Que os partidos se abram ao mundo: voto preferencial já
1.
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1.
Tenho escrito aqui, a respeito dos mais vários episódios da vida política, que o regime está em crise. Importa tomar consciência que a crise que vivemos não é tão-só económica e financeira. É também uma crise política e, bem mais do que isso, uma crise de valores de escala “societal”. Mostra-se, por isso, crucial perceber que a resolução de alguns dos mais graves problemas das finanças e da economia passa por uma “reabilitação” do sistema político e, em especial, do sistema partidário. A crónica ausência de consenso quanto aos temas estratégicos fundamentais – e, em especial, de consenso operacional, prático, executado no terreno – é um exemplo óbvio da mirração na nossa esfera política-partidária.
Este sentimento agudo de crise está directamente relacionado com o enquistamento e fechamento progressivo dos partidos políticos. Os partidos políticos e os seus protagonistas – aqueles a que se chama habitualmente, e numa amálgama, a “classe política” – são percepcionados, cada vez mais, como entidades e personalidades “desfasadas” e “divorciadas” do quotidiano e da realidade dos cidadãos. Trata-se, com efeito, de uma quebra de credibilidade e de uma falha da confiança. Ora, esta quebra de confiança põe em xeque a viabilidade do valor da representação, valor este que é absolutamente indispensável à democracia (tal como a entendemos e praticamos no mundo ocidental).
2.
Muita gente – dentro e fora da bacia partidária – tem consciência deste problema. A verdade, porém, é que a experiência das últimas décadas prova e comprova que os partidos dificilmente são capazes de se reformar por sua própria iniciativa. Existe uma inércia interna, feita de uma cultura de aparelho de poder, que os torna hostis e renitentes a qualquer mudança. Eis o que explica que não adoptem espontaneamente práticas de equilíbrio de género, não promovam motu propriu a limitação e renovação de mandatos executivos, sejam relapsos a qualquer esquema de selecção de candidatos que possa envolver não militantes. Em parcas palavras, o vírus partidário é multi-resistente. O restabelecimento da ligação entre os partidos políticos e os cidadãos tem de passar por um câmbio desta cultura partidária. E este câmbio só pode ser imposto de fora, só pode ser originado por um factor externo (ainda que ele passe por uma decisão interna de adesão a essa mudança). Esse factor é naturalmente a legislação eleitoral. Legislação que há-de ser reformada procurando reforçar designadamente o poder dos eleitores na escolha concreta dos seus representantes.
3.
De há muito que circulam nos meios académicos e outrossim na esfera pública (e até especificamente política) as mais diversas propostas de reforma das leis eleitorais. Recentemente, todavia, o debate foi relançado pela proposta do politólogo Pedro Magalhães de introdução do voto preferencial. Proposta secundada pelo Director do Expresso, Ricardo Costa, e logo superada por um antigo Director, Henrique Monteiro. Este foi mais longe e sugeriu a introdução do chamado “sistema eleitoral misto” alemão, que, sem afectar a proporcionalidade, elege metade dos deputados em círculos uninominais. Faz largo tempo que defendo que, nas eleições por lista, deveríamos acolher o voto preferencial, dando finalmente uma oportunidade aos eleitores de imporem a sua vontade aos directórios partidários nacionais e distritais e forçando a abertura dos partidos à dinâmica da sociedade. E, se isso for possível, nas eleições para a Assembleia da República, preferia mesmo a adopção do sistema misto. Não tenho qualquer ilusão sobre medidas com eficácia mítico-mágica para a refundação do sistema político e da sua infraestrutura partidária. Mas não tenho também sombra de dúvida que a adesão ao voto preferencial e a instituição de uma rede de círculos uninominais contribuirá relevantemente para alterar a cultura “endogâmica” dos partidos e para abrir o sistema político aos cidadãos. Diminuirá o peso dos aparelhos e da nomenclatura e aumentará a influência e a voz dos eleitores.
4.
Os partidos da maioria – e, em particular, o PSD, de que sou militante – têm-se reclamado de uma agenda reformista para o país. Mas têm centrado a execução dessa agenda nos domínios económico e financeiro, subordinando a dimensão político-institucional à sua relevância económico-financeira. Não pode recriminar-se o sobrepeso do Estado na vida económica e financeira e ignorar o excesso de peso dos partidos (e do seu aparelho de poder) na vida política. Não pode querer-se, em nome das gerações futuras, libertar a sociedade civil e manter, em estado de menoridade, os cidadãos das gerações presentes. De resto, não é de excluir que uma parte daquele peso excessivo do Estado anda associado ao peso excessivo das máquinas partidárias.
Creio que é tempo de o PSD – em pleno ciclo eleitoral interno – liderar uma agenda de renovação do sistema eleitoral, lançando pontes para todos os outros partidos (em especial, para o PS e o CDS). As eleições para o Parlamento Europeu revestem características únicas para se testar o voto preferencial. Apesar da proximidade de calendário, não vejo nenhuma razão para não se lançar este repto, abrindo os critérios da escolha partidária às preferências sociais, reforçando o poder dos cidadãos na escolha dos seus deputados e criando um novo e enorme incentivo à participação. Avancemos, pois, nesta ofensiva política. Para que os partidos se abram ao mundo. E para que o mundo não se feche aos partidos.
Deputado Europeu (PSD)
paulo.rangel@europarl.europa.eu