A boémia parisiense dos anos 20 num romance autobiográfico de Picabia

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Assinalando os 60 anos da morte do pintor e escritor dadaísta e surrealista Francis Picabia (1879-1953), a editora francesa Belfond acabou de reeditar o seu romance póstumo Caravansérail, cuja única edição datava de 1974 e estava há muito esgotada. Escrito em 1924, Caravansérail — substantivo que designa um lugar de paragem para caravanas — é um relato autobiográfico e um fresco da louca boémia parisiense dos anos 20. 

A caravana a que o título alude poderia ser o próprio Picabia, um amante da velocidade — tinha um fraco por carros de corrida — que se movia a cem à hora na noite parisiense: de um jantar com amigos a um bar de jazz, de uma sessão de ópio ao apartamento duma amante, passando pelo casino de Montecarlo ou pelo andar de André Breton. O papa do surrealismo leu o dactiloscrito do amigo e fez-lhe saber que o achava “muito maçador”. Não admira: Picabia farta-se de gozar com as teorias e as querelas doutrinárias de Breton — que acabara de publicar, nesse mesmo ano de 1924, o primeiro Manifesto do Surrealismo — e com as sessões espíritas que o mestre promovia em sua casa. 

Mas neste romance de Picabia, cujo dactiloscrito só foi redescoberto em 1971, comparece toda a brilhante geração de vanguardistas que deambulava por Paris nesses acelerados anos de entre guerras: Picasso e Marcel Duchamp, Max Ernst e Paul Éluard, Erik Satie ou Jean Cocteau. E Louis Aragon, a quem solicitou (em vão) um prefácio para Caravansérail. 

Mas nem todos os amigos de Picabia eram artistas ou escritores. Uma das figuras evocadas no romance é, por exemplo, o boxeur francês Georges Carpentier, visto na época como uma espécie de herói nacional. Carpentier acabara de regressar dos Estados Unidos e Picabia, que conhecia bem Nova Iorque, queria saber o que mais impressionara o boxeur na América. Percebe-se que adorou o involuntário humor da concisa resposta de Carpentier: “C’est Dempsey” [o francês saíra deveras maltratado de um combate com o campeão do mundo Jack Dempsey, que o vencera em quatro rounds perante uma assistência de quase cem mil pessoas].

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Assinalando os 60 anos da morte do pintor e escritor dadaísta e surrealista Francis Picabia (1879-1953), a editora francesa Belfond acabou de reeditar o seu romance póstumo Caravansérail, cuja única edição datava de 1974 e estava há muito esgotada. Escrito em 1924, Caravansérail — substantivo que designa um lugar de paragem para caravanas — é um relato autobiográfico e um fresco da louca boémia parisiense dos anos 20. 

A caravana a que o título alude poderia ser o próprio Picabia, um amante da velocidade — tinha um fraco por carros de corrida — que se movia a cem à hora na noite parisiense: de um jantar com amigos a um bar de jazz, de uma sessão de ópio ao apartamento duma amante, passando pelo casino de Montecarlo ou pelo andar de André Breton. O papa do surrealismo leu o dactiloscrito do amigo e fez-lhe saber que o achava “muito maçador”. Não admira: Picabia farta-se de gozar com as teorias e as querelas doutrinárias de Breton — que acabara de publicar, nesse mesmo ano de 1924, o primeiro Manifesto do Surrealismo — e com as sessões espíritas que o mestre promovia em sua casa. 

Mas neste romance de Picabia, cujo dactiloscrito só foi redescoberto em 1971, comparece toda a brilhante geração de vanguardistas que deambulava por Paris nesses acelerados anos de entre guerras: Picasso e Marcel Duchamp, Max Ernst e Paul Éluard, Erik Satie ou Jean Cocteau. E Louis Aragon, a quem solicitou (em vão) um prefácio para Caravansérail. 

Mas nem todos os amigos de Picabia eram artistas ou escritores. Uma das figuras evocadas no romance é, por exemplo, o boxeur francês Georges Carpentier, visto na época como uma espécie de herói nacional. Carpentier acabara de regressar dos Estados Unidos e Picabia, que conhecia bem Nova Iorque, queria saber o que mais impressionara o boxeur na América. Percebe-se que adorou o involuntário humor da concisa resposta de Carpentier: “C’est Dempsey” [o francês saíra deveras maltratado de um combate com o campeão do mundo Jack Dempsey, que o vencera em quatro rounds perante uma assistência de quase cem mil pessoas].