Sucesso no programa de assistência?
Pedimos ajuda numa conjuntura difícil. Interessa pouco neste contexto como chegamos a essa necessidade mas o que é factual é que os investidores que potencialmente compravam a nossa dívida começaram a ter cada vez mais dúvidas sobre a nossa capacidade de cumprir. O processo foi rápido, os spreads públicos (diferença entre a nossa taxa de juro e a da Alemanha) subiram muito, as empresas de rating passaram a classificar a nossa dívida como lixo, os Bancos deixaram de se conseguir financiar junto dos seus parceiros internacionais e o país deixou de ter capacidade de se refinanciar a taxas suportáveis pela nossa frágil economia.
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Pedimos ajuda numa conjuntura difícil. Interessa pouco neste contexto como chegamos a essa necessidade mas o que é factual é que os investidores que potencialmente compravam a nossa dívida começaram a ter cada vez mais dúvidas sobre a nossa capacidade de cumprir. O processo foi rápido, os spreads públicos (diferença entre a nossa taxa de juro e a da Alemanha) subiram muito, as empresas de rating passaram a classificar a nossa dívida como lixo, os Bancos deixaram de se conseguir financiar junto dos seus parceiros internacionais e o país deixou de ter capacidade de se refinanciar a taxas suportáveis pela nossa frágil economia.
Portugal pediu ajuda em 7 de Abril de 2011 e a 17 de Maio o Conselho Europeu assinou o acordo. Convenhamos que é assinável um tempo tão curto entre o pedido e a decisão mas a razão é óbvia: estava em causa preservar a estabilidade financeira portuguesa através de um programa que restaurasse a confiança e permitisse que a economia crescesse mas é claro que o interesse não era só nosso. A zona euro e a União Europeia muito tinham a perder se não se encontrasse uma solução deste tipo em tempo útil, é o tal efeito de contágio, que todos quereriam evitar. É por este equilíbrio de interesses que se poderá defender que Portugal poderia ter obtido um melhor acordo mas não terá sido mau de todo e previa o financiamento de 78 mil milhões de euros, o que nos dava alguma segurança para as necessidades dos anos seguintes.
Poderíamos tentar classificar o eventual sucesso na execução do programa de ajustamento económico e financeiro se atendermos aos dois objectivos iniciais. Estava em causa em primeiro lugar restabelecer a confiança nos sectores público e bancário mas também, cumulativamente, apoiar o crescimento da economia e o emprego. Ora hoje temos evidência de maior confiança, basta ver as taxas de juro implícitas no mercado secundário mas e crescimento e emprego? Aqui estamos muito longe do que foi projectado no início do programa. Tivemos então um sucesso, assinalável, no primeiro objectivo e um fracasso, justificado ou não, no segundo.
Em termos absolutamente técnicos há naturalmente um balanço que temos que fazer com a execução do programa. Estavam previstas reformas estruturais profundas que aumentassem a capacidade de crescimento da economia e a criação de emprego, assim como aumentariam a nossa competitividade, nomeadamente através de uma desvalorização fiscal. Claro que a visão estratégica estava correta e nessa estaremos todos de acordo. Onde divergimos é nos meios de lá chegar, isto é, as politicas e alterações de legislação que facilitassem alcançar os objectivos da estratégia. A troika “facilitou” ou impôs algumas destas politicas, que passavam por reformas no mercado de trabalho, no sistema judicial e também nos serviços prestados pelo Estado. Não estou naturalmente a ser exaustivo, a leitura do memorando de entendimento mostra bem o detalhe de certas alterações que algum grupo de supostos peritos terá desenhado para que a economia crescesse, a competitividade melhorasse e se atingisse o chamado ajustamento económico. Estas alterações faziam parte de uma estratégia de consolidação orçamental, que se queria credível e equilibrada pois não nos podemos esquecer que o ponto fundamental que estava em causa era readquirir a confiança nos investidores, algo que permitisse, no fim do programa, que Portugal tivesse a capacidade de se financiar nos mercados para reembolsar o que troika entretanto tinha adiantado.
Quantificaram-se metas a atingir para o reequilíbrio das finanças públicas, que podemos resumir em chegar a um défice de 3% do PIB em 2013. Sabemos que não chegamos nem perto deste valor e alguns meios de lá chegar, nomeadamente o controlo das parcerias público-privadas (PPP) e dos encargos com as empresas estatais (EE) parecem, para quem está de fora, que se mantêm como problemas adiados. No sector financeiro há trabalho feito. Nesta área muitos reclamam que o interesse dos Bancos foi salvaguardado, inclusive às custas de reduções de apoio social ou até das remunerações dos funcionários públicos. É uma acusação política que entendo como tal mas roçará a maldade de tão injusta. Aos Bancos foram impostas alterações de regras de funcionamento básicas, especificamente em relação ao grau de alavancagem que estavam até aí autorizados a operar e que muitos tomaram como certo para decidirem investir nas suas acções. Mas o chamado princípio da confiança não se aplicará a esta gente, são capitalistas que têm que prever que as regras podem ser alteradas a qualquer momento e sem pré-aviso e não viria mal ao mundo se perdessem algum. O Estado alterou as regras mas emprestou dinheiro para que os Bancos se capitalizassem em conformidade, claro que a juros e condições extorsionárias, algo que seria usura se fossemos nós a fazer mas aqui era apenas o interesse do país que estava em causa, mais uma vez a retoma da confiança. Não admira que neste processo os Bancos passassem a perder dinheiro em barda no período de assistência, mesmo esperneando no que podiam, nomeadamente através da falta de apoio às renegociações das PPP e outros projectos no modelo de project finance onde tinham aplicado os seus recursos, assim como em novas maldades que foram inventando, onde se incluem muitos dos swaps que celebraram com empresas e com o Estado.
Claro que muitos dos que reclamam sucesso no programa de assistência argumentam que Portugal passou como bom aluno todas as revisões regulares mas é preciso atender que nestas avaliações estão em causa os resultados das políticas que a própria troika exigiu. Existindo esta cumplicidade na definição das políticas não admira que depois sejam brandos na avaliação. De facto e em rigor não se trata até bem de avaliações mas sim de análises de desvios em relação a políticas e objectivos desenhados em comum. Assim se percebe como a retracção em excesso da economia, assim como o nível de desemprego que atingimos e consequentemente o aumento do défice e sucessivo aumento do peso da dívida no PIB não tenham sido relevantes nas avaliações positivas aos 10 exames regulares a que nos sujeitamos.
Há uma parte de todo este processo que choca em particular, as alterações das condições de vida dos portugueses em geral, em particular dos que recebiam do Estado, que passaram a receber menos, e dos que trabalhavam para as empresas privadas em que tantos deixaram de ter emprego. Cumulativamente houve um esforço de redução de despesas do Estado que em parte terá sido compensada por algum aumento de eficiência mas que naturalmente teve um impacto negativo na panóplia de serviços a que estávamos habituados. Muitos economistas têm uma visão fria sobre este assunto, argumentando que pela estrutura de custos das despesas do Estado seria inevitável esta repartição de sacrifícios. Outros, mais idealistas, lamentam as injustiças deste processo mostrando que são sempre os mesmos que pagam a crise. Têm todos razão, o mundo não é justo nem o será por certo nos nossos tempos.
Há poucos meses, ou há cerca de um ano, tornou-se moda falar em espiral recessiva. Dou o mérito a Cavaco Silva ter introduzido este tema, alertando que a redução drástica da procura levaria ao encerramento de empresas e ao agravamento do desemprego, tornando-se num ciclo vicioso que era preciso interromper. Numa excepção à avaliação que muitos fazem do nosso presidente, quase todos se reviram neste comentário e choveram críticas ao governo que não tinha habilidade de reverter a situação. Efectivamente só com muita imaginação se poderia na altura negar o insucesso das politicas da troika. Antigos ministros das finanças, como Bagão Félix, Miguel Cadilhe, Medina Carreira e Miguel Beleza não estavam de acordo no diagnóstico à economia mas independentemente dos sinais negativos da mesma consideravam que o termo “espiral recessiva” era exagerado e não podia ser lido ou ouvido como mais que um aviso à governação. Felizmente que a economia não confirmou este estado de coisas e 6 meses depois alguns sinais tímidos de recuperação começaram a aparecer. Para o governo era uma aposta ganha, tinham tido razão na aplicação das medidas. Para nós era um sinal de esperança porque as medidas só nos tinham posto a vida mais difícil. Para os investidores, para os tais que encenamos tudo isto, era um sinal positivo e a percepção do risco foi diminuindo, um sucesso se nos lembrarmos que este era um dos objectivos principais de todo este processo.
É preciso lembrar que tanto o MEEF como o FEEF nos emprestaram dinheiro no início do programa com um spread entre 208 e 215 pontos base. Para quem não está familiarizado com estes termos, quer isto dizer que pediam dinheiro emprestado para nos emprestar a nós com mais cerca de 2% que o seu custo. Isto significa que na altura nos emprestaram a 5% para os empréstimos a 5 anos e 5,7% para os empréstimos a 10 anos. O FMI fez-nos um desconto na parcela de 26 mil milhões que nos emprestaria a 3,25% nos primeiros 3 anos e 4,25% nos anos seguintes. Ora o mercado neste momento empresta-nos a pouco mais que 5% a 10 anos e não me admiraria que até Maio estejamos a pagar 4,5% e não, não acho que seja coincidência que tenha sido este nível de taxas que o ministro Rui Machete tenha referido “como hipótese”.
Em resumo, e sem considerações sobre responsabilidades, Portugal está perto do final do programa de assistência e com condições de substituir a troika por investidores que estão no mercado. É um sucesso assinalável face às condições em que o País pediu ajuda. Existir um programa cautelar entretanto é uma questão de bom senso e só poderá ser criticado por razões políticas. Programa cautelar é assim como negociar uma conta caucionada para eventuais necessidades futuras, algo que naturalmente reduz a percepção do risco dos investidores que queremos captar, o que se traduzirá num desconto nas taxas de juro que teremos que contratar.
O presidente Cavaco Silva pode-se ter adiantado na discussão do pós-troika. Volvidos estes meses não me parece nada que estivesse adiantado, antes pelo contrário. A vontade de qualquer político será devolver às pessoas a qualidade de vida que já tiveram, se possível anulando os abusos e premiando os que mais trabalham ou os que mais precisam. Deixar a troika implica deixar de ter um parceiro que nos ajude na definição de politicas mas continuamos a ter que cumprir com o que é estabelecido na Europa para todos os membros. Cumprir com a Europa é fundamental para continuarmos a ter o apoio que muitas vezes menosprezamos como a rede que o BCE nos vai implicitamente colocando para suportar os níveis de taxas de juro. Mas sabemos como a política funciona e que tantos já anseiam há muito alterações de governo que permitam novas oportunidades de negócio. É sem dúvida um tempo com responsabilidades acrescidas e, naturalmente, com novos riscos.
O programa de assistência foi um sucesso, isto é, teremos agora novas oportunidades de fazermos as coisas direitas. Voltar a ter opções é bom, é excelente, veremos como as exercem quem viermos a escolher e quem se disponibilizará para exercer essas funções. A expectativa é grande, mas este é o sistema que temos!
Consultor em projectos de investimento e seguros de crédito