A manta de segurança em Sochi pode ser curta para tapar o resto da Rússia
Operação de segurança no palco dos Jogos Olímpicos de Inverno arranca nesta terça-feira, num país ainda ensombrado pelos atentados terroristas em Volgogrado, que fizeram 34 mortos.
Os números impressionam e reflectem a importância dos Jogos de 2014 para a imagem de Vladimir Putin, no final de um ano em que a Rússia marcou pontos na política internacional. Para construir de raiz uma aldeia olímpica, Moscovo gastou o equivalente a 36 mil milhões de euros, mais do dobro do que Pequim desembolsou para organizar os Jogos Olímpicos de Verão de 2008. Para reduzir o risco de que algo corra mal – desde perturbações causadas por manifestações até atentados terroristas –, foram gastos quase 1,5 mil milhões de euros.
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Os números impressionam e reflectem a importância dos Jogos de 2014 para a imagem de Vladimir Putin, no final de um ano em que a Rússia marcou pontos na política internacional. Para construir de raiz uma aldeia olímpica, Moscovo gastou o equivalente a 36 mil milhões de euros, mais do dobro do que Pequim desembolsou para organizar os Jogos Olímpicos de Verão de 2008. Para reduzir o risco de que algo corra mal – desde perturbações causadas por manifestações até atentados terroristas –, foram gastos quase 1,5 mil milhões de euros.
O Kremlin aposta todas as fichas na construção de uma espécie de cortina de ferro em Sochi, tão robusta que já deu origem a protestos de muitos habitantes da cidade – no domingo, mais de 200 pessoas manifestaram-se contra a forma como o Governo central está a gerir a situação, sob o lema "Os Jogos são dos cidadãos de Sochi e não dos visitantes".
Os dois atentados de 29 e 30 de Dezembro em Volgogrado foram um sério aviso para Putin. A histórica cidade industrial, antiga Estalinegrado, situa-se a cerca de 700 quilómetros de Sochi, mas é uma porta de entrada para a região da estância balnear e para as repúblicas do Cáucaso do Norte, onde a luta pelo estabelecimento de um Estado islâmico não dá tréguas a Moscovo.
No Verão do ano passado, o mais influente líder jihadista da região, Doku Umarov, apelou aos grupos radicais que fizessem uso da "máxima força" para sabotarem a realização dos Jogos Olímpicos de Sochi. Umarov, auto-proclamado "emir do Emirado do Cáucaso", é apontado como o instigador dos atentados em Volgogrado, que tiveram como alvos a principal estação de comboios da cidade e um eléctrico – apesar de ninguém ter reivindicado a autoria dos ataques, no apelo que lançou há seis meses Doku Umarov referiu-se explicitamente à rede de transportes públicos como um alvo preferencial.
Por todas estas razões, a impressionante operação de segurança em Sochi pode rapidamente transformar-se numa manta curta de mais para Vladimir Putin. No dia 30 de Dezembro, o jornal norte-americano USA Today frisava isso mesmo, citando um perito em segurança que está a par dos planos de Moscovo para lidar com o risco de atentados durante os Jogos Olímpicos. Segundo o responsável, que falara com o jornal norte-americano em Outubro e que foi citado sob a condição de anonimato, as autoridades receiam que o envio de um tão elevado número de polícias e militares para Sochi deixe muitos outros pontos do país vulneráveis, "incluindo redes de transportes".
Mísseis, satélites e drones
A operação de segurança que arrancou nesta terça-feira já tinha sido anunciada no ano passado, através de uma ordem executiva de Vladimir Putin. Ao todo, 37.000 agentes da polícia vão juntar-se ao contingente do Exército e da Marinha, num plano que inclui a instalação de seis sistemas antimíssil Pantsir-S; vigilância durante 24 horas por dias, através de satélite e do uso de drones; e os já esperados controlos de entradas e saídas, na aldeia olímpica e num cordão mais alargado à volta de Sochi.
"A partir de 7 de Janeiro, todas as divisões responsáveis por garantir a segurança dos convidados e dos participantes nos Jogos vão ser colocados em alerta de combate. Todas as questões de segurança para os Jogos Olímpicos de Inverno estão a ser tratadas ao mais alto nível internacional", disse nesta terça-feira o ministro para as Situações de Emergência, Vladimir Puchkov, citado pela agência russa Itar-Tass.
Para além de serem os Jogos Olímpicos mais caros de sempre, Sochi 2014 será também um dos eventos com segurança mais apertada, superando Londres 2012, onde 30.000 polícias e soldados concretizaram no terreno uma operação que custou cerca de 660 milhões de euros, menos de metade do valor despendido agora por Moscovo.
É uma operação que arranca a um mês da cerimónia de abertura dos Jogos de Inverno, mas que só vai terminar após o encerramento dos Jogos Paralímpicos, que vão ter lugar na mesma cidade entre 7 e 16 de Março.
É também o início de uma década repleta de eventos desportivos à escala mundial na Rússia, vistos como uma oportunidade para atenuar a ideia de um país várias vezes acusado de limitar a liberdade de imprensa e de violações dos direitos humanos. Em Junho do ano passado, em declarações ao The Moscow Times, o presidente do Comité Olímpico russo, Alexander Zhukov, apontava nesse sentido: "O efeito dos Jogos de Sochi será multiplicado; por exemplo, será uma oportunidade para que o mundo veja a Rússia de uma forma mais favorável."
Gennadi Gudkov, antigo membro do KGB e ex-deputado da câmara baixa do Parlamento russo, não tem dúvidas em ligar a imagem do Presidente a Sochi. "A imagem pessoal de Putin está intimamente ligada ao que acontecer nestes Jogos. Por isso, estou convencido de que será feito tudo o que for possível", disse, em declarações ao The Christian Science Monitor.
Ainda este ano, a Rússia deverá abrir as portas pela primeira vez ao circuito mundial da Fórmula 1, precisamente em Sochi. O circuito ainda está a ser construído, mas a prova já surge no calendário oficial, marcada para 12 de Outubro. O ponto mais alto da "nova Rússia" que Putin quer projectar no estrangeiro através do desporto chega em 2018, com o Mundial de futebol, que vai passar também pela estância balnear do Mar Negro.