Eusébio “é a maneira do povo entrar no Panteão”

Nem todos concordam, e são escassos os exemplos no Mundo de desportistas admitidos nos locais de cultos aos heróis nacionais

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Eusébio vai ficar internado no Hospital da Luz Foto: Enric Vives-Rubio

A maioria parlamentar dava o seu aval à proposta quando o futebolista não estava ainda sequer sepultado. Mas a pressa que se adivinhava no Parlamento não parece ser garantia de unanimidade fora daquele órgão de soberania.

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A maioria parlamentar dava o seu aval à proposta quando o futebolista não estava ainda sequer sepultado. Mas a pressa que se adivinhava no Parlamento não parece ser garantia de unanimidade fora daquele órgão de soberania.

“Ninguém devia estar no Panteão Nacional”, disparou categoricamente Maria Filomena Mónica assim que foi convidada a ponderar a possibilidade. “Aquele Panteão não celebra ninguém”, justificou a socióloga ao PÚBLICO depois de sustentar que as escolhas anteriores resultaram de “critérios ideológicos”.

Só isso explicava, segundo Filomena Mónica, a presença de alguns nomes e a ausência de outros. “Se alguém merecia estar no Panteão, era o Eça [de Queiroz], que está numa quinta em Tormes.

Sem ser tão assertivo, o filósofo e especialista em Cultura Portuguesa, Miguel Real, não deixa de aproveitar a ocasião para avaliar o contexto que permite sequer equacionar essa trasladação. “Eu recordo que já lá está a Amália [Rodrigues]”, afirma antes de lembrar que “segunda metade do século XX português não tem heróis”. Fruto da “Guerra do Ultramar que perdemos e do Estado Novo”. E o 25 de Abril, que trouxe consigo “a banalização dos comportamentos” e uma democracia em que os heróis que restam “são os desportistas”. “Face à ausência de heróis em Portugal, seja ao nível militar, seja ao nível social – não há um mecenas que se destaque – a Amália e o Eusébio surgem como os grandes heróis. E se o Panteão é para acolher os heróis, então eles são os nossos heróis”, concluiu. Afinal foi esse “vazio de valores que o futebol substituiu”. “Nada a opor, portanto, é a maneira do povo entrar no Panteão”, remata Miguel Real.

Foi no dia em que se soube do falecimento que surgiu a proposta. Um deputado do PSD, Duarte Marques, lançava a ideia através do Facebook: “Merece ser lembrado para sempre, continua a ser um símbolo de Portugal e a fazer parte do nosso património comum.” O ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Marques Guedes, surgiu depois apoiando implicitamente a proposta com a ressalva de essa ser “uma questão da exclusiva responsabilidade da Assembleia da República”.

Na segunda-feira, o aval das lideranças parlamentares da maioria confirmava-se. “Se há algum português que deve estar, é ele”, defendeu a vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, Teresa Leal Coelho. Do lado do CDS, a mesma convicção: “Naturalmente que se justifica que seja trasladado para o Panteão Nacional", afirmou o líder parlamentar centrista Nuno Magalhães. E o líder parlamentar do PS, Alberto Martins, requereu o agendamento do tema para discussão em próxima conferência de líderes parlamentares.

A destoar ficou a reacção mais fria da Presidente da Assembleia da República. Reconhecendo a sua posição como sendo “temerária” Assunção Esteves lembrou que a operação envolvia “custos mesmo muito elevados, na ordem de centenas de milhares de euros”, defendendo uma “partilha de custos” ao abrigo “de uma espécie de mecenato”.

A realidade é que são poucos os exemplos de grandes desportistas elevados à condição de heróis nacionais oficiais. Até porque o Olimpo desportivo é uma criação da segunda metade do século XX e muitas das suas lendas estão ainda vivas.

O caso mais similar é o de Ferenc Puskas, futebolista húngaro que Eusébio derrotou numa das finais da Taça dos Campeões Europeus. Em 2006, após a sua morte, o seu busto não foi para a Praça dos Heróis mas foi sepultado na Basílica de Budapeste.

Na Abadia de Westminster, o único exemplo é deJohn Broughton, campeão inglês entre 1729 e 1750 e considerado o pai do boxe moderno.Partilha o espaço com a nobreza britânica, com escritores como Byron e cientistas como Darwin.

Do outro lado do Atlântico, Joe Louis é outro exemplo similar. O boxista campeão mundial de pesos-pesados está sepultado no Cemitério Nacional de Arlington, o cemitério destinado a acolher os heróis militares norte-americanos, mas que também tem os restos mortais de muitos dos seus presidentes como John F Kennedy. Aquando da morte de Louis, o então Presidente dos EUA, Ronald Reagan dispensou as regras de elegibilidade para o enterro e o primeiro afro-americano tornar-se num ídolo nacional foi a sepultar em 1981 com honras militares.

A semelhança com as honras prestadas ao piloto Ayrton Senna fica-se pelos dias de luto. O Estado brasileiro anunciou três dias que culminaram no funeral em São Paulo, no cemitério público do Morumbi.

Curiosamente, três foram os dias de luto nacional por ocasião da morte de Nelson Mandela em Portugal. Em 2005, o Estado português decretou um dia de luto por ocasião da morte de Álvaro Cunhal. Em 1980 foram cinco, por ocasião da morte do então primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro.

É à Assembleia da República que cabe a responsabilidade de votar a trasladação para o Panteão “dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao país, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade”. Mas com a condição de tal acontecer apenas um ano após a morte.