O desporto favorito das mulheres?

Serão os filmes ainda o mais importante em Lars von Trier? Será cada novo filme de Von Trier um fim em si, um objecto central, ou apenas uma peça de uma operação muito mais vasta que faz dos filmes apenas o pretexto e o sustentáculo? Longe vai a época em que ele era um obscuro cineasta dinamarquês do circuito art house a quem nem os media nem as “massas” ligavam pevides. Hoje ele está noutro nível, o das pop stars (e starlets) que vivem da maneira como alimentam constantemente uma audiência “global” com notícias vagamente escandalosas sobre o que fizeram ou vão fazer (“um filme porno”), sobre o que disseram ou deixaram de dizer (vide o “momento Hitler” de Cannes há uns anos). E isto, como acontece com uma Madonna ou, de modo ainda mais ridículo, com uma Miley Cyrus (há uma nova todos os anos), começa a fazer parte da obra de Von Trier, começa a ser, ou já é mesmo, também a obra de Von Trier: é um provocador, um prankster, um propagandista de si próprio, numa escala que talvez seja inédita (o cinema teve outros provocadores e outros pranksters, Orson Welles ocorre à memória, mas no tempo deles não havia a Internet, as redes sociais, as “auto-estradas da informação”). Nada contra, é até o lado mais interessante de Von Trier - que de resto há muito ganhou o gosto do gimmick, do truque, da farsa encenada com toda a seriedade teórica (o Dogma 95...). Mas os filmes sofrem, até porque o mais difícil é estarem à altura da máquina de propaganda que em torno deles se põe a mexer. O caso de Ninfomaníaca, por exemplo: com toda a “informação” sobre o filme posta a circular desde o anúncio do projecto, toda a elaboração publicitária construída sobre, que espaço é que o filme tem para respirar para além da confirmação de tudo o que o espectador já sabe, ou pensa saber, sobre ele? Ironia das ironias, nem é possível saber exactamente que filme é que é Ninfomaníaca, porque no momento em que é estreado (em duas partes separadas, totalizando cerca de quatro horas) se anunciam outras versões, mais longas, ou mais hardcore, ou o que seja. Caso para dizer que “Ninfomaníacas” há muitas, e que para já nem é possível estar seguro de se ter nas mãos a “Ninfomaníaca” certa.

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Serão os filmes ainda o mais importante em Lars von Trier? Será cada novo filme de Von Trier um fim em si, um objecto central, ou apenas uma peça de uma operação muito mais vasta que faz dos filmes apenas o pretexto e o sustentáculo? Longe vai a época em que ele era um obscuro cineasta dinamarquês do circuito art house a quem nem os media nem as “massas” ligavam pevides. Hoje ele está noutro nível, o das pop stars (e starlets) que vivem da maneira como alimentam constantemente uma audiência “global” com notícias vagamente escandalosas sobre o que fizeram ou vão fazer (“um filme porno”), sobre o que disseram ou deixaram de dizer (vide o “momento Hitler” de Cannes há uns anos). E isto, como acontece com uma Madonna ou, de modo ainda mais ridículo, com uma Miley Cyrus (há uma nova todos os anos), começa a fazer parte da obra de Von Trier, começa a ser, ou já é mesmo, também a obra de Von Trier: é um provocador, um prankster, um propagandista de si próprio, numa escala que talvez seja inédita (o cinema teve outros provocadores e outros pranksters, Orson Welles ocorre à memória, mas no tempo deles não havia a Internet, as redes sociais, as “auto-estradas da informação”). Nada contra, é até o lado mais interessante de Von Trier - que de resto há muito ganhou o gosto do gimmick, do truque, da farsa encenada com toda a seriedade teórica (o Dogma 95...). Mas os filmes sofrem, até porque o mais difícil é estarem à altura da máquina de propaganda que em torno deles se põe a mexer. O caso de Ninfomaníaca, por exemplo: com toda a “informação” sobre o filme posta a circular desde o anúncio do projecto, toda a elaboração publicitária construída sobre, que espaço é que o filme tem para respirar para além da confirmação de tudo o que o espectador já sabe, ou pensa saber, sobre ele? Ironia das ironias, nem é possível saber exactamente que filme é que é Ninfomaníaca, porque no momento em que é estreado (em duas partes separadas, totalizando cerca de quatro horas) se anunciam outras versões, mais longas, ou mais hardcore, ou o que seja. Caso para dizer que “Ninfomaníacas” há muitas, e que para já nem é possível estar seguro de se ter nas mãos a “Ninfomaníaca” certa.


Além de que ainda vai a meio, e a Parte II, anunciada por uma espécie de cliffhanger que até é o momento mais farsolas do filme (a nossa heroína perde, digamos, a sensibilidade, em plena função), só vai ser vista daqui a umas semanas. Isto é, portanto, um balanço ao intervalo. E um balanço desconcertado, pelas piores razões - porque se durante vinte minutos ainda nos mantemos numa certa expectativa (isto é para levar a sério ou ele está a gozar connosco?) depressa se percebe que a resposta à dúvida é irrelevante (porque a seriedade é risível e porque o gozo é bisonho). O sexo como fonte de vida (a água da chuva nos primeiros planos) e como sordidez (as tampas dos caixotes de lixo onde a água da chuva bate nesses primeiros planos): é a “dicotomia” razoavelmente puritana sobre a qual von Trier constrói o filme e ainda não está resolvida ao intervalo. Construído em racconto (Charlotte Gainsbourg, auto-denominadamente um “ser humano mau”, a ditar a sua vida uma espécie de “padre”, Stellan Skarsgard), nenhum dos cinco episódios desta primeira parte se desenrascou ainda deste olhar aos avanços e recuos, sempre renitentemente libertário e timidamente castigador. Os diálogos são de uma banalidade atroz, temperados por alusões a Bach, aos números de Fibonacci, à Casa Usher de Poe, num misticismo “elevado” (e “eivado”) que deve ser a expressão do que Rivette apelidava de “trauma Dreyer” de Von Trier. Não tão rísivel, ainda assim, do que as metáforas com a pesca e a cultura piscícola (“o sexo oral é o seu ''rappala''”, diz Skarsgard a Gainsbourg, em tom de exaltada solenidade), como se isto a versão séria, e portanto involuntariamente cómica, do Desporto Favorito dos Homens? de Howard Hawks. Mais do que nas cenas de sexo (até agora bem mais pudicas do que o prometido), o “porno” está na quantidade de efeitos plásticos gratuitos, inscrições e digressões “cósmicas” (Von Trier não terá visto Hawks, mas andou a ver o seu Malick) que atafulham vários planos e várias sequências. Passeia-se pelo filme um rol de gente - de Shia Laboeuf, bem a fazer jus ao nome bovino, a Uma Thurman, em versão menos tarantinesca e mais corriqueira de mulher despeitada - e fora Stacy Martin (que faz a Gainsbourg jovem e está lá para distribuir fellatios a torto e a direito) ainda não se percebeu muito bem o que anda toda essa gente lá a fazer. Mas estamos no intervalo, e às vezes as segundas partes trazem transfigurações épicas. Mas não apostávamos nisso.