Há três anos que há um projecto para a recuperação do Convento do Buçaco à espera de verbas
O incêndio da véspera de Natal que destruiu uma importante pintura de Josefa de Óbidos ter-se-á devido a um curto-circuito provocado por infiltrações. Fundação tentava há três anos obter dinheiro do Estado para fazer obras.
“A pintura desapareceu por completo e o resto da capela foi muito afectado”, diz ao PÚBLICO o antigo presidente da Fundação Mata do Buçaco (FMB), a entidade que tem à sua guarda desde 2009 este imóvel que é património do Estado, classificado desde 1943. “É uma tristeza enorme que se junta ao embaraço que foi, desde que comecei a trabalhar na fundação, ver os turistas que entravam no convento a terem de se proteger da água sempre que chovia.”
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“A pintura desapareceu por completo e o resto da capela foi muito afectado”, diz ao PÚBLICO o antigo presidente da Fundação Mata do Buçaco (FMB), a entidade que tem à sua guarda desde 2009 este imóvel que é património do Estado, classificado desde 1943. “É uma tristeza enorme que se junta ao embaraço que foi, desde que comecei a trabalhar na fundação, ver os turistas que entravam no convento a terem de se proteger da água sempre que chovia.”
António Jorge Franco, que chegou à FMB em 2009 e viu o seu substituto tomar posse há apenas cinco dias, esteve na igreja no dia 25 e lamenta que nos últimos três anos nada se tenha conseguido fazer para impedir que a obra do século XVII, que o historiador de arte Vítor Serrão diz ser “a jóia do recheio” desta casa religiosa que pertenceu aos monges carmelitas descalços, fosse destruída. E isto apesar de as obras no convento estarem previstas há mais de três anos, não tendo avançado por falta de verbas.
Foi no final de 2010/início de 2011, que a fundação criada há cinco anos deu por terminado o projecto de intervenção no convento, que previa a recuperação dos telhados e o restauro do património integrado, uma obra orçada em 1,4 milhões de euros que Franco e a sua equipa pretendiam candidatar ao Fundo de Salvaguarda do Património Cultural, por sugestão do próprio Ministério da Cultura e do Igespar, o organismo que à data tutelava o património (a candidatura ao fundo deu entrada a 9 de Junho de 2011, segundo o gabinte do secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier).
“A intervenção no convento era uma prioridade absoluta da fundação e assim se manteve até hoje”, acrescenta o antigo presidente. “Depois de termos feito o projecto, reunimos com a Direcção Regional de Cultura do Centro e com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, mais do que uma vez, mas tudo ficou suspenso por falta de verbas. Diziam-nos que o dinheiro do fundo de salvaguarda estava já todo destinado e que havia outro património em maior estado de degradação no centro do que o nosso convento.”
O projecto, garante António Jorge Franco, passou por vários directores regionais e por técnicos do património, sem qualquer resultado. “Não me compete discutir prioridades nas intervenções do Estado, mas também não vou dizer que ficámos a assistir a tudo de braços cruzados porque não ficámos.”
De quem é a responsabilidade?
O desaparecimento desta Sagrada Família, uma das primeiras encomendas de Josefa de Óbidos (1630-1684) como pintora profissional, é, segundo Vítor Serrão, uma “perda significativa”, já que se trata de uma obra “cuja valia é incalculável”. Para este historiador o incêndio reabre o debate sobre as condições em que se encontra boa parte do património histórico-artístico português e exige o apuramento de responsabilidades.
As causas do incêndio – ao que tudo indica um curto-circuito provocado por infiltrações, uma vez que os telhados do convento deixam entrar água – estão a ser apuradas pela GNR local, aguardando-se a qualquer momento um relatório, explica o actual presidente da fundação, o biólogo Fernando Correia. Só depois se decidirá o que fazer no que respeita às obras no imóvel, recorrendo ao projecto de 2010 e, “eventualmente”, a novos pareceres externos.
“Tudo isto é muito triste, não só pela perda patrimonial desta importante pintura [103X158 cm], mas também pela perda emocional. Há sempre uma boa dose de devoção ligada a uma cena religiosa como esta”, diz.
Tanto Fernando Correia como o seu antecessor reconhecem que competia à fundação a salvaguarda deste património, mas defendem que, apesar de o edifício e do seu recheio estarem à guarda de terceiros, o Estado não se pode demitir das suas responsabilidades.
Segundo os estatutos da FMB, de Maio de 2009, a missão desta entidade de interesse público passa pela “recuperação, requalificação e revitalização, gestão, exploração e conservação de todo o património natural e edificado da Mata Nacional do Buçaco”, permanecendo a sua propriedade no Estado. Foi através da Autoridade Florestal Nacional, serviço do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, que a administração central transferiu competências de gestão e salvaguarda do Buçaco para a fundação, mas, tratando-se o convento de um imóvel de interesse público há 70 anos, não terá a Secretaria de Estado da Cultura (SEC) responsabilidades na preservação deste património?
O PÚBLICO entrou em contacto com a SEC, que remeteu o dever de preservação daquele património para a tutela da fundação - o Ministério da Agricultura. "O secretário de Estado da Cultura apenas tem competência directa sobre o património afecto aos organismos por ele tutelados", disse por email o assessor do gabinete de Barreto Xavier, João Póvoas.
“É verdade, por um lado podemos dizer que há um incumprimento da missão da fundação, porque uma pintura foi destruída, mas por outro o Estado não pode ignorar o seu papel porque não basta entregar um bem falho [o imóvel degradado] e virar costas”, argumenta o presidente da FMB, reconhecendo que em tempos de crise é “extremamente difícil” reunir apoios públicos e privados e que esta é uma matéria delicada a exigir “cuidadosa ponderação”. “Talvez a destruição desta importante pintura sensibilize as pessoas e as faça olhar para o convento e para tudo o que ele guarda.”
António Jorge Franco diz que é importante “apurar responsabilidades”, mas sem deixar de levar em conta que o Estado nunca transferiu para a fundação verbas destinadas à recuperação do seu património: “Nós procurámos financiamento de outras formas e fomos fazendo ‘remendos’ sempre que era inevitável, sem nunca ter dinheiro para as obras estruturais que eram necessárias.”
A obra de Josefa de Óbidos, artista que tem vindo a gerar cada vez maior interesse no mercado de leilões nacional, valeria “no mínimo”, 40 mil euros, a avaliar pelo montante atingido por uma Natividade da pintora vendida no ano passado pela leiloeira Cabral Moncada.