Igreja espanhola celebra revisão da lei do aborto, sociedade critica

Milhares participam em homilia em defesa da família na praça Colón de Madrid.

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“Nem sequer o dom da vida se entende como definitivo ou inviolável”, frisou o cardeal arcebispo de Madrid, Antonio María Rouco Varela, que dirigiu a homilia e evitou referir-se explicitamente à proposta de lei apresentada pelo ministro da Justiça, Alberto-Luiz Gallardón, que está a gerar enorme polémica e a dominar o debate público em Espanha.

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“Nem sequer o dom da vida se entende como definitivo ou inviolável”, frisou o cardeal arcebispo de Madrid, Antonio María Rouco Varela, que dirigiu a homilia e evitou referir-se explicitamente à proposta de lei apresentada pelo ministro da Justiça, Alberto-Luiz Gallardón, que está a gerar enorme polémica e a dominar o debate público em Espanha.

O cardeal preferiu destacar a necessidade de defender a família cristã face à “cultura de tristeza” e de “transitoriedade” em que alegadamente vive a sociedade espanhola, e apelar à resistência dos fiéis contra a “sufocante atmosfera intelectual e mediática”.

Para Ignácio Gonzales, um agente comercial de 49 anos que viajou de Murcia com a mulher e os seus filhos para participar na missa, a “defesa da família faz-se com a abolição da lei: a revisão é insuficiente porque continua a permitir-se a realização de abortos em certas circunstâncias”, explicou à AFP. “O aborto é um crime e como tal tem de ser ilegal”, concordava Maria Cardador, de 82 anos, residente em Córdova.

A revisão legislativa, que foi uma das promessas eleitorais do líder do Partido Popular, Mariano Rajoy, agora no poder, reverte a actual norma que possibilita a interrupção da gravidez até às 14 semanas (ou às 22, quando se verifica alguma malformação no feto), e estabelece que o aborto apenas será autorizado quando é “necessário por causa de um grave perigo de vida ou da saúde física e psicológica da mulher” ou quando a gravidez tenha resultado de “um delito contra a liberdade ou integridade sexual da mulher”.

Saúde mental e juízos morais
As mulheres cujos casos individuais preencham estes critérios terão de enfrentar um complicado processo administrativo, que começa com a confirmação da gravidez por um ginecologista e a manifestação da intenção de abortar. O médico é então obrigado a referir o caso para um psiquiatra, a quem cabe a responsabilidade de diagnosticar se a gravidez representa um “risco importante” e para a saúde da mãe (se essa for a razão invocada para a interrupção da gravidez).

No entanto, esse certificado não será suficiente para que a mulher possa avançar com o procedimento. O diagnóstico terá de ser confirmado por uma segunda opinião – e se esta for diferente, a mulher terá de se submeter a nova consulta, para que o diagnóstico seja confirmado por pelo menos dois profissionais de saúde mental. Quando tal suceder, a mulher receberá um atestado médico relativo à sua saúde psíquica.

Numa nota assinada pela presidente da Associação Espanhola de Neuropsiquiatria, Eudoxia Gay, estes médicos contestam o papel que o Governo lhes pretende reservar. “A interrupção da gravidez é uma questão que fica no âmbito da saúde sexual e reprodutiva. Uma mulher que aborta não é uma doente mental. Não cabe aos médicos psiquiátricas fazer juízos morais ”, diz.

Em declarações ao jornal El País em nome individual, também o presidente da Sociedade Espanhola de Psiquiatria, Miguel Gutiérrez, manifestou preocupação com o que descreveu como uma “eventual instrumentalização da psiquiatria” e lamentou que o colégio de médicos não tenha sido consultado durante toda a fase de elaboração do projecto de lei, “apesar de esta lhes adjudicar um papel tão importante”.

Quando estiver munida dos atestados médicos, a mulher desloca-se então aos serviços da Segurança Social, para uma consulta que incluirá informação jurídica (nomeadamente de que “a vida do não-nascido constitui um bem jurídico protegido pela Constituição”) e orientações para a resolução dos “problemas e conflitos pessoais” que tenham sido alegados como a causa da sua decisão. Na mesma consulta, a mulher terá de ser alertada para as alternativas ao aborto – desde a custódia administrativa da criança à adopção.

Cumprida mais essa etapa, a mulher obtém um novo certificado. A partir dessa data entra em vigor um período de reflexão obrigatório de sete dias, ao fim dos quais terá de confirmar em definitivo a vontade de pôr termo à gravidez. “É um retrocesso de 30 anos”, criticou a número dois do Partido Socialista Espanhol, que apelou à mobilização contra a nova lei.

Apesar de ter sido aprovado em conselho de ministros, o anteprojecto legislativo já foi posto em causa por vários dirigentes conservadores, ainda terá de ultrapassar vários trâmites parlamentares. Mas em princípio a maioria do Partido Popular será suficiente para garantir a sua votação.