Os cadernos menos azuis
A Firmo lançou uma nova série de cadernos, mais estreitos, feios, de papel pior, com o marcador e elástico que banalizam todos os clones dos Moleskine. É pena
Os cadernos azuis da empresa Firmo fazem parte da infância e nostalgia de muitos portugueses. São cadernos imponentes, qualquer que seja o seu tamanho, de capas robustas, uma etiqueta frontal severa e folhas fortes e macias, que rangem ao dobrar, e cujas linhas, tal como as rectas da matemática, parecem prolongar-se até ao infinito. São cadernos onde apetece escrever, semear pensamentos e inquietações, e sentir esse gesto como algo sagrado, que parece vir de um outro tempo em que cada palavra escrita era preciosa e impossível de apagar.
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Os cadernos azuis da empresa Firmo fazem parte da infância e nostalgia de muitos portugueses. São cadernos imponentes, qualquer que seja o seu tamanho, de capas robustas, uma etiqueta frontal severa e folhas fortes e macias, que rangem ao dobrar, e cujas linhas, tal como as rectas da matemática, parecem prolongar-se até ao infinito. São cadernos onde apetece escrever, semear pensamentos e inquietações, e sentir esse gesto como algo sagrado, que parece vir de um outro tempo em que cada palavra escrita era preciosa e impossível de apagar.
É por isso que mesmo que originalmente usados para registar pagamentos, actas, presenças, contas da mercearia e outros assuntos sérios, importantes e oficiais, os cadernos se tornaram muito apreciados por escritores, talvez atraídos pela qualidade e baixo preço, talvez lembrados do sarcasmo de Jean-Luc Godard de que a escrita era uma invenção de contabilistas.
O carisma dos cadernos tornou-os até personagens do livro "A Noite do Oráculo", do escritor americano Paul Auster, com poderes mágicos para orientar o protagonista do romance no acto imprevisível de escrever.
Mas recentemente a empresa de Vila Nova de Gaia lançou uma nova série de cadernos, mais estreitos, feios, de papel pior, com o marcador e elástico que banalizam todos os clones dos Moleskine, e, tal como o conhecido caderno italiano produzido na China, com um preço igualmente inflaccionado.
É pena: uma empresa que faz dos melhores cadernos do mundo, em vez de salvaguardar a sua originalidade e encontrar formas de a melhorar e modernizar, limita-se a agrafar-lhes apêndices de outro produto, na vaga esperança de que imitando o líder de mercado possa ficar com algumas das suas migalhas e esquecendo que uma imitação nunca tem a alma e o valor do original.
Mas isso retrata apenas a crença típica de muitas obras portugueses, de que imitando o que outros fazem lá fora traz sucesso e reconhecimento, sem perceber que são os criadores e criações mais portugueses e singulares que se distinguem.
A Firmo diz ter enviado exemplares dos novos cadernos a Paul Auster. Eu não sei qual foi a reacção do escritor americano — se é que a teve —, mas tenho para mim a desconfiança de que eles tenham apenas causado ao escritor nova-iorquino o desejo de voltar a Portugal e reabastecer-se dos seus preciosos cadernos azuis — originais, sólidos, imponentes — que um dia o ensinaram a terminar as suas histórias.