O sonho evanescente de um jornalismo independente
Quem quiser saber quais são os impactos desta ou daquela política tem hoje de se dedicar a um trabalho insano.
Humoristas como os americanos Jon Stewart e George Carlin, como os britânicos Monty Python ou Ricky Gervais, como o francês Coluche ou como os portugueses Mário Viegas, Bruno Nogueira ou Ricardo Araújo Pereira tiveram ou têm um papel mais importante na visão crítica da sociedade e na denúncia de injustiças ou de absurdos do que a esmagadora maioria dos media de informação e dos jornalistas profissionais.
Mas não se trata só dos humoristas. Uma das grandes alterações do panorama mediático dos últimos anos, em Portugal e não só, foi a relevância conquistada pelos artigos de opinião. Hoje em dia, uma percentagem elevada de leitores de jornais e sites começa a sua leitura diária pela secção de Opinião e dedica a estes textos um tempo muito superior ao que dedica aos textos noticiosos. O êxito dos blogs na primeira década do século ou das redes sociais nesta década é aliás um reflexo desta valorização da opinião, ainda que produzida por autores muitas vezes comprometidos ou mesmo fortemente sectários. Porque é que essa parcialidade dos pontos de vista não reduz de forma dramática a audiência e a credibilidade dos opinadores? Porque a parcialidade é compensada pela enorme riqueza e variedade de pontos de vista disponível na Internet e pelo controlo que o sistema de comentários consegue fazer, corrigindo erros e compensando exageros.
Nada disto seria um problema se não se desse o facto de que estes cidadãos procuram cada vez mais as crónicas humorísticas e os artigos de Opinião não só para saber o que os seus autores pensam mas principalmente para “saber o que aconteceu”, ou “o que aconteceu de importante” ou “o que quer dizer aquilo que aconteceu” - num cenário onde essa informação já não pode, ou quase não pode, ser extraída da actividade jornalística e das notícias em particular.
De facto, assistimos nos últimos trinta anos (desde o consulado de Margaret Thatcher, também conhecida pelo petit nom “TINA”, de “There Is No Alternative”) a uma investida da agenda neoliberal que se tem traduzido não só na imposição de visões ideológicas da extrema-direita económica pela propaganda partidária mas também numa captura da actividade jornalística, de forma a censurar de facto qualquer veleidade de discurso independente. Este cerco e subsequente conquista do jornalismo (com raras excepções pontuais) foi possível devido ao uso combinado de diferentes armas e ao concurso de algumas circunstâncias fortuitas, mas hoje está quase completamente concluído. Quem quiser saber o que se passa de facto na política portuguesa ou europeia, quais serão os impactos desta ou daquela política, tem hoje de dedicar um tempo insano à leitura de blogs de especialistas e comentadores independentes, de textos de organizações partidárias e profissionais, de estudos académicos. O jornalismo costumava fazer-nos poupar tempo mas deixou de o fazer. O que o grosso do jornalismo hoje nos oferece (e a televisão tem aqui o principal papel) não é mais do que a repetição de um discurso hegemónico, de carácter propagandístico, de direita (defensor da desigualdade), que nos repete que não há alternativa (TINA) ao crescimento da pobreza, à desigualdade, ao enriquecimento dos mais ricos, à destruição do estado social, à degradação do trabalho, à exclusão dos pobres.
Isto não significa que a função de fact checking do discurso do poder não seja feita (esporadicamente) por alguns jornalistas e órgãos de imprensa, mas significa que essa função é silenciada por uma enxurrada de propaganda, que os media repetem, com a desculpa de que estão “a citar o primeiro-ministro” ou outra semelhante e com o argumento (verdadeiro) de que não possuem meios para verificar tudo o que o homem diz.
Veja-se o que se passa com a invenção do “aumento do emprego” do discurso de Passos Coelho, ou com a aldrabice da “retoma económica” que o Governo tem vindo a repetir, ou com a ficção do “programa cautelar” delicodoce que Cavaco Silva elogia ou com a abjecção da “insustentabilidade das pensões” que PSD e CDS apregoam. Não há pessoas a denunciar estas e outras aldrabices? Há, e há-as da esquerda radical à direita democrata-cristã (a sério) e as vozes que o dizem são reconhecidamente competentes e respeitadas. Mas são vozes singulares num mar de discurso propagandístico avassalador que repete a voz do dono e onde as televisões ocupam a parte de leão. Este é o cancro que se encontra no centro do problema político das sociedades actuais.
jvmalheiros@gmail.com
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Humoristas como os americanos Jon Stewart e George Carlin, como os britânicos Monty Python ou Ricky Gervais, como o francês Coluche ou como os portugueses Mário Viegas, Bruno Nogueira ou Ricardo Araújo Pereira tiveram ou têm um papel mais importante na visão crítica da sociedade e na denúncia de injustiças ou de absurdos do que a esmagadora maioria dos media de informação e dos jornalistas profissionais.
Mas não se trata só dos humoristas. Uma das grandes alterações do panorama mediático dos últimos anos, em Portugal e não só, foi a relevância conquistada pelos artigos de opinião. Hoje em dia, uma percentagem elevada de leitores de jornais e sites começa a sua leitura diária pela secção de Opinião e dedica a estes textos um tempo muito superior ao que dedica aos textos noticiosos. O êxito dos blogs na primeira década do século ou das redes sociais nesta década é aliás um reflexo desta valorização da opinião, ainda que produzida por autores muitas vezes comprometidos ou mesmo fortemente sectários. Porque é que essa parcialidade dos pontos de vista não reduz de forma dramática a audiência e a credibilidade dos opinadores? Porque a parcialidade é compensada pela enorme riqueza e variedade de pontos de vista disponível na Internet e pelo controlo que o sistema de comentários consegue fazer, corrigindo erros e compensando exageros.
Nada disto seria um problema se não se desse o facto de que estes cidadãos procuram cada vez mais as crónicas humorísticas e os artigos de Opinião não só para saber o que os seus autores pensam mas principalmente para “saber o que aconteceu”, ou “o que aconteceu de importante” ou “o que quer dizer aquilo que aconteceu” - num cenário onde essa informação já não pode, ou quase não pode, ser extraída da actividade jornalística e das notícias em particular.
De facto, assistimos nos últimos trinta anos (desde o consulado de Margaret Thatcher, também conhecida pelo petit nom “TINA”, de “There Is No Alternative”) a uma investida da agenda neoliberal que se tem traduzido não só na imposição de visões ideológicas da extrema-direita económica pela propaganda partidária mas também numa captura da actividade jornalística, de forma a censurar de facto qualquer veleidade de discurso independente. Este cerco e subsequente conquista do jornalismo (com raras excepções pontuais) foi possível devido ao uso combinado de diferentes armas e ao concurso de algumas circunstâncias fortuitas, mas hoje está quase completamente concluído. Quem quiser saber o que se passa de facto na política portuguesa ou europeia, quais serão os impactos desta ou daquela política, tem hoje de dedicar um tempo insano à leitura de blogs de especialistas e comentadores independentes, de textos de organizações partidárias e profissionais, de estudos académicos. O jornalismo costumava fazer-nos poupar tempo mas deixou de o fazer. O que o grosso do jornalismo hoje nos oferece (e a televisão tem aqui o principal papel) não é mais do que a repetição de um discurso hegemónico, de carácter propagandístico, de direita (defensor da desigualdade), que nos repete que não há alternativa (TINA) ao crescimento da pobreza, à desigualdade, ao enriquecimento dos mais ricos, à destruição do estado social, à degradação do trabalho, à exclusão dos pobres.
Isto não significa que a função de fact checking do discurso do poder não seja feita (esporadicamente) por alguns jornalistas e órgãos de imprensa, mas significa que essa função é silenciada por uma enxurrada de propaganda, que os media repetem, com a desculpa de que estão “a citar o primeiro-ministro” ou outra semelhante e com o argumento (verdadeiro) de que não possuem meios para verificar tudo o que o homem diz.
Veja-se o que se passa com a invenção do “aumento do emprego” do discurso de Passos Coelho, ou com a aldrabice da “retoma económica” que o Governo tem vindo a repetir, ou com a ficção do “programa cautelar” delicodoce que Cavaco Silva elogia ou com a abjecção da “insustentabilidade das pensões” que PSD e CDS apregoam. Não há pessoas a denunciar estas e outras aldrabices? Há, e há-as da esquerda radical à direita democrata-cristã (a sério) e as vozes que o dizem são reconhecidamente competentes e respeitadas. Mas são vozes singulares num mar de discurso propagandístico avassalador que repete a voz do dono e onde as televisões ocupam a parte de leão. Este é o cancro que se encontra no centro do problema político das sociedades actuais.
jvmalheiros@gmail.com