Terapia genética conseguiu travar cancro da mama em ratinhos

Tratamento aplicado nos animais de laboratório reverteu progressão das células cancerosas do tecido mamário. Investigadores querem tentar aplicar técnica em humanos.

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Ductos mamários de ratinhos marcados por fluorescência Silva Krause e Amy Brock

O trabalho, liderado por Donald Ingber, centrou-se nas células dos ductos mamários, por onde passa o leite. “Apesar de haver algumas excepções, a maioria dos cancros da mama [cerca de 75%] aparece nas células epiteliais dos ductos”, disse ao PÚBLICO o investigador e fundador do Instituto Wyss para a Engenharia Inspirada na Biologia, da Universidade de Harvard.

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O trabalho, liderado por Donald Ingber, centrou-se nas células dos ductos mamários, por onde passa o leite. “Apesar de haver algumas excepções, a maioria dos cancros da mama [cerca de 75%] aparece nas células epiteliais dos ductos”, disse ao PÚBLICO o investigador e fundador do Instituto Wyss para a Engenharia Inspirada na Biologia, da Universidade de Harvard.

Muitas vezes, são detectadas lesões nas células do epitélio dos ductos mamários, que podem desenvolver-se em cancros. Mas o problema é identificar quais as lesões que efectivamente estão nesse caminho. Como a medicina ainda não é capaz de fazer essa triagem, recorre-se a soluções drásticas como a radioterapia ou mesmo a mastectomia, dois tratamentos violentos com efeitos secundários a nível físico e psicológico.

Por isso, uma avaliação feita por especialistas em cancro da mama, publicada em 2007, “identificou a necessidade urgente de se desenvolverem terapias minimamente invasivas que possam ser direccionadas directamente para o epitélio do ducto, de forma a prevenir a progressão de lesões pré-malignas sem produzir uma toxicidade sistémica”, lê-se no artigo.

Os investigadores escolheram uma abordagem genética, através da utilização do chamado “ARN de interferência”. Esta técnica trava a actividade genética nas células. A informação contida nos genes, que estão inseridos nas longas cadeias de ADN, é o molde inicial para se produzirem proteínas. Para isso, a maquinaria celular começa por passar a informação do ADN para o ARN – uma molécula que pode navegar à vontade na célula –, e finalmente traduz a informação contida na molécula de ARN nos aminoácidos que formam as proteínas. O ARN de interferência está concebido para se ligar ao ARN mensageiro que foi transcrito a partir do ADN, impedindo-o assim de ser traduzido na proteína.

Outras equipas já tinham usado com sucesso a técnica do ARN de interferência, para tratar cancros da mama de origem humana que foram implantados em ratinhos. Mas uma barreira existente era identificar um gene que fosse muito importante para desencadear o cancro.

Por isso, os investigadores foram à caça desse gene. Através de um algoritmo matemático, a equipa identificou ligações entre genes mais activos durante o desenvolvimento do cancro da mama em ratinhos. Ou seja, produziram uma rede onde uma ligação entre dois genes implica que a actividade de um deles activa a actividade do outro. Em cancros da mama mais tardios, há uma grande heterogeneidade nestas ligações observada em ratinhos. Mas segundo a equipa, quando se observam cancros da mama em fases mais iniciais, o conjunto de genes especialmente activos é cada vez mais semelhante.

No início deste processo, quando as futuras células cancerosas já têm uma actividade genética própria, mas o seu aspecto ainda é igual ao das células saudáveis do epitélio dos ductos, os cientistas descobriram que o gene HoxA1 tinha uma actividade anormal e parecia ser o mais importante.

O HoxA1 está activo durante o desenvolvimento embrionário humano, mas não é utilizado pelas células saudáveis do tecido mamário adulto, onde está silenciado. Além disso, há vários estudos que indicam que a sua actividade está associada ao aparecimento do cancro da mama nas mulheres. Todas estas provas tornaram-no num bom candidato para ser silenciado pelo ARN de interferência.

Próximo passo é em coelhos
Primeiro, os cientistas experimentaram in vitro silenciar este gene, em células cancerosas do epitélio dos ductos de ratinhos. Ao contrário das células saudáveis, que formavam tubos, as células cancerosas aglomeravam-se numa massa desestruturada. Mas quando os cientistas aplicaram o ARN de interferência, as células reverteram o processo canceroso e voltaram a ter um aspecto saudável.

Depois, a equipa fez o mesmo in vivo, em ratinhos. Para isso, injectou a solução com o ARN de interferência – que estava dentro de pequeníssimas bolas ocas de gordura, uma técnica desenvolvida há poucos anos por um dos elementos da equipa – através dos mamilos dos ratinhos. O líquido entrou pelos ductos mamários, fazendo o caminho inverso do leite. Estes ratinhos eram transgénicos, tendo um outro gene responsável pelo cancro da mama. O tratamento foi aplicado durante a fase inicial do cancro, e a incidência de tumores reduziu-se em 75%. Os cientistas verificaram ainda que as células passaram a multiplicar-se menos.

Para perceber se a terapia atingia outros tecidos, o que poderia comprometer um tratamento em humanos, a equipa utilizou um marcador fluorescente ligado ao ARN de interferência para observar, por microscopia, o seu comportamento. “Não vimos quaisquer sinais do ARN de interferência em tecidos periféricos, indicando que as moléculas são apanhadas pelas glândulas mamárias e não entram na corrente sanguínea”, explicou ao PÚBLICO Amy Brock, uma das autoras do estudo que agora trabalha na Universidade de Austin, no Texas.

O próximo passo da equipa será testar a terapia noutra cobaia cuja anatomia dos ductos da mama seja semelhante à das mulheres – como os coelhos – e procurar efeitos secundários da técnica, para se poder passar aos ensaios clínicos. Uma questão que ainda falta responder é saber a dose que este tratamento requer em humanos, explica-nos Donald Ingber: “Mulheres com propensão para esta doença terão provavelmente de receber tratamentos de poucos em poucos meses. O mesmo tratamento poderá também ser administrado em locais [da mama] onde houve cirurgias de remoção de tumores, para induzir a reversão das células que ficaram em tecido mais normal.”