras obtusas e dá uma explicação: "Eu sei que há pessoas que se orgulham de ter pernas, pestanas ou braços. Todavia, se fores a ver bem quase todos nós temos pernas, pestanas ou braços. Quase todos nós recebemos já no ventre materno pernas, pestanas ou braços. O mesmo acontece com a bondade e a honestidade. Há quem encare as virtudes como algo excepcional, mas todos nós temos virtudes. Da mesma forma que um desportista sabe usar melhor as pernas do que tu, há pessoas que sabem usar melhor as suas virtudes que outras." Eu quis continuar o diálogo e disse: "E se não forem virtudes?" Ele replicou: "Infelizmente, é a mesma conversa."


Costuma-se dizer "em terra de cego quem tem olho é rei." Eu gostava de parafrasear este ditado, mas fico-me só pela primeira parte: em terra de aldrabões... Confesso a minha limitação — o que é preciso para ser rei numa terra de aldrabões?


Digo isto a título de provocação, ainda no outro dia ouvi um senhor orgulhoso dizer que na sua vida nunca recorreu a uma cunha para arranjar um tacho para os filhos. No momento em que este senhor diz-me isto, não pensei muito no assunto. Mas dias depois, um amigo lembra-me que não procurar cunhas não pode ser motivo de orgulho. Aliás, fazer a coisa correcta não deve ser motivo de orgulho. Concordo com a lógica do meu amigo, mas pergunto-me: se não valorizamos as virtudes não corremos o risco de banalizar qualidades determinantes para a sociedade?


Este dilema é complexo, nós temos inerentemente desconfiança da ética. Principalmente, porque a ética é exigente. Eu próprio penso no assunto: e se eu precisar de um favor? E se tiver de socorrer-me de uma cunha? Não é que alguma vez eu tenha tido uma cunha ou um favor, mas será que devo fechar definitivamente todas as portas e janelas de oportunidades. Será que exigir atitudes e comportamentos dentro de uma ética restrita — para não mencionar que é aborrecido — não pode ser demasiado confrangedor e constrangedor?


Nós precisamos da ética, na política e no meio empresarial. A economia sem ética não é só selvagem e desigual. A economia sem ética, estagna. Mas os problemas com a ética começam em nós próprios, tornando os problemas sociais e económicos que enfrentamos num verdadeiro ciclo vicioso.