12 Anos Escravo
O corpo humano em cativeiro já era o que interessava Steve McQueen em Fome, a sua bela estreia cinematográfica, e com ligeira modulação (um cativeiro auto-imposto) também no filme seguinte, o igualmente óptimo Vergonha. Portanto, se um olhar sobre a escravatura não só não destoa como faz a priori todo o sentido no percurso de McQueen, o que é que decepciona em 12 Anos Escravo? Resumidamente: a conformação, sem desvios, com um maniqueísmo comum, que nem por ser certo (escravatura = tortura) alguma vez deixa o território do bom senso mais confortável (Saló é que este filme não é, e nem sequer tem a ambiguidade Sado-maso do olhar de Polanski, por exemplo sobre o gueto de Varsóvia, no Pianista); mas sobretudo a conversão do que nos filmes anteriores era um modo de narrar “interior”, muito directo e muito essencial, em mera “música de acompanhamento” - falamos da mise-en-scène de McQueen, que aqui pela primeira vez parece decorativa, laboriosa mas decorativa, só afirmação de uma presença. O que parcialmente redime o filme é o seu trabalho sonoro, esse sim de uma sofisticação quase sempre pertinente na maneira como se “desnaturaliza” e como frequente encadeia, até em dissonância, diálogos, ruídos, música. O melhor momento do filme é um momento de montagem de som: a sobreposição de um discurso racista (em off) às imagens e sons de uma amena cerimónia religiosa (dos brancos), assim poderosamente sugerindo que a escravatura era, antes do mais, uma ordem social.
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O corpo humano em cativeiro já era o que interessava Steve McQueen em Fome, a sua bela estreia cinematográfica, e com ligeira modulação (um cativeiro auto-imposto) também no filme seguinte, o igualmente óptimo Vergonha. Portanto, se um olhar sobre a escravatura não só não destoa como faz a priori todo o sentido no percurso de McQueen, o que é que decepciona em 12 Anos Escravo? Resumidamente: a conformação, sem desvios, com um maniqueísmo comum, que nem por ser certo (escravatura = tortura) alguma vez deixa o território do bom senso mais confortável (Saló é que este filme não é, e nem sequer tem a ambiguidade Sado-maso do olhar de Polanski, por exemplo sobre o gueto de Varsóvia, no Pianista); mas sobretudo a conversão do que nos filmes anteriores era um modo de narrar “interior”, muito directo e muito essencial, em mera “música de acompanhamento” - falamos da mise-en-scène de McQueen, que aqui pela primeira vez parece decorativa, laboriosa mas decorativa, só afirmação de uma presença. O que parcialmente redime o filme é o seu trabalho sonoro, esse sim de uma sofisticação quase sempre pertinente na maneira como se “desnaturaliza” e como frequente encadeia, até em dissonância, diálogos, ruídos, música. O melhor momento do filme é um momento de montagem de som: a sobreposição de um discurso racista (em off) às imagens e sons de uma amena cerimónia religiosa (dos brancos), assim poderosamente sugerindo que a escravatura era, antes do mais, uma ordem social.